domingo, 31 de outubro de 2010

O TOCADOR DE BAIXO



Eras homem de poucas falas, o que só ajudava a aumentar as dimensões do mito à tua volta. Durante anos julguei que era um truque para engatar miúdas. Mas não. Tudo o que girava à tua volta era um composto nebuloso de lenda e mistério. Nem a tua idade certa conseguimos saber. Enquanto ainda andávamos a “pastar” no liceu, já tu trabalhavas há vários anos naquela editora de livros para crianças. Mas no bairro os mais velhos garantiam que nem sempre tinhas sido assim. Foi quando voltaste de África que te transformaste num ser diferente…o único que eu conheci. Calado, misterioso, que acompanhava todas as nossas maluqueiras com o baixo, sem questionar. Nunca havia conflitos de interesse criativo. Esperava pelo teu autocarro à quinta-feira, o dia dedicado à falta de jantar, para seguirmos juntos para o ensaio. Caminhava a teu lado como um tagarela. Despejava baldes de palavras e recebia um sorriso ou um resmungo de volta, uma vez por outra. Quando alguém te perguntava directamente qualquer coisa sobre a vida, a morte, a guerra, a tua resposta não variava muito. Inclinavas-te meditativo sobre o baixo a contemplar as caixas de ovos que isolavam as paredes no estúdio. “Sabes, pá…há coisas que só passando por elas…Cada um lê o mesmo livro de maneira diferente.” E pronto. O resto da noite selava-te a boca e só os dedos agarrados às cordas do baixo se faziam ouvir.
Demorei muito tempo a perceber se era teu amigo. Eu achava que sim embora não tivesse a certeza. Nunca te perguntei nada sobre isso para não ouvir uma resposta daquelas que não queria. Mas houve uma tarde em que percebi. Foi quando estávamos a tocar numa escola nos arredores de Lisboa. Estavas dentro da música ou a música estava dentro de ti, o que vai dar ao mesmo. A minha batida saía ao ritmo correcto ao fim de meses a assassinar bombos e tambores. E o baixo parecia que tocava sozinho, sem esforço. Tu dançavas para lá e para cá como um deus que acabava de regressar a casa. O teu casaco comprido desenhava a envergadura das asas que te levavam para muito longe, para os paraísos da harmonia. Eras tu sozinho e nada mais existia. Ias caminhando e dançando na direcção da luz dos bastidores, deixando para trás uma sombra mágica de expressão, uma forma para a qual todas as palavras eram supérfluas. Nessa noite transmiti-te essa “fotografia” da silhueta do baixo que desaparecia a caminho da luz. Só não te disse que tinha percebido que éramos amigos. Tu viraste metade de uma caneca de cerveja e arqueaste as sobrancelhas numa expressão de espanto natural. “Sabes, há coisas que só passando por elas… cada um lê o mesmo livro de maneira diferente”.
E lê mesmo. Ontem não foi muito agradável ler uma costura gigante a decorar a metade rapada da tua cabeça. Parecia um adereço “Punk” fora de moda. Nem me é agradável antever os teus próximos dias enfiado no folclore do combate ao tumor que era maligno, ao desalinhamento das diabetes, à progressiva implosão do corpo. E à pergunta da praxe, respondeste com a mesma calma de sempre. “Sabes como é…só passando por elas”.
Sei que somos amigos, sei que não tens medo. Talvez uma pequena tristeza de estar agora a passar por isto tudo. Mas tens uma vida cheia de acontecimentos fantásticos que não partilhaste com ninguém, uma “marmita” existencial plena, um bilhete que te permitiu andar em todos os carrosséis. A tua partida não será mais que uma repetição. A tua condição divina reconfirmada, repleta de lendas e mistérios que te acompanharão como bagagem. És um deus que eu vi um dia a caminhar para a luz a balouçar um baixo que tocava sozinho. Uma silhueta de quem fui amigo. Uma canção que nunca vai sair de moda porque não pertence a tempo nenhum. Se esperares um bocadinho, daqui a nada estou a dirigir-me para a saída do palco. A mesma por onde passaste. Vou deixando para trás uma silhueta muito mais pequena que a tua e voltar a beber umas cervejas seja lá onde for. Porque…há coisas que só passando por elas… E o livro que me emprestaste lê-se de muitas maneiras. Uma por cada leitor que lhe pega…
Artur

sábado, 30 de outubro de 2010

AGUENTAR...


Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço que a minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...

(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

CADAVRE EXQUIS



"Le dur désir de durer" - Paul Éluard


NOTA PRÉVIA: Um amigo, cujas opiniões muito prezo, alertou-me para o facto de os meus pobres escritos neste blog estarem feridos de morte pela raiva, acrimónia e azedume que encerram. Assim, louvando-me no poder e justeza dos seus argumentos, resolvi emendar-me, converter-me, corrigir-me, tornando-me cordato, sensato, consensual, apaziguador, materializando-se este esforço na:

CARTA ABERTA AO CANDIDATO, SUA EXCELÊNCIA PROFESSOR DOUTOR ANÍBAL CAVACO SILVA.


V. Exa.:

Serve a presente para transmitir a V. Exa. o desgosto que me causou o tom de cerimónia fúnebre com que foi embrulhado o anúncio da candidatura de V. Exa. a um novo mandato como Presidente da nossa República. Uma ocasião que, outrossim, se queria festiva, cheia de esperança e confiança no futuro, revelou-se afinal uma função soturna, cinzenta e sem qualquer rasgo de alegria ou de emoção. Qualquer coisa assim como uma comunicação ao país de uma vitória antecipada, a fazer lembrar as comunicações do defunto e saudoso Almirante Américo de Deus Thomaz. Mas, não se iluda V. Exa. quanto a isso, não foi apenas uma questão de estética ou de estilo que me embaraçou. Pelo contrário, foram diversas questões substantivas e de fundo que acabaram por defraudar as altas expectativas que depositei na solene ocasião, e que passo a partilhar com V. Exa.. Sem qualquer preocupação metodológica, começo pelo fim, já que por algum lado se há-de sempre começar. Lamento profundamente que tenha declarado não acreditar em utopias nem fantasias. Relembro-lhe que utopia é um derivado da palavra grega utopos, que significa "lugar que não existe". Ora, será difícil que alguém acredite ou deixe de acreditar em lugares que não existem. No entanto, se quisermos levar a hermenêutica um pouco mais além, sempre diremos que as utopias, não sendo questão de crenças, são construcções intelectuais, mundos possíveis, alternativos, sistemas de organização política, social e económica relacionadas com determinadas estruturas conceptuais que respondem a um imenso estendal de questões que os homens sempre colocaram sobre as formas de vida em comum, de progresso e de aperfeiçoamento material e espiritual. Nesse sentido, uma obra como "A República" (escrita por Platão no século IV a.c.) pode ser considerada como uma utopia, para além de ser uma espécie de radiografia do pensamento político e filosófico da sua era, característica partilhada por todas as utopias dignas desse nome. Por outro lado, a afirmação ainda me espantou mais quando me recordei que V. Exa., há alguns anos, declarou ser "A Utopia" o seu livro preferido. Na altura, enganou-se, atribuindo-o a Thomas Mann (escritor alemão do século XX, autor de "A Montanha Mágica", "Morte Em Veneza", etc.), quando ela foi escrita por Thomas More (escritor e santo inglês do século XVI, que concebeu a sua obra como idealização de um Estado capaz de realizar plenamente as potencialidades humanas, dentro de critérios ético-morais e humanistas abrangentes. De passagem, note-se que a obra é usualmente considerada como uma crítica feroz da situação política e social da época). No que às "fantasias" diz respeito, cabe-me perguntar se haverá maior fantasia do que aquela que consiste em fazer promessas que consabidamente não podem ser cumpridas; em 2005 V. Exa. referiu-se ao seu vasto conhecimento em matéria económica e financeira e experiência nesses domínios como uma mais-valia da sua eleição, já que poderia colocar experiência e conhecimento ao serviço do país, melhorando-lhe a condição. Ontem, reiterou essa mesma promessa fantasiosa. Também considerei um pouco excêntrico o anúncio relativo às suas despesas de campanha : metade do montante legalmente autorizado e nada de cartazes -também conhecidos como "outdoors". Excêntrico, mas moralizador. Pedindo-lhe que me perdoe o atrevimento, sugeria-lhe que abdicasse das pensões e reformas que acumula com o seu salário, tornando assim o seu exemplo universal e poderosamente motivador para toda a classe política, algo assim como um imperativo categórico (I. Kant "Crítica da Razão Prática", Alemanha, século XVIII). Não me surpreendeu a magnífica avaliação do seu mandato, não podendo no entanto concordar com essa visão mirífica. Com confessada mágoa declaro que tenho do seu mandato uma péssima opinião, que me leva a classificá-lo na categoria mau ou, vá lá, medíocre. Não entrarei na questão da interpretação que V. Exa. faz dos poderes presidenciais, pois tal conduziria inevitavelmente a um nível de enunciados psico-morais no qual não pretendo envolver V. Exa.. Restrinjo-me a enunciar dois factos exemplificativos da interpretação errónea da sua magistratura: durante o ano de 2009 (ano em que se realizaram três actos eleitorais), V. Exa. arrastou durante meses a questão do estatuto político-administrativo dos Açores, abrindo uma guerra desnecessária com o Governo e o partido que o apoia, tentando, quiçá, favorecer o principal partido da oposição, na altura dirigido pela sua amiga pessoal e correlegionária política, Dra. Manuela Ferreira Leite. Esta leitura do facto sustenta-se na evidente falta de razões para esse arrastamento e por essa dilação. O segundo facto consiste na lamentável questão das "escutas" e da comunicação que então fez ao país, em plena campanha eleitoral. Se a intervenção presidencial no jogo partidário e eleitoral não foi propositada e resultou de mera coincidência temporal, torna-se ainda mais grave, revelando grande inconsciência política. Finalmente, sublinho o facto de V. Exa. se ter interrogado, estendendo a interrogação a todos os portugueses e comprometendo-os na eventual resposta, sobre o que seria o país se não tivesse beneficiado da sua magistratura. Pior ? Seria muito difícil...
Espero que me perdoe o desabafo e este partilhar de mágoas e decepções, evidenciando uma manifesta incapacidade de me exprimir em português correcto e tendo que recorrer a um vocabulário rude e a uma síntaxe pobre. Não me agradeça; eu pertenço à metade dos portugueses que gostariam de o ajudar a terminar com dignidade o seu mandato.

Sem outro assunto de momento, subscrevo-me com os melhores cumprimentos, colocando-me ao seu dispor para tudo aquilo que entender necessário

Arnaldo Mesquita

terça-feira, 26 de outubro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

YELLOW



Quando um grupo de amigos se junta, acontecem momentos como este. A plateia fica hipnotizada e até os velhos do camarote se calam. A amizade, a arte e a harmonia juntas, perfazem as únicas estações do caminho que valem a pena recordar. Um pequeno tributo a Jim Henson.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Angelus Novus, Walter Benjamin e A Corja 3



CATÁSTROFE ATRÁS DE CATÁSTROFE, RUÍNA APÓS RUÍNA

A Corja agita-se freneticamente. Pode agora atirar-se ao Orçamento como os cães à carniça, lamentar-se e choramingar, cumprindo a função de carpideiras para o qual os oficiantes da Corja são naturalmente talhados. A mãe de Boabdil, último sultão de Granada, ao ver o filho carpir a mágoa de ter perdido a cidade para os Reis Católicos lançou-lhe, com verrinosa crueldade, o dito que mais parece um anátema: "Chora agora como uma mulher aquilo que não soubeste defender como um homem". Aos do PSD já lhes cheira a poder, tal como aos porcos cheira a lavadura: agitam-se as hostes salivando ao cheiro de empregos, prebendas, privilégios e sinecuras a distribuir. A Corja e a seita social-democrata tratam de obliterar a sua quota-parte de responsabilidade no estado pré-comatoso, pré-caótico a que este pobre país chegou, ignorando olimpicamente um outro documento, recentemente editado, que escava fundo nas areias movediças do regime, encontrando uma das raízes do nosso actual problema; falo do livro "Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro", do Juiz Carlos Moreno do Tribunal de Contas. Nele são denunciados sem piedade todos os conluios, negociatas, acordos escuros e outras formas criminosas através dos quais os governos Cavaco, Guterres, Barroso, Lopes e Sócrates esbanjaram em negócios ruinosos para o Estado o dinheiro dos contribuintes e que, através das famosas parcerias público-privadas, conduziram o país ao actual descalabro. Cito, de tão exemplar que é, o caso do Eng. Ferreira do Amaral que, na qualidade de Ministro das Obras Públicas, assinou um dos mais escandalosos e ruinosos contratos com a Lusoponte. O referido senhor é, desde que abandonou funções governativas, pasmai almas inocentes, administrador da Lusoponte. Esta gente, que nunca produziu nada, em contribuiu com nada para o bem comum, faz lembrar o parasita que se alimenta do sangue do hospedeiro até o esgotar e levar à morte, mudando-se em seguida para outro hospedeiro. Foi assim que encheram os bolsos, através de relações, contactos, amizades e conluios, como os mafiosos, com a subtileza e altivez que falta aos seus congéneres criminais. Para eles, cito um passo do Padre António Vieira do "Sermão do Bom Ladrão":

"O que só digo e sei, por ser Teologia certa, é que em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos Princípes de Jerusalém : Principes tui socci forum : os teus Príncipes são companheiros dos ladrões. E por quê ? São companheiros dos ladrões porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões porque os consentem; são companheiros dos ladrões porque lhes dão os postos e os poderes; são companheiros dos ladrões porque os defendem; e são finalmente companheiros dos ladrões porque os acompanham e hão de acompanhar ao Inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo."

O que foi que Isaías disse e que Vieira cita ? "os teus príncipes são infiéis, companheiros dos ladrões; todos eles amam as dádivas, andam atrás das recompensas. Não fazem justiça ao órfão e a causa da viúva não tem acesso a eles" Isaías 1.23

Não precisamos temer, como os romanos, a invasão dos sevandijas. Eles já cá estão.

BENJAMIN

Para melhor compreender o conceito de "interrupção histórica", proponho-me analisá-lo em primeira instância como um conceito polémico e provocatório, isto é, pela via da confrontação de Benjamin com o historicismo e com a historiografia racionalista e socializante do progresso, confronto que está na origem das famosas "Teses Sobre o Conceito de História". Lembremos que a crítica de Benjamin não se dirige apenas à ideologia do progresso da social-democracia nem à erudição laxista, pretensamente desinteressada do historiador; atrás destas escritas aparaentemente contraditórias da História, Benjamin visa a própria concepção do "tempo homogéneo e vazio", esse tempo indeiferente ao infinito que se escoa, igual a si-mesmo, afogando à sua passagem o sofrimento, o horror e também o êxtase da felicidade. A historiografia que repousa sobre esta concepção trivial do tempo como cronologia linear opera na base de dois princípios narrativos complementares: desde logo um conceito totalmente brusco de causalidade histórica, como se a sucessão cronológica fosse sinónimo de uma relação substancial de necessidade histórica. A isto opõe Benjamin um conceito pleno do tempo de agora, ao mesmo tempo surgimento do passado no presente e "evento do instante", "do que começa a ser..que deve pelo seu nascimento nascer de si-mesmo, vir a si, sem partir de nenhuma parte".


CONTINUA



terça-feira, 19 de outubro de 2010

THE LUNATICS





The lunatic is on the grass
The lunatic is on the grass
Remembering games and daisy chains and laughs
Got to keep the loonies on the path
The lunatic is in the hall
The lunatics are in my hall
The paper holds their folded faces to the floor
And every day the paper boy brings more
And if the dam breaks open many years too soon
And if there is no room upon the hill
And if your head explodes with dark forbodings too
I'll see you on the dark side of the moon
The lunatic is in my head
The lunatic is in my head
You raise the blade, you make the change
You re-arrange me 'till I'm sane
You lock the door
And throw away the key
There's someone in my head but it's not me.
And if the cloud bursts, thunder in your ear
You shout and no one seems to hear
And if the band you're in starts playing different tunes
I'll see you on the dark side of the moon

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ANGELUS NOVUS, WALTER BENJAMIN E A CORJA - PARTE 2







TREMENDISTAS : TREMEI !
Os tremendistas, brilhantemente capitaneados por Medina "Olho-Maroto" Carreira, têm estado relativamente calmos. Nos últimos dois dias comoveram-se até às lágrimas com o milagroso salvamento dos mineiros chilenos e emocionaram-se com a vitória da selecção nacional contra a poderosa equipa islandesa. Hoje, pelo contrário, voltam a agitar-se : o seu saber económico de pacotilha ataca de novo, ante a expectativa da apresentação de um Orçamento que, antes mesmo de ter sido conhecido, já era por eles classificado como o pior documento do género desde a fundação da nacionalidade. Do alto da sua imensa sabedoria, a rapaziada comenta com o mesmo grau de certeza o impacto das medidas, a sua justeza e o contrário; aplaude ou desaprova a romaria dos banqueiros a S. Bento e à sede do PSD; o silêncio e a cumplicidade do Presidente Cavaco; as incertezas juvenis de Passos Coelho e todos os outros assuntos da actualidade político-económicas do país. Fazem lembrar aquilo que alguém disse sobre os Habsburgos : "Não aprenderam nada, não esqueceram coisa nenhuma". Os outros, optimistas ou moderados, parecem ter sumido da face da Terra, acrabunhados pela legião medino-carreirista, deixando sozinho o último e valoroso guerreiro nacional, o Ministro Teixeira dos Santos, esse émulo dos nossos heróis de Quinhentos, um paladino de grandeza épica, que declarava recentemente:
"Eu trabalho 24 horas por dia. E de noite, se for preciso, também"
DERIVA
Baudelaire, pessimista absoluto, foi mais longe do que esta canalha tremendista. Virá um tempo, dizia ele, em que a beleza não só será esquecida, mas em que o monstruoso será celebrado como beleza:
"O mundo vai acabar. A humanidade tornar-se-à decrépita. Um Barnum do futuro mostra aos homens degradados do seu tempo uma bela mulher de tempos antigos artificialmente conservada. "Eh, o quê ! dizem eles, a humanidade foi em tempos tão bela ?" Eu digo que isto não é verdade. O homem degradado admirar-se-à e chamará à beleza feiura"

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Angelus Novus, Walter Benjamin e a Corja - Parte 1 1/2



IDÓLATRAS

Nas últimas semanas o referencial Medina "Freak" Carreira mudou. O que agora é discutido é a possibilidade de não ser aprovado o Orçamento de Estado para 2011. Os tremendistas da Corja sublinham com a histeria que os caracteriza - e cujos sintomas mais evidentes são os olhos em alvo, um traço de suor no buço, o pulso acelerado e outros fenómenos fisiológicos, motores e emocionais que assolam o crente em presença do Divino - a reacção dos "mercados"a tão nefasto acontecimento. A idolatria perante esse deus iracundo e vingativo, o temor reverencial perante Maimon e o seu poder, obscurece a mente dos membros da seita. Seria bom que reflectissem sobre a seguinte tese : os processos do moderno capitalismo financeiro ameaçam a sobrevivência da Democracia, colocam em risco o nosso modo de vida e prometem um regresso à barbárie pré-moderna.

BENJAMIN

Existem pensadores sistemáticos, organizados, com uma profundidade capaz de abarcar o Mundo e tudo o que ele contém. O pensamento de Walter Benjamin é desorganizado, caótico, fragmentário, sem nenhuma ambição totalizante. É o único pensador contemporâneo capaz de nos comover. A sua linguagem implica uma metafísica e uma relação teológica com a História.

TESE

Gostaria agora, para benefício da Corja, de reflectir sobre um dos aspectos mais acutilantes do pensamento de Benjamin. Nas "Teses Sobre o Conceito de História" a tarefa do historiador materialista é definida essencialmente pela produção de rupturas, ou fracturas, que escandem a narrativa e que não são simples marcas da desorientação moderna ou do fim de uma visão universal e coerente; são também indícios de uma falha essencial de onde pode emergir uma outra história, uma outra verdade (de onde podem nascer outras histórias, outras verdades. Possibilidade nunca garantida. Longe de apresentar um outro sistema explicativo ou uma "contra-história" plena e válida, oposta e simétrica da história oficial, a reflexão do historiador deve provocar um sobressalto, um choque que paralize o desenrolar falsamente natural da narrativa. Breve, mutio em breve, voltarei a este conceito de interrupção da História.

LEITURA DE CASA PARA A CORJA

"O Fim da História e o Último Homem" de Francis Fukuyama

CONTINUA

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Angelus Novus, Walter Benjamin e a Corja


“Não é um pobre povo; resiste aos profetas da desgraça e à própria desgraça”

Raul Brandão

“…e escutar os rumores do dia como se fossem os acordes da eternidade”

Karl Kraus



Nos dias que correm ,assistir aos telejornais ou ler os jornais portugueses transformou-se num exercício penoso, humilhante, nauseante e até vomitivo. A culpa é de um conjunto de paineleiros que se perpetuam até à exaustão e que vão rodando pelos diversos canais televisivos e pelos jornais diários e semanais, repetindo os mesmos lugares comuns (bem dizia Roland Barthes que a estupidez é a euforia do lugar…), martelando os teleouvintes com o mesmo discurso catastrofista, profetizando a desgraça. Esta seita do “prognóstico só no fim do jogo” ocupa-se e ocupa-nos com predições sobre o presente e baboseiras sobre o futuro, o que diz tudo sobre o carácter dos seus conhecimentos. Pena é que não os tenhamos visto nem ouvido antes da tempestade rebentar, ocupados que estavam em cuidar das suas vidinhas. Conhecemos bem os buracos de onde rastejaram : bancos e administrações públicas e privadas, consultadorias diversas e todas as prebendas, sinecuras e privilégios que conseguiram assegurar na sua longa e promíscua relação com uns e outros, sempre sentados à manjedoura dos dinheiros públicos, sempre prontos para se porem em bicos de pés para chegarem um pouco mais à frente na corrida às migalhas que caem do Orçamento de Estado. O mesmíssimo Estado a quem ladram quando as coisas correm bem, isto é, quando exigem menos intervenção e regulação estatal desde que as negociatas encham os bolsos dos seus patrões e correm a pedinchar apoios estatais quando as coisas descambam. Veja-se, a este propósito, a intervenção do Estado no BPN e no BPP e o aval dado aos restantes. São estas mesmas luminárias que não se cansam de culpar os funcionários públicos, os pobres e os desapossados pela crise actual, esquecendo os crimes de banqueiros, especuladores e financeiros cujas práticas lançaram milhões de pessoas na miséria e que continuam a lançar sobre as sociedades e sobre a política o pus execrável das suas acções. Compreende-se bem este silêncio : não convém morder a mão do dono que nos alimenta. Convirá também referir que todas estas criaturas, sem excepção alguma, fizeram parte dos sucessivos governos que, devido às más práticas, contribuíram enormemente para esta situação: foram eles que ao longo das últimas três décadas foram tecendo a nojenta teia de interesses, negociatas e branqueamentos que enredaram o Estado e as finanças públicas, manietando a decisão política e remetendo a mais nobre das práticas humanas para um papel de mera serventuária dos interesses privados. Portanto, e a respeito destes imbecis, está tudo dito. Referirei apenas dois exemplos que simbolizam na perfeição a matéria de que esta Corja é constituída: um deles, quiçá o mais evidente, chama-se Medina Carreira e notabiliza-se pelo massacrante discurso tremendista, pontuado aqui e ali por expressões do mais baixo nível, de um enorme mau gosto, boçalidade e vulgaridade. Já pouca gente liga ao conteúdo da sua retórica panfletária, sendo a atenção desviada pelas referias catilinárias e pelos tiques de um fácies que faz lembrar as personagens de certos filmes de terror. O outro, é uma espécie de Nosferatu de terceira categoria, dando pelo nome de Ernâni Lopes ( o tal que, in illo tempore, dançou alegre e servilmente o tango com o FMI) e pertence à clique que, escandalosamente, acumula pensões, reformas e salários milionários, uma delas obtida ao fim de meia dúzia de anos ao serviço do Banco de Portugal. Bem pode agora clamar pela redução de salários em 10, 20 ou 30 %. Do alto da sua superioridade moral e da intocabilidade ética, nunca será afectado por crise nenhuma.
Alonguei-me demais na caracterização da Corja. Resta dizer, para entrarmos naquilo que realmente é significativo, que estes profetas da desgraça, devotos do onanismo , iliteratos ferozes e analfabetos militantes nunca leram uma linha de Walter Benjamin, remédio que eu, de modo benevolente e pedagógico, lhes recomendaria como terapêutica para a doença de que padecem. Assim, e sem mais tardança, comecemos.

O quadro aqui reproduzido foi pintado por Paul Klee e oferecido a Gershom Scholem que, por sua vez, o ofereceu a Walter Benjamin. Ouçamos o filósofo alemão descrever a sua visão do quadro, um dos leit-motivs do fundamental texto “Teses Sobre o Conceito de História”:

“Existe um quadro de Klee que se intitula Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar do local em que mantém imóvel. Os seus olhos estão escancarados, a boca está aberta, as asas desfraldadas. Tal é o aspecto que necessariamente deve ter o anjo da história. O seu rosto está voltado para o passado. Ali onde para nós parece haver uma cadeia de acontecimentos, ele vê apenas uma única e só catástrofe, que não pára de amontoar ruínas sobre ruínas e as lança a seus pés. Ele quereria ficar, despertar os mortos e reunir os vencidos. Mas do Paraíso sopra uma tempestade que se apodera das suas asas, e é tão forte que o anjo não é capaz de voltar a fechá-las. Esta tempestade impele-o incessantemente para o futuro ao qual volta as costas, enquanto diante dele e até ao céu se amontoam ruínas. Esta tempestade é aquilo a que chamamos progresso”

Por agora fico-me por aqui, ordenando à Corja (e já agora, a um certo Abranhos), o seguinte TPC:

- Relacione o texto de Walter Benjamin com o verso de Karl Kraus “A origem é o fim”.


CONTINUA

domingo, 10 de outubro de 2010

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

DE LUANDA A MAPUTO DE BICICLETA





Maputo, 6 da manhã. Em rumo automático fecho a porta do quarto do hotel e caminho para o elevador. Ainda meio a dormir encontro um tipo de mochila às costas, saco de viagem e uma enorme caixa de cartão, supostamente de acomodamento de um televisor de plasma (a avaliar pelas inscrições no exterior). Apresso-me a ajudá-lo a embarcar a bagagem no elevador sob pena de ficarmos ali o dobro do tempo. Enquanto descemos, meto conversa. Pergunto-lhe se não poderia ter vendido a televisão em vez de a carregar para cima, com todas as contrariedades alfandegárias inerentes. Num sorriso aberto ele responde-me que não se trata de uma televisão, mas de uma bicicleta. “Mesmo assim…” – fico eu a pensar. Apresentações feitas, antes de chegar ao nível da recepção fico a saber que estou a falar com Pedro Fontes e que acaba de atravessar o continente africano desde Luanda até Maputo…de bicicleta. “E quanto tempo demorou?” – pergunto eu. “Cinco meses” – responde ele num sorriso cativante de orelha a orelha – “Cheguei ontem”. Horas depois embarcávamos no mesmo voo com destino a Lisboa. Tivemos ainda tempo para trocar mais algumas impressões pelo caminho. Pedro Fontes, além de “ganda maluco”, é um tipo de uma simpatia transbordante, feliz decerto com a sua aventura concluída. Deixou-me os endereços na net e eu prometi-lhe que divulgaria a sua proeza no meu blog. No mapa apresentado, a rota inicial acabou por ser alterada a partir de Saurimo (Angola)(ver o segundo mapa). De facto, o Pedro entrou em Moçambique pelo Lago Niassa e rumou à costa para depois seguir para Sul a caminho de Maputo. Pedro: desejo-te as maiores felicidades e deixo-te um grande abraço. Manhãs como aquela em que te conheci fazem valer a pena deambular pelo mundo por profissão. Como se diz na minha terra: “Estamos juntos”…
Artur

Se quiserem obter mais informações sobre esta extraordinária odisseia, aqui ficam os contactos do Pedro.

luandamaputobybicycle@gmail.com
www.luandamaputobybicycle.blogspot.com

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

REVIVER O PASSADO EM BRIDESHEAD



Considerado pela maior parte da critica, como o melhor romance da obra de Evelyn Waugh (1903-1966), “Brideshead Revisited” é essencialmente uma viagem solitária aos confins do amor e da religiosidade. Com o sub-título “The Sacred And Profane Memories Of Captain Charles Ryder”, começamos por encontrar o narrador perante a antiga propriedade da família Marchmain, Brideshead, vinte anos depois de ter lá estado como visitante. Inevitavelmente, uma cascata de memórias vai precipitar-se sobre o agora capitão Ryder. Desde o seu primeiro encontro com Sebastien Flyte ( o filho mais novo de Lord Marchmain) em Oxford nos anos 20 até àquele dia, terá passado uma vida inteira. Uma vida que rapidamente galgou o muro da entrada aventureira e inexperiente da vida para os territórios da maturidade, do cinismo e do peso dos anos. Num ambiente aristocrático e privilegiado, Charles vai conhecer um mundo contraditório, onde a festa dos sentidos se combina com as contradições deprimentes da condição humana. Experimentando o amor e a boa vida, conhece também a frustração e a impossibilidade de ser feliz. A contradição de, feita a escolha, nunca se conseguir a plenitude da vontade por mais voltas que dermos à vida ou ao pensamento.
A primeira adaptação para o ecran de “Brideshead Revisited” ocorre em 1981. Produzida pela Granada Television para o canal ITN, transformou-se num marco importante na história da televisão. De tal forma que acabou por ser incluído na lista dos 100 melhores programas de televisão de sempre elaborado pelo British Film Institute. O seu palmarés incluiu 13 nomeações para os Prémios BAFTA (British Academy Television Awards) vence 7; 11 para os Prémios Emmy (Academia Americana de Televisão) vence 1; e 3 Golden Globe Awards (prémio atribuído pela imprensa de Hollywood) vence 2.
Servido por um elenco de luxo, os promissores Jeremy Irons, Anthony Andrews e Diana Quick, aparecem confortavelmente enquadrados num excelente grupo de veteranos (Laurence Olivier e John Gielgud).
Apesar da adaptação ter a sua própria dimensão narrativa, independente do romance, as alterações que se verificaram na versão cinematográfica de 2008 aniquilam por completo a grandiosidade da novela de Waugh, na medida em que se centram apenas em torno da relação entre Charles e Julia. De fora fica a relação homosexual (platónica ou material) entre Charles e Sebastien, o peso da religião na existência dos personagens e a localização de uma família tradicional num novo tempo que quase os extermina. Uma última referência para a banda sonora da autoria de Geoffrey Burgon, aqui homenageado no trailer de abertura.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

100 Anos de República

O jornalista pede à Dra. Maria Cavaco Silva para caracterizar a natureza do primeiro mandato como Presidente da República do Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva. No remanso algarvio da Vivenda Mariani, numa bela tarde de Agosto embalada por suaves brisas marítimas e cheiro a bronzeadores solares, a nossa Primeira-Dama responde:

- Muito sinceramente, e repare que esta é uma opinião pessoal, desinteressada e objectiva, eu penso que o meu marido, o Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva, tem governado muito bem, com muita moderação e equidistância, conduzindo os destinos do nosso país como só ele sabe e é capaz.