Diz-me a que horas é que não nos vamos encontrar, na praça dos passos perdidos pelas ruas cheias de ninguém, relembra-me as memórias enterradas na areia fina de uma praia esquecida pelo mar ao entardecer. Estica o passado numa corda onde se penduram as histórias que não aconteceram antes de secarem ao vento que as foi esquecendo. Levarei comigo o sonho embrulhado num pacote de realidade, decorado com uma fita azul de esperança que foi secando até ficar quase branca e desaparecida. Uma casa sem morada com lareira e um gato sonolento, e uma manta no chão onde ninguém se deitou iluminada por velas tímidas como amantes educados.
Aponta-me a direcção do Tempo para que lhe possa fazer uma ou duas perguntas que ele não me saberá responder deixando-se estar naquele estado incompreensível em que se decidiu suspender sem aviso. Fala-me outra vez da morte, das razões e das justificações que não se conseguem dar, de um fim que sabemos não terminar mas que ainda assim termina antes de começar. E eu responder-te-ei com a inteligência da estupidez que a tragédia se constrói quase sem querer e que se mata e ama ao mesmo tempo que se respira sem que alguém se preocupe, que somos criaturas rídiculas cheias de si como um balão que se esvazia num som estridente e familiar e arrancaremos uma gargalhada ao silêncio da noite escura, filha do impossivel e do absurdo.
Pela estrada que nunca foi percorrida ao som daquela balada absoluta a Lua espreita atrevida e explica que se levanta todas as noites para que o Sol possa brilhar de manhã…outra vez…e outra e outra ainda apesar de mim e de ti, apesar de todos nós e muito depois disso.
No tempo onde nunca estivémos fomos vida em abraços e beijos, fomos lágrimas e risos, fomos vento e amanhecer, registo e esquecimento. Conhecemos o medo e o ódio e as esquinas da sua intoxicação, ouvimos a musica e o mar, vimos a montanha, lemos todos aqueles livros e, ao mesmo tempo, não vimos nada, não percebemos nada, não conseguimos guardar uma única memória que se deixasse ficar para falarmos nas noites de Inverno.
Hoje tentamos agarrar o Tempo até que ele nos responda, queremos estar sem saber onde, as ruas por onde andámos não se lembram de lá termos passado, os dias vividos são como parentes afastados de quem esquecemos o rosto, o fim do caminho não está lá à frente, foi um parceiro de viagem desde a primeira hora. O Tempo, o Fim, o Princípio a Viagem, todos ao mesmo tempo sentados à mesa em frente a uma lareira de uma casa onde ninguém morou, iluminada por velas tímidas que por mais fracas chamas que tenham nunca se apagam. Uma refeição em que todos falam ao mesmo tempo e ninguém se consegue fazer ouvir. E nós no meio daquilo tudo, tão esclarecidos como no dia em que nascemos a tentar perceber o que não se consegue explicar mas que no entanto não deixa de existir numa lógica qualquer guardada numa caixa de ferramentas esquecida que ninguém sabe onde está.
Artur
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