A tarde ia a meio, o Sol descia pela abertura da porta dando
aquele espaço um brilho que nunca lhe pertenceu. À volta da mesa os reformados batiam
as cartas sobre a mesa de mármore amolecida pelas poças do tempo e do vinho. Atrás
do balcão o dono inclinava a cabeça na direcção da televisão enquanto desenhava
círculos esquecidos com o pano sujo. Às vezes lá fora o ruído de um carro, ou
de uma mota. Às vezes lá fora uma mensagem do futuro em forma de anúncio. Outras
vezes na televisão em enquadramentos de promessas. E depois, tudo a regressar
ao interior daquela taberna, a mesma taberna de sempre. Escura, húmida e velha
como a maioria das vidas que por lá passavam. As promessas de dias melhores às
vezes passavam por ali mas ninguém fazia caso delas. De uma maneira ou de outra
voltava tudo a ser como era… como sempre tinha sido. Quando uma nuvem negra
desaparecia a televisão vomitava outra nova, baldes de medo e ansiedade eram
despejados todas as semanas e esses demoravam sempre mais tempo a passar.
Guerra, doenças, instabilidade, economia, impostos, crime, catástrofes em
geral. Ao fim de algum tempo ganhava-se imunidade a tudo aquilo. Ficava-se mais
velho, mais sábio, mais corajoso, mais indiferente. Um jogo de cartas com os
amigos, uns copos de tinto, ou umas bagaceiras valentes nos dias mais frios. A
velhice tornava os homens de tal maneira sábios que se esqueciam das próprias
maleitas, tendo às vezes que cansar a memória de forma prolongada até se
conseguirem lembrar em que parte do corpo tinha sido a última dor que os levou
ao médico. Uma vez por outra alguém deixava de aparecer. Sentia-se uma falta,
desfiava-se uma recordação e semanas depois não se voltava a falar nisso. Outro
viria preencher o lugar à mesa das cartas e do vinho. A televisão continuaria
acesa ininterruptamente a um ponto de já ninguém se conseguir lembrar quando é
que tinha sido comprada . Naquela tasca não
mudava nada a não ser o tempo, a sucessão das estações, o tempo de cada um
desde que começava a frequentar o estabelecimento até deixar de o fazer. O
resto continuava eterno e sem grandes variações. Havia o tempo dos homens e
havia o tempo do resto…que era sempre o mesmo. Várias vezes se sentia a
necessidade de mudar mas era apenas uma necessidade, nada mais do que isso.
Ninguém lhe dava muita importância. As necessidades são como gemidos breves libertados
pelo sono, ansiedades que não se conseguem perceber. Na tasca onde por vezes
era preciso que tudo mudasse, tudo acabava por mudar para que tudo pudesse
ficar na mesma.
Artur
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