sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

THE CATCHER IN THE RYE




“The Catcher In The Rye” é na sua essência um manual de solidão e consciência. Uma espécie de estado de espírito que todos experienciamos quando deixamos de ser crianças e nos vemos violentamente às portas da idade adulta. Publicado pela primeira vez em 1951, provocou ondas de choque que influenciaram sucessivas gerações, abrindo uma nova brecha no panorama cultural da nossa civilização ao estatuir o conceito de “juventude”, ou consciência teen, dando identidade a uma camada populacional até aí completamente ignorada.
A história, narrada na primeira pessoa, descreve o percurso de um jovem de 16 anos (Holen Caufield) que, após a sua expulsão da escola secundária (Pencey Prep.) decide passar três dias sozinho em Nova York antes de confrontar a sua família rica com os recentes acontecimentos. Com uma linguagem própria de adolescente da época e um pensamento estilhaçado, o jovem Holen vai para um hotel onde passa três dias a beber, a dançar com raparigas estrangeiras e tem um encontro fortuito com uma prostituta. A sua principal preocupação é a de uma negação da realidade por rejeição e ausência de pertença. Aquilo que vê não lhe diz nada, sabe que não é aquilo que deseja para si. A única coisa que não consegue perceber é, afinal, o que é que ele quer da sua vida.
Rapidamente enquadrado num registo de rebelião juvenil, esta atitude de anti-herói “porque sim” produziu as mais diversas interpretações. Essencialmente através das construções instáveis que a sua percepção vai lendo. Perdido, em busca de uma identidade ou de uma razão, o pensamento de Holden varia rapidamente em todas as direcções não conseguindo acabar nada do que começa. Para viver a realidade não a consegue decifrar e se a tenta decifrar, perde a sua vivência. Enquanto muitos consideram este romance como um verdadeiro ícone de rebeldia e rejeição, apoiado numa consciência (ou melhor, anti-consciência) de rejeição do mundo, da sua hipocrisia e das suas regras duvidosas, outros houve que o condenaram pela obscenidade da linguagem, pelo pensamento destrutivo e pelo incitamento à revolta gratuita. Mas “The Catcher In The Rye” está muito para além de um simples “cliché” literário, zelosamente colado por uma vulgar consciência bibliotecária sistematizadora. O seu sucesso estrondoso não se pode limitar a uma ou duas caracterizações de circunstância. Em primeiro lugar porque retrata uma das maiores batalhas internas da consciência humana. A da Liberdade perante um mundo que apesar de cruel e injusto, foi erigido pelo próprio homem. Em padrões mais ou menos homogéneos, a tentativa de formatar as consciências foi uma constante em todas as sociedades e a sua contestação um castigo pesado para pagar a ousadia. É precisamente na adolescência que a ingenuidade e a lucidez mais se manifestam provocando um estado de consciência que rejeita a “vidinha” entediante, rotineira e paralisadora da criação. E se a maioria aceita o caminho previamente traçado por outros, há sempre quem, nem que seja mentalmente, nunca deixa de ser adolescente, nunca seja convencida nem em paz com o estado das coisas. O sucesso de “The Catcher In The Rye” é precisamente o registo dessa consciência, dessa vontade de dizer “não”, como se uma memória ou um alerta de qualquer espécie nos esteja a avisar que “não tem de ser assim”. A reforçar esta ideia está o facto de o próprio autor rapidamente se ter isolado no interior, deixado de dar entrevistas (a última conhecida data do princípio da década de 80), numa palavra, fechou-se para o mundo.
A importância deste romance em números reflecte-se em 250 mil vendas por ano num total que já ultrapassou os 65 milhões de cópias desde a sua edição. Em 2005 foi incluído na lista dos 100 melhores romances de língua inglesa desde 1923 pela Times Magazine. Em termos de influências culturais encontramos as páginas de “The Catcher In The Rye” dispersas pela Literatura, pelo Cinema e pela Música. Livros como “The Bell Jar” de Sylvia Plath, “Less Than Zero” de Bret Easton Ellis ou “Ordinary People” de Judith Guest, além de bons romances deram boas adaptações cinematográficas. Filmes como THE GRADUATE, DEAD POETS SOCIETY ou IGBY GOES DOWN, reconhecem a sua influência. Na Música, recuando a 58 vamos encontrar o tema “Salinger Rocking Through The Rye” gravado por Bill Haley and His Comets; uma banda americana com o nome de “The Caulfields”; no álbum “Kerplunk” (92) dos Green Day encontramos uma faixa intitulada “Who Wrote Holden Caufield"; na faixa “In Hiding” dos Pearl Jam ouvimos uma descrição sobre alguém que tenta encontrar a casa de Salinger…
Por tudo isto, “The Catcher In The Rye” é um documento importante que todos devíamos ler. A nossa confusão é o caminho para a nossa Liberdade, a nossa consciência é muito mais importante que a “consciência enlatada” que nos tentam vender todos os dias, a nossa solidão é a vontade de nunca perdermos o Ser…

Artur

Ornamenta #129


quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

THE GENERAL

Buster Keaton/Clyde Bruckman

Estados Unidos, 1927

Realizado já na fase final da era do cinema mudo, THE GENERAL é considerado por muitos como a obra-prima de Buster Keaton, e mesmo uma das melhores comédias de sempre daquela fase. O épico da Guerra Civil Americana foi no entanto extremamente mal recebido pelos seus contemporâneos (bilheteiras e críticos), valendo a Keaton o fim da sua carreira enquanto realizador independente.
Repleto de sequências hilariantes e momentos de grande risco perfeitamente cronometrados, o filme conta a história de um maquinista confederado na perseguição de uma locomotiva (The General) e da sua apaixonada. Estóico e persistente, o jovem maquinista resiste a todas as contrariedades que lhe vão aparecendo, recorrendo a uma capacidade inventiva sem limites.
O filme baseou-se no livro do tenente William Pittenger ( “The Great Locomotiv Chase”), um episódio real ocorrido na Guerra da Secessão, em que um pequeno grupo de espiões da União decide recuperar um comboio perto de Atlanta, em Abril de 1862. A sua tentativa de trazer o “The General” de volta para as linhas da União enquanto pelo caminho vão destruindo trilhos, pontes e linhas de comunicação, termina perto de Chattanooga, onde são capturados. Andrew e os outros espiões são enforcados em Atlanta em Junho desse mesmo ano de 1862. Mais tarde o Congresso decidiu condecorar a título póstumo alguns dos membros desse grupo com a Medalha de Honra.
A história, originalmente contada numa perspectiva nortista, foi refeita e no filme é-nos apresentada pelo ponto de vista do jovem maquinista do Sul, acrescentando-se uma segunda perseguição ferroviária no caminho de regresso, bem como a bela Annabelle Lee, inspirada numa heroína de Allan Põe. Houve ainda tempo para uma segunda versão, THE GREAT LOCOMOTIVE CHASE (1956) feita pelos estúdios da Walt Disney.
A particularidade de THE GENERAL assenta essencialmente na perfeição técnica e estrutural da construção das cenas, combinada com os efeitos cómicos e o desempenho atlético de Buster Keaton. Cenas de grande risco de execução, sem utilização de duplos, filmagem corrida sem cortes e uma enorme honestidade realista combinam-se para nos dar esta obra-prima.
O filme assenta essencialmente em duas situações de perseguição pelos trilhos do caminho de ferro no mesmo trerritório. Na primeira o maquinista Johny persegue os “raptores” do Norte que roubaram “The General”. Na segunda os espiões da União perseguem Johny já com a locomotiva recuperada para as suas linhas. Na cena final, o comboio perseguidor acaba por se despenhar numa garganta de um rio (o Rock River) sendo esta a mais espectacular e a mais cara proeza filmada em todo a história do cinema mudo.
Em 1989, THE GENERAL foi seleccionado para efeitos de preservação no Registo Nacional de Filmes Americano, pela Biblioteca do Congresso, sendo considerado de alto interesse cultural, histórico e estético.
Em 2002 um grupo seleccionado de críticos e realizadores incluiu-o na lista dos dez melhores filmes de sempre.
Em Novembro de 2009 a distribuidora Kino International lançou THE GENERAL em suporte Blue-ray Disc, sendo este o primeiro filme mudo a ser editado naquele suporte de Alta Definição.
Artur

Ornamenta #121


quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Ornamenta #120


ESCREVER


Não te tortures a perguntares-te sobre o que hás-de escrever. Pergunta-te antes sobre o que à tua volta te impõe essa necessidade. Política, filosofia literatura, artes plásticas, música. Mas sobretudo a apetência dos outros para te lerem o que escreves. A razão primeira de uma obra que faças está naquilo em que tudo isso se funde e é em ti depois a graça da plenitude que te visitava quando escrevias. Não existe. O acto de escrever não é já um acto religioso, não é sequer o entretenimento de um acto mecânico, mas apenas a náusea do tédio. Não percas tempo a perguntar-te sobre o que hás-de escrever. Vê apenas se consegues não vomitar.

Vergílio Ferreira

escrever

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CÁ ESTAMOS


Cá estamos. As memórias a jogar o seu eterno jogo de importância com as sensações dos novos dias, e a consciência a observar atentamente o tabuleiro de xadrez sob o complacente olhar da morte. Qual será a melhor jogada a seguir antes do inevitável Xeque- Mate? Cá estamos, a barba continua a ser feita sempre da mesma maneira, no ritual diário daquele que revejo no espelho. Umas vezes o fosso das olheiras a insistir debaixo dos olhos, outras os pêlos brancos que nascem como coelhos por toda a parte, o ventre dilatado que já viu melhores dias… Quem é este gajo que me recebe todos dias no reflexo da minha imagem? Alguém que não eu, de certeza. Mais um livro de registos do andamento comercial de uma existência. O fio dos dias a perder-se e a consciência deles sempre lá, no livro das contas, no tabuleiro de xadrez, em todos os jogos que acabamos por jogar sozinhos. Sempre sozinhos. “Cá estamos” – diz-me a morte, ou os dias na imagem do espelho, ou o meu tio poucos dias antes do seu próprio Xeque-Mate. E estamos, e vamos estando sem nada perceber desta valente e patética tragédia em que nos colocaram. Terapia ocupacional para substituir a dramatização do pensamento, droga existencial, um cavalo a ameaçar o bispo adversário, ganhar tempo…
“Cá estamos” – diz um cão alegre a correr pela praia fora, como se não houvesse “amanhã”, nem “ontem”. E haverá realmente? Putos empoleirados nas pranchas como tartarugas emigrantes à espera da onda perfeita. A praia, o mar, a Vida e um universo inteiro sem respostas que serve apenas para respirar, sentir, ser parte dele. Um universo inteiro de dúvidas que nunca se esclarecem. Cá estamos, amigos. Arrasta-se a carcaça alegremente e bendiz-se a sorte de ter quem nos ame. Há pior…há sempre pior. Num espaço sem sentido, numa vida sem propósito, num lugar sem justiça, há sempre pior do que nós.
Nas ondas, no retardar clínico do Xeque- Mate, na areia húmida onde se corre, no corpo perfeito da noite de festa as peças movem-se..inexoráveis…impossíveis de vencer. Mas, no entanto, elas movem-se. E cá vão andando mesmo que não faça sentido andar, e cá se vão deslocando em movimentos de esperança mesmo quando nada há para esperar.
Cá estamos…
Artur

Ornamenta #119