quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Teogonia Dois: 1. Um Deus Impaciente

 Tinha toda a eternidade, mas impacientava-se. Como? Um deus impaciente? Talvez por capricho, impulsividade e poder que ele o contrário à sua vontade nunca foi de admitir mas, mais do que isso, mesmo no que criasse era imperfeito. A modelação do barro genésico requer calma, a exacta e reflectida ponderação. Não basta dizer «faça-se» que a coisa fica feita. Quero dizer, feita ainda pode ficar, não será, contudo, coisa de que se orgulhe depois.

Era, pois, um deus imperfeito. Mas, não se iludam, era naquele panteão magnífico, um dos mais fortes e poderosos, temido pelos homens, e pelos outros deuses. Capaz de vergar a Natureza ao seu capricho, desafiava Fortuna e destino, impondo o que quisesse até mesmo às Parcas. Coitadas, cortavam o fio do que será quando ele mandava e não quando devia ser. E ele queria-o muitas vezes porque era, já o sabeis, impaciente como ninguém.

Mas era a descomunal potência genésica o seu principal atributo.

Criava animais exóticos e inverosímeis cuja função era desconhecida até mesmo para eles que, depois de experimentarem o que era viver, logo se deixavam morrer, após a angústia da perplexidade e sem deixar descendência. Eram rudes esses bichos. Não houvera tempo para detalhes na tamanha impaciência do deus e a bestialidade das criaturas, magníficas de pujança, além de suicidárias, tornava-as cruéis. Ainda bem que duravam pouco. De outro modo, seriam  o terror dos homens e dos outros animais que assistiam, incrédulos, àquela proliferação de monstros.

Em contrapartida, quando saiam plantas das suas mãos criadoras, elas espalhavam-se por todo o lado de modo incontrolável, ameaçando sufocar, na sua exuberância, todo o mundo. Porém, mais uma vez, porque eram imperfeitamente formadas, logo feneciam às primeiras chuvas ou, então, era esta nossa divindade que se irritava e as apagava da face da terra enviando um grande cataclismo que não poupava ninguém.

O pior era que tais fracassos, ferindo-lhe o orgulho, o tornavam ainda mais impulsivo e impaciente, ao ponto de uma exasperação endemoninhada o dominar. E assim lhe crescia uma fúria, tão descontrolada que nenhuma hecatombe ou vingança, castigo ou generosidade lhe podiam aplacar o ódio.

 

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