segunda-feira, 17 de maio de 2010

SO LONG




A batida era rouca e repetida circulando o movimento em torno de si próprio. Para cá e para lá, depois para lá e para cá, mas sem sair do lugar. Imaginemos uma cave húmida e um gira-discos que cuspia perdigotos sonoros de vinil por colunas desajustadas, a chuva lá fora e umas luzes que esvoaçavam como morcegos desorientados. Todos tínhamos perdido qualquer coisa, mesmo aqueles que pensavam que não. Todos nos sentíamos injustiçados por isto ou por aquilo. A miúda gira que preferia um foleiro mais velho aos nossos inequívocos (e inexplicados) encantos; a sociedade que não sabia que estávamos ali porque andava demasiado preocupada em navegar os ventos da História; o dinheiro que nunca chegava para a cerveja; o enxerto levado na última sessão de porradaria, sempre por culpa de outros que não nós; os sonhos mortos, um a seguir ao outro; a vida a correr em vez de acontecer; o futuro que não tínhamos; a esperança que não albergávamos. E a raiva era como a voz do cantor, contida e intensa, uma gaita de foles que soprava mais forte que os ventos. A guitarra girava e disparava notas em todas as direcções, para todos os alvos. Adeusinho e até amanhã, venha de lá mais essa cerveja, esse cigarrinho. E os passos dançavam, e os sonhos fugiam e a boazuda ria-se num quarto de pensão manhoso nos braços de um “Toni” de bigode e peúgas brancas. Assim era a metáfora da vida, pelo menos das nossas.
Mas enquanto durava aquele som, havia alguma coisa que fazia sentido. Eram os poucos minutos que ele durava.
Os sonhos perdidos na floresta, a Vida nos braços de um imbecil, os passos sem se mexer, as luzes a esvoaçar como morcegos e...nós. Essa batida rouca, essa oração contida de electricidade. Essa implosão de esperanças e de sonhos, esse primeiro grande arraial de porrada com que a existência nos quis brindar…

Artur

2 comentários:

Carlos Lopes disse...

Grande texto, uma vez mais. E grande malha. Sempre gostei da banda e ainda sigo John Watts (e até já vi um belo concerto dele em Oeiras.

Abraço.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado Carlos. Tenho um cachecol há mais de ano aqui à tua espera. 1 abraço