terça-feira, 1 de maio de 2012

KITE



Fiz anos há pouco tempo. O meu filho mais velho, sem o saber, ofereceu-me um DVD dos U2, um concerto que andava a perseguir há anos mas que não conseguia encontrar. Chama-se GO HOME e foi filmado na Irlanda à beira do castelo de Sloan, arredores de Dublin, em 2001. Quando o comecei a visionar, saltou-me de lá de dentro esta musica, uma pérola que, por alguma razão, estava arquivada numa prateleira esquecida da minha memória. Fala da relação entre pai e filho. Tem duas vias de interpretação, uma para trás, outra para a frente. Para trás, Bono evoca a memória do pai falecido há pouco tempo. Para a frente, fala de uma tarde em que ele saiu com uma filha para o campo para tentarem pôr a voar um papagaio de papel (“pipa” no Brasil, “kite” em inglês). A tentativa de colocar o dispositivo no ar não foi bem sucedida. A filha então perguntou ao pai se podiam voltar para casa e ver um DVD. Nessa altura, ele percebeu que estava a chegar o dia em que ele iria deixar de ser decisivo, ou pelo menos vital, na sua existência. A canção começou a ser criada a partir daí. A cria ia começar a sair do ninho. As lágrimas começaram a cair sem que lhes tivesse dado autorização para isso. Há sempre uma canção que nos faz recordar o essencial da existência. O amor entre os seres, a duração limitada de tudo o que nos acontece, por mais que nos pareça vestida com as cores da eternidade. Os meus filhos são dois homens extraordinários, cada um no seu estilo, duas criaturas que amarei incondicionalmente enquanto houver consciência de mim. A ajuda para empurrar o baloiço, o aviso acerca dos aspectos traiçoeiros do caminho, uma tarde a tentar fazer voar um papagaio, tudo isso faz parte de uma canção extraordinária. A canção da nossa condição humana, onde o amor é a maior força que nos pode orientar e a finitude o conceito máximo que tudo regula. Não é bom nem mau, é um dos aspectos normativos mais importantes e incontornáveis da existência. E, como tudo na vida, não foi nenhuma coincidência ter recebido esta mensagem de um filho. Esta mensagem que hoje decido partilhar convosco…




Artur

4 comentários:

Clarice disse...

Muito bonito o teu texto Artur, a ilustrar tão fielmente esta ideia de que o amor...move, move...

"A canção da nossa condição humana, onde o amor é a maior força que nos pode orientar e a finitude o conceito máximo que tudo regula. "

E já agora... um beijinho de Parabéns!:)

Artur Guilherme Carvalho disse...

Clarice:
sempre atenta, sempre em cima da jogada com este blog. Obrigado pela tua atenção, pelo teu carinho, pelas tuas palavras e pelos parabens. Bjs
Artur

Anónimo disse...

Há sempre uma canção que nos faz recordar o essencial da existência. O amor entre os seres, a duração limitada de tudo o que nos acontece, por mais que nos pareça vestida com as cores da eternidade.

E haverá eternamente pais que amam incondicionalmente os filhos. já não tenho tanta certeza é que haja pais com esta capacidade brilhante de dizer "Amor".

Parabéns muito atrasados ao homem. Parabéns que nunca virão tarde nem serão suficientes para alguém que escreve assim.

=^.^=

Artur Guilherme Carvalho disse...

Cara(o) anónima(o), não sei porquê convenci-me tratar-se de uma mulher. Se errei, peço desculpa. O anonimato tem destas armadilhas...
Muito obrigado pelas suas palavras e pelos parabens. Como ninguem escreve para guardar na gaveta, eu não sou excepção, quando há retorno dos leitores é sempre uma grande alegria. Dizer o Amor é senti-lo primeiro e traduzi-lo depois. Transcrever o sentir é, como diz o Sérgio Godinho: "adivinhar o que é mais/ os segredos imortais/ que no fundo são iguais/ em todos nós.
Mais uma vez obrigado pela sua visita. Volte sempre. Comente sempre