Acordo de manhã sentindo-me perdido, sensação que me
acompanhou quase sempre ao longo de uma vida inteira. A busca incessante de um
rumo seria só por si razão suficiente para encontrar algum. Mas não foi. Não há
certezas de nada, nunca houve. Só dúvidas, só questões, só interrogações que
ficam a pairar no ar como uma constipação prolongada que nunca mais tem fim.
Desligo a televisão e o telefone, elementos que entendo manterem no ar um
quadro de emoções paralisante, uma depressão inútil, um ambiente que imobiliza
e enfraquece a vontade. Percorro a estante no corredor, testemunho de uma vida,
marcos de existência. Uma biblioteca como caminho percorrido. Estico um braço e
viro a cara na direcção oposta. Tiro um livro, um livro qualquer. Todos os
livros interessam, todos os livros contam alguma coisa. São vozes caladas que
conspiram no silêncio das narrativas. Aprende-se sempre qualquer coisa com
eles, ouve-se a história de alguém…de alguma coisa. As histórias são a maneira
que encontrámos para não nos sentirmos sozinhos, a resistência ao conceito da morte,
do nosso estatuto de coisa finita, que termina irremediavelmente. Deixando
testemunho, real ou ficcional, vencemos o nosso fim, continuamos o diálogo com
os que ainda hão-de vir, ficamos depois de partir.
Somos histórias dentro de histórias, pedaços de tempo que se
cruzam ou caminham em paralelo deixando para trás os registos de passagem para
que alguém os leia no futuro enquanto os acumula na sua própria caminhada. São
memórias antigas, paixões, ódios, aventuras. Os livros estão cá e continuarão a
estar muito depois de partirmos contando partes da realidade, vivida ou
ficcionada, dialogando com quem os quiser abrir. Ensinam sempre alguma coisa,
descrevem paisagens por explorar, abrem horizontes nas nossas mentes permitindo
evoluir na forma como nos vemos a nós e ao mundo onde vivemos.
Ao longo do corredor uma estante serve de registo da
caminhada, um gigantesco depósito de memórias e narrativas sempre actuais para
quem a quiser visitar. Tem sempre uma resposta, uma ideia, uma emoção guardada
para entregar.
No mundo das vozes que se vão calando alguém continuará a
falar, a pensar, a colocar questões. No mundo das estantes esquecidas em
corredores das casas haverá sempre o ruído de passos curiosos que se
aproximarão e esticarão o braço na direcção de uma capa, de um título, de uma
encadernação apelativa. E por momentos a solidão deixará a casa para fumar um
cigarro lá fora, a morte será acometida de uma longa constipação daquelas que
nunca mais acabam. E a conversa será eterna.
Artur