Atrevo-me a dizer que não me apetece dizer nada. Ficar
esquecido num canto e deixar esgotar o frenesim que foi toda uma vida a correr
atrás de metas, sonhos, objectivos nunca alcançados, ou conquistados mas nunca
conseguidos. Atrevo-me a dizer que me sinto melhor quando estou calado a
observar o tempo que acontece, a folha da árvore que ondula com a brisa, o gato
a espreguiçar-se sobre o muro. Ter muito para dizer e não haver recipiente onde
o despejar torna-se inútil, frustrante, deprimente. As histórias escrevem-se
para serem transmitidas a um receptor, pressupõem uma reacção, uma resposta. As
histórias são breves pedaços de comunicação, memórias partilhadas, tempo
dividido. Mas a ligação do indivíduo que simplesmente se cala e observa o tempo
a acontecer, a Natureza que se manifesta, é também uma espécie de comunicação.
Dizem que o Universo mantém um diálogo permanente connosco desde
o dia que nascemos. Na maior parte das vezes estabelece essa comunicação
através de sinais. Imagens, números, estruturas, o comportamento do corpo,
sonhos, leituras, etc, que provocam em nós alguma reacção, actuam um sistema
qualquer que…dá sinal. Podem ser avisos em relação ao caminho que se apresenta
adiante. Podem ser necessidades de corrigir a rota ou pode ser simplesmente que
exista dentro de nós uma linguagem sinalizadora que funciona como a sala de
navegação de uma existência. Normalmente não se conseguem decifrar com a razão…sentem-se,
fazem pressentir, ressoam, tornam-se reconhecíveis. Por isso levam algum tempo
até se conseguirem esclarecer. Se houver algum caminho a percorrer neste
universo e se for essa a nossa tarefa permanente, então os sinais são para
interpretar enquanto grupo de regras dessa viagem. O caminho, esse, continua
sempre, sem se interromper, sem hesitações, indiferente à decifração.
Deixemos no ar enigmas e mensagens cifradas ou, muito
simplesmente, comunicações que não fazem sentido nenhum. Aparentemente acabarão
por o fazer em algum lugar, em algum tempo.
Atrevo-me a dizer que na maior parte das vezes não me
apetece dizer nada, guardo as memórias numa caixa e fico a ver a coloração de
uma flor ou a caminhada do gato sobre o muro assim que estão encerradas as
cerimónias da sua higiene diária. E distraio-me ao fim da tarde com o melro
pontual que aterra sobre a relva do jardim em busca de uma minhoca para o
jantar. Tudo já foi inventado, para quê pretender a forma original, para quê
escrever melhor que o outro? Escreve-se e pronto. Quando me apetece, quando a
voz interior fala mais alto e sai pelas entranhas, quando me lembro daquela
história que ouvi, daquela personagem que cruzou o meu caminho. Não que tenha
interesse nenhum para ninguém querer ouvir. Simplesmente resulta de um acto de
higiene diária que se executa sobre o muro que separa o absurdo do racional, a
vontade da inércia, a vida da morte. O muro fica, os passos da saída sobre ele
são executados com estilo e o Sol volta a descer no horizonte enquanto um melro
atrevido nos olha encantado com uma minhoca pendurada no bico.
Artur
1 comentário:
... o mundo pula e avança como uma bola colorida entre as mãos de uma criança....
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