Duro prossegue
direito ao fim
sem pena de nada
nem de ti nem de mim.
O projecto começado há uns anos
atrás com "Puro" vê agora o seu epílogo com "Duro" num
refinamento de qualidade e reafirmação de posições extremamente bem acolhido
tanto pelo público como pela crítica. Quando vamos ver mais um concerto dos
Xutos ou nos preparamos para ouvir um novo trabalho, a escala utilizada parte
sempre do nível Bom. O restante escalonamento limita-se a posicionar-se nos
níveis de boa qualidade apresentado pelas suas propostas. Neste caso, com
"Duro", o mínimo que se pode dizer é que a instituição Xutos &
Pontapés, a fábrica de Rock'n Roll trabalha cada vez mais como uma máquina
afinada onde todos os seus sectores se obrigam a esticar ao limite máximo as
suas capacidades.
Sendo o primeiro trabalho após o
desaparecimento de uma das suas peças fundamentais, o luto, a tristeza, a
persistência e o hino à vida foram paragens obrigatórias nesta caminhada já
longa de quatro décadas que teima em continuar. O Zé Pedro partiu mas o seu
legado ficou, cinco temas deste album têm ainda a sua assinatura, e para além
disso, a melhor homenagem que lhe podia ser feita pelos seus companheiros de
estrada e aventura seria exactamente esta. Continuar enquanto houver força,
continuar enquanto houver qualidade.
Á partida destaco quatro temas
fortes, "Duro", "Fim do Mundo", "Às Vezes" e
"Mar de Outono", dois temas de puro rock e duas baladas fantásticas.
Em "Duro" a guitarra de João Cabeleira volta a ser enorme e a letra
um cartão de visita de toda uma obra de quem nunca se resignou fiel ao lema
"antes quebrar que torcer". "Fim do Mundo" vai em crescendo
arrastando a raiva de quem não pára de lutar mesmo sabendo que vai perder no
fim, mesmo quando as forças começam a faltar. É Xutos de sempre, de cabeça
erguida exibindo a sua razão, a sua dignidade, o seu direito a passar pela vida
e ao seu pequeno espaço conquistado por mais pequeno que seja. " Às
Vezes" é um hino à fragilidade e à força que todos temos dentro de nós para
enfrentar os dias, as relações com os outros, os caminhos do desejo e do amor
que se percorrem sem mapa nem bússola. A paz que conquistamos de vez em quando
mas que insiste em nos escapar pelos dedos, uma luta permanente.
E depois temos "Mar de
Outono", um "baladão à Pink Floyd" como já alguém disse. O sax
do Gui a pintar ruas desertas em noites de chuva, a guitarra do Cabeleira a
enquadrar um ambiente de mágoa e solidão, a voz do Tim e a bateria ondulante do
Kalu.
"o vento cresce, o tempo
arrefece
vai ficando escuro neste mar de
Outono"
Marinheiros solitários de uma já
longa jornada, navegadores cansados mas determinados em não desistir até ao
último fôlego, empenhados em seguir a sua demanda.
Dois dos temas de
"Duro" não eram novidade na medida em que já tinham sido tocados em
espectáculos ao vivo ou usados para outros fins. É o caso de "Alepo",
cuja letra é baseada em twiters publicados por uma jovem síria durante a guerra
e "Sementes do Impossível", referência musical para a banda sonora do
filme ÍNDICE MÉDIO DE FELICIDADE (2017) de Joaquim Leitão. Se numa se retratam
os horrores da guerra através do olhar
de uma criança, no outro retrata-se o período recente da crise económica
e a forma como esses tempos negros dividiram e castigaram uma família.
Segue-se "Espanta
Espíritos" um convite à reflexão acerca do vazio destes tempos repletos de
muita informação e pouco conhecimento, muita comunicação e nenhum contacto
entre as pessoas. Um tempo assustador e impessoal onde a tecnologia corre o risco
de desumanizar a vida e transformá-la num deserto de egos cegos e
inconsequentes.
Para finalizar há ainda
"Duelo ao Sol" com a colaboração de Carlão (Da Weasel), uma breve
incursão no Rap e "Imprevistos".
No cômputo geral "Duro"
consiste numa sequência de nove temas que se ouvem com um enorme prazer
assinado pela maior banda de Rock de todos os tempos em Portugal.
Esteja onde estiver o Zé Pedro
há-de ter o seu sorriso eterno de orelha a orelha e cheio de orgulho pensará:
"Fui eu que ajudei a fazer isto…"
Artur