sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

OS OUTROS

José Maria Nunes foi um dos homens dos Olivais que estiveram no Terreiro do Paço com Alfredo Costa e Buiça. Livrou-se, porém, de dizer que foi para ali no intuito de esperar João Franco e não o rei. Portanto, como Franco soube fazer gorar a agressão preparada contra ele, José Nunes, do mesmo modo que os outros dois, dado que se abstiveram de tomar parte no atentado contra a Família Real, teriam que responder apenas por homicídio frustrado. Iam para caçar a pacaça e não estiveram dispostos a caçar o leão. Compreensível.
José Maria Nunes, porém, era um fantasista e megalómano e, como tal, não podia contentar-se com o anonimato, embora o seu papel fosse de falseado comparsa. (…)
Numa das saltadas que dei a Portugal durante o meu primeiro desterro de seis anos em Paris, já sob o signo zodiacal do barrete frígio, chamei-o ao Terreiro do Paço. Eu não o conhecia e já me não lembro como se proporcionou entrar em contacto com ele. O meu propósito era esclarecer certos aspectos, para o meu espírito indecisos ou obscuros, respeitantes à localização da tragédia que fora prudente deixar na sombra nos primeiros tempos, bem como a composição do grupo que tomara parte no atentado. O homem lá me traçou a seu jeito, o gráfico do atentado. O descritivo não desconveio do que eu sabia, à parte o seu mais que problemático e decerto exagerado papel.
- Eu estava aqui – e indicou-me um ponto na placa central.
- Fiz o que me mandaram…Tinha o tambor do revólver cheio. Enquanto duraram as balas, disparei…Naquela direcção… - e apontava a arcada. – Lá estão as marcas.
- E depois?
- Depois, quando vi tanta policia, tanta tropa, encarniçadas contra nós, e que o meu holocausto (o termo é dele) de nada valia, tratei de me pôr a salvo.
- E os outros?
- Os outros..? Não sei bem. Julgo que nem chegaram a fazer fogo. Atiraram os revólveres fora e pisgaram-se. (…)
Foi José Nunes como comparsa mais alem do que os outros dois, que ele inculca terem jogado as armas fora e dado às trancas?
Aquilino Ribeiro
“Um Escritor Confessa-se”

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