Abençoado o tempo em que não havia tempo mas um lento correr de experiências, um tropel de acontecimentos que nos esmagavam com a sua simples presença. Abençoada a inocência de um beijo demorado na subtileza estática da novidade, que não terminava nunca. Ali se ia deixando ficar como uma balada metálica de amor genuíno. A Esperança escondia-se e corríamos pelo bosque à sua procura indiferentes ao cansaço da pausa reclamada pelos pulmões e aos arranhões dos galhos secos que se resolviam atravessar no meio da correria. Uma tarde consegui encontrá-la, braços estendidos sobre o tronco de uma árvore a esguichar pela boca os excessos da cerveja. “Tavas aí?”, perguntava enquanto observava a blusa meio despida e não me conseguia abstrair da brancura de um seio atrevido que espreitava curioso pendurado sobre a inevitabilidade das leis da Física. “ Que é que queres?”, dizia ela a compor o que lhe restava dos cabelos em desalinho que a desenhavam cada vez mais parecida com uma estátua grega. “ Andava à tua procura.”, balbuciei meio engasgado de respostas. “ Estou aqui. É o que vês. Esperavas o quê? A Vénus de Milo?”
Não esperava nada, aliás como sempre. Nunca esperava nada porque o acto de esperar é extremamente penoso para quem espera. Nunca acontece nada igual àquilo que se deseja, por isso, mais vale não esperar. Mais vale ir esgotando o livro da Vida e do Conhecimento lentamente até não haver mais nada para fazer. Encostado a uma árvore encontrei muito mais coisas depois disso. Garrafas de plástico para reciclar e fingir que contribuo para salvar o planeta condenado que por acaso é aquele onde vivo, guardanapos de papel, preservativos usados, livros antigos, poemas escritos na madeira com canivetes de feira, juras de amor, nomes anónimos de gajos que nunca conheci. Ah, e encontrei também o J. nos bastidores de um concerto de Rock. Estava a ler um papel qualquer que depois me explicou ser o resultado de umas análises. – E então? – perguntei. – Então? Então, tou fodido… Tenho seis meses – e desatou a rir numa gargalhada sentida, honesta, sem rodeios, desatou a rir como se a sinceridade se escrevesse por inteiro naquela noite cheia de luar. – E sabes que mais? – continuou- Tou-me cagando. Não é genial? Estar a prazo depois de já ter visitado todas as capelinhas? Não percebes? É o final perfeito dentro da imperfeição que somos desde que nascemos. – e continuou a rir, acabando por me contagiar. Abracei-o. Meses mais tarde tentámos atirá-lo de uma falésia abaixo em forma de cinza. Alguém disse umas palavras de circunstância e depois virámos a taça ou a caixa metálica ou lá o que era. Estava um dia de vento e chuva e, antes de ir para ali resolvemos virar umas cervejas numa lanchonete à beira da estrada, gerida por uma senhora austera detentora de um peito proeminente. Maior do que o da Esperança. O J. havia de ter apreciado. O gajo que segurava a caixa destapada com as cinzas lá dentro nunca mais se despachava. – Então, pá!? Anda lá com isso! – As cinzas foram –se derramando lentamente para o chão e depois, como nuvem de insectos, esvoaçando aos caprichos da brisa. Por fim, acabou. Olhámos uns para os outros. O capricho do vento resolveu encher-nos a cara a todos de uma máscara acinzentada feita à base das cinzas do J. Gargalhada geral. Desde esse dia nunca mais ninguém se lembrou de correr pela floresta à procura da Esperança. Diz-se que ficou velha muito de repente e que enlouqueceu. Agora parece que deambula todos os dias no meio das árvores a falar sozinha. Às vezes chama por nós. Nós é que já não a conseguimos ouvir.
ARTUR
2 comentários:
Em grande forma, meu sacana!
Um abraço.
Adorei!!!!!!
O Carlos tem razão. Estás em GRANDE FORMA!
bjs
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