quarta-feira, 24 de outubro de 2007

UM LONGO DOMINGO DE NOIVADO





UM LONGO DOMINGO DE NOIVADO
(UN LONG DIMANCHE DE FIANÇAILLES)

Jean Pierre Jeunet

França / EUA, 2004


França, 1920. Uma jovem, Mathilde, recusa-se a aceitar a morte do seu noivo Manech, nas trincheiras da I Guerra Mundial e decide mover todos os meios de que dispõe na busca do seu paradeiro. Manech fazia parte de um grupo de soldados condenados à morte em tribunal militar por automutilação voluntária. Todos acabaram por inutilizar as suas mãos direitas na esperança de poderem vir a ser desmobilizados. O cumprimento da sua condenação consistiu em soltá-los desarmados na “terra de ninguém”, entre as trincheiras francesas e alemãs, à mercê da sua sorte, o mesmo é dizer, até que o inimigo os abatesse. Precisamente por não haver testemunho material confirmado das mortes destes soldados é que Mathilde se convence da possibilidade de encontrar o seu noivo vivo num sítio qualquer.
Tendo como ponto de partida a busca desesperada de uma mulher pelo seu noivo, vamos encontrar uma extraordinária aventura de descoberta e reencontro com o passado num riquíssimo enquadramento cénico, seguindo por um labirinto narrativo inteligente onde é preciso estar atento aos mais ínfimos pormenores.
O filme, baseado no romance de Sébastien Japrisot, leva-nos numa viagem alucinante ao drama humanitário e psíquico causado a uma vasta maioria de europeus na sequência do que foi aquilo a que alguém já chamou a “guerra civil europeia”. A bem conseguida combinação das emoções com as imagens é o primeiro trunfo estético do realizador de AMÉLIE. Mathilde e Manech cresceram na Bretanha, entre falésias imponentes, casas de granito e farois de extensas escadarias que se entretinham a subir. As imagens luminosas em tons pastel da cidade de Paris e das paisagens bretãs contrastam em definitivo com os campos da morte nas trincheiras, onde tudo é negro e cinzento. A geração perdida, ou simplesmente desperdiçada na guerra não é a única vítima destes tempos. Toda a população europeia da época é de uma forma ou de outra, vítima de maleitas mortais ou, em última análise, de manifestação permanente. As tubercoloses, as gripes, que acabaram por vitimar os pais de Mathilde, a polimelite que a deixou aleijada de uma perna, etc, sugerem uma paisagem humana mais alargada devastada por vários flagêlos.
A linha narrativa consiste na mesma história contada por mais do que um narrador ou interveniente. Uma oportunidade excelente para que outras histórias paralelas à de Mathilde se vão desenvolvendo, como as que dizem respeito aos outros soldados do grupo condenado à morte. Cada uma deixa no entanto uma parte ou contribuição significativa para a história principal. Só para dar um exemplo, veja-se a vingança de Tina Lombardi, amante do soldado corso também condenado, que vai eliminando um por um, todos os oficiais envolvidoa no tribunal militar que deu a sentença. Tina acabará por ser detida e condenada à morte, mas não sem antes se encontrar com Mathilde e lhe deixar a informação que Manech terá sobrevivido. Por Tina ficamos também a saber que os condenados tinham recebido um indulto presidencial à última da hora. Indulto esse escondido e ignorado por um dos oficiais responsáveis, também ele assassinado por Tina.
“ A guerra – diz alguém no filme – é o desperdício dos mais novos para sustentar a ganância dos mais velhos...” Sendo inquestionavelmente um dos melhores filmes do ano, UM LONGO DOMINGO DE NOIVADO é também ele um sacrificado no meio das guerras da politiquice mais básica e mais saloia que podemos imaginar. Produzido pela Warner Bross o filme já foi alvo de acção judicial no país de origem pela simples razão de se definir a sua nacionalidade. Isto por causa dos subsídios ao cinema europeu serem ou não devidos neste caso. Por outro lado, grupos de activistas corsos moveram outra acção judicial por no filme um corso ser tratado como um cobarde, alguém que se desvinculava das obrigações do exército francês. Entre a chauvinice gaulesa e a tensa e nem sempre pacífica relação cultural Estados Unidos/ França o filme acabou por ser afastado da competição no Festival de Cannes por não ser considerado europeu e afastado da nomeação para o Oscar do melhor filme estrangeiro da Academia por ter feito a sua estreia em solo europeu. Sendo um filme cujo tema reflecte a herança histórica e literária do seu país e falado em francês, o facto de se arriscar a não receber nenhuma distinção em nenhum festival é no mínimo caricato. Mas nós, pobres espectadores, vamos vê-lo sem demora. Duas e três vezes, se gostarem. E depois comprem o DVD...
VIVA O CINEMA



ARTUR GUILHERME CARVALHO
(Publicado na revista CINEMA em 2005)

2 comentários:

redjan disse...

Foda-se Artur .... o modo como escreves dá vontade de ver as coisas, de ler as coisas .. de viver as coisas, de entender e crescer.

PS: Tenho a impressão que tu tens jeito car......

Artur Guilherme Carvalho disse...

Escrever é dar a conhecer. As palavras são as armas dessa função. É na sua utilização que reside a maior trabalheira. 1 Abraço.
ARTUR