Poderia dizer mas…dizer o quê? Que a esperança ainda dança à minha frente como cigana de feira em noite de estio à volta da fogueira? Que me seduz com o sorriso moreno e a promessa de uma pele macia à minha espera. Que sim, digo-lhe eu, cansado de saber que amanhecerei outra vez sozinho, entregue ao mesmo caminho de sempre.
Que me falta ainda saber tanto, não tendo tempo físico para o conseguir apesar de tudo aquilo que já aprendi?
Que a música é o nosso portal entre o mundo e a eternidade quando todos os sentidos se harmonizam num só, desconfiando então de com que imagem se pode parecer a alma??
Que Deus existe porque existo eu que o reconheço fazendo de mim uma parte Dele, tornando-me ao mesmo tempo algo de divino?
Que a Vida é um jogo feito num baralho de cartas marcadas em que perdemos de uma maneira ou de outra? Que tudo o que ela nos pode ensinar chega tarde e a horas em que já para nada serve?
Podia dizer, sim…mas dizer o quê?
Nada do que disser terá o carimbo da novidade ou se assemelhará sequer à descoberta da pólvora.
Nada do que pensar será novidade. A única coisa que vibra ou que vive ou que existe é qualquer coisa que mexe dentro de nós. Qualquer coisa difícil de explicar mas impossível de esconder. É a vitória sobre o tempo quando comunicamos com aqueles que nem eram vivos quando nascemos. Nos retratos, no DNA, nos quadros, nos livros, nas estátuas. Que queres que te diga?
Que deste presente consigo viajar ao passado e ao futuro e perceber que as lágrimas de todos os tempos, que os sorrisos são sempre iguais? Que a única coisa que nos distingue de civilizações perdidas é a tecnologia? Que o pensamento foi ultrapassado pela tecnologia no início do séc. XX, mas que nem por isso perdeu a sua relevância, a sua vitalidade para nos ajudar a compreender quem somos?
Podia-te dizer…mas dizer o quê?
Que despejo este copo de whisky e o volto a encher porque não me apetece ajoelhar perante imagens humanas como a minha, manipuladas por intermediários vestidos de negro que sodomizam crianças, porque não me apetece obedecer cegamente a um bando de oportunistas cheios de medo de não serem eles apenas, e que me explicam com um sorriso que tenho de continuar a trabalhar mais para que eles enriqueçam, porque não me apetece roubar o meu concidadão, espancar a minha mulher ou pôr os meus filhos a trabalhar para mim?
Porque o medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo?
Podia-te dizer…mas dizer o quê? Que ao segundo copo virado já a mágoa se desvanece em vacuidades adormecidas e a consciência baila à minha frente em torno de uma fogueira? Que me tenta seduzir com os movimentos do corpo e uma promessa de pele macia à minha espera? Que a ataco como um macho no cio e lhe preencho cada orifício, cada poro do corpo antes de amanhecer outra vez sozinho, com o mesmo caminho à minha frente?
Podia dizer-te, mas…dizer-te o quê?
ARTUR
4 comentários:
Vai dizendo, Artur. Vai dizendo...
Desde que hja um par de orelhas que queira ouvir, podes ter a certeza. Um abraço Carlos
ARTUR
Como me pediste comentários,aqui vai um breve. Gostei.É dos que se lê e relê porque de cada vez surge algo de novo. Quanto a mim é o que torna qqr escrito intemporal. Bjs Helena
Helena: Vem sempre que te apetecer e comenta na mesma medida da tua vontade.
ARTUR
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