WATERS
A década de 70 está a chegar ao
fim e a obra dos Pink Floyd entra em velocidade de cruzeiro. 1979 marca o ano
de saída da mais importante ópera rock de sempre. Concebida quase na totalidade
por Roger Waters, The Wall é na sua
essência um poema sobre a solidão e a falta de comunicação, uma alucinação
introspectiva, uma visão globalizada da massificação cultural e do
aniquilamento da liberdade individual, um desafio à tirania e um hino à
Liberdade, um tratado da condição humana, qualquer coisa de colossal em todas
as vertentes que o queiram analisar. Expresso pela metáfora de um muro a ser
construído entre um artista de rock e a sua audiência o álbum foi um êxito
estrondoso entre público e críticos com um único single “Another Brick In The
Wall (Part 2), que fez longas estadias nos tops de vendas um pouco por todo o
mundo. The Wall contém faixas que acabaram por se tornar
imagem de marca da banda como “Comfortably Numb” ou “Run Like Hell”. Quase todo
ele concebido por Roger Waters o som torna-se cada vez mais hard rock apesar de grandes
orquestrações a lembrar tempos passados em temas mais calmos como “Goodbye Blue
Sky”, “Nobody Home” ou “Vera”. O predomínio da personalidade de Waters colide
com Richard Wright, cuja influência neste trabalho é mínima. Wright acaba por
ser afastado durante as gravações regressando depois e desta vez contratado
para tocar nos concertos. Ironicamente Wright foi o único elemento da banda a
ter lucros na “tournée” do The Wall .
Os elevados custos de produção dos espectáculos acabaram em grande prejuízo
para a banda. Em 1989 com a queda do Muro de Berlim, Roger Waters foi convidado
para tocar The Wall ao vivo no lugar
original do muro.
Batendo sucessivos recordes de
mais ouvido, mais tocado ou mais comprado, o álbum vendeu só nos Estados Unidos
o equivalente a 11,5 milhões de cópias obtendo 23 álbuns de platina.
No cinema Alan Parker realiza
PINK FLOYD THE WALL em 1982 onde incorpora praticamente todo o álbum. Na senda
do sucesso musical a dimensão cinematográfica também não ficou atrás. Visto por
milhões de espectadores por todo o mundo, o filme integrava uma parte de
animação da responsabilidade do artista e cartoonista britânico Gerald Scarfe.
Interpretado por Bob Geldorf (vocalista dos “Boomtown Rats” e mais tarde
organizador do festival Live Aid) e escrito todo ele por Roger Waters, o filme
foi considerado por muitos críticos como “o maior vídeo de rock de sempre e
também o mais depressivo”. Os únicos temas do duplo álbum que não foram
utilizados foram “Hey You” e “The Show Must Go On”. O tema “When The Tigers
Broke Free”, apesar de surgir no filme tem um primeiro lançamento sob a forma
de single sendo mais tarde integrado
na colectânea, Echoes: The Best of Pink
Floyd, bem como no relançamento de The
Final Cut .
The Wall foi mais um tratado que ocupou a atenção de várias
gerações, discutido e ouvido durante anos e anos, ocupando lugar em todas
festas de garagem. “Another Brick In The Wall” era cantado por adolescentes
europeus despreocupados, estudantes sul africanos que combatiam o regime do
apartheid, e de uma forma ou de outra, por todos aqueles que se sentiam de
alguma forma injustiçados com os sistemas políticos/ sociais da época. No meu
caso The Wall entra na minha
existência precisamente na altura em que estou a passar da adolescência à idade
adulta. A confrontação com a realidade, a urgência de manter um estado
consciente minimamente lúcido, os labirintos da solidão, a busca de respostas,
a vida quotidiana, o consumo de drogas, a injustiça,tudo fazia eco na história
de Mr Floyd e em todo o seu processo de alucinação e enlouquecimento.
Roger Waters é o timoneiro do
grupo em toda esta fase. A sua hegemonia vai-se prolongar para The Final Cut (83), um trabalho dedicado
ao seu pai, Eric Fletcher Waters. Ainda mais sombrio de sonoridade o álbum
regressa a temas anteriormente debatidos mas com o foco centrado na actualidade
temática, nomeadamente a raiva de Waters face à participação da Inglaterra na
guerra das Malvinas (“ The Fletcher Memorial Home”) ou uma visão cínica acerca
de uma possível guerra nuclear (“Two Suns in the Sunset”). Em virtude da saída
de Wright, Michael Kamen e Andy Bown ficam com a responsabilidade dos teclados.
Apesar de tecnicamente ser um álbum com a marca Pink Floyd o nome da banda só
está referenciado na parte de trás: “The
Final Cut – Um requiem para o sonho
do pós-guerra por Roger Waters tocado por Pink Floyd: Roger Waters, David
Gilmour e Nick Mason”. Waters ficou como o exclusivo criador sendo The
Final Cut uma referência para os seus futuros trabalhos a solo. Apesar de
bem acolhido pela crítica o sucesso junto dos fãs foi moderado. Nesta
altura o afastamento e as discussões
entre Waters e Gilmour iam-se avolumando ao ponto de não chegarem a gravar
juntos ao mesmo tempo no estúdio. Gilmour reclamava a continuação de rock de
boa qualidade, criticando Waters por produzir sequências de canções demasiado
centradas nas suas letras de crítica social. No fim das gravações não houve
tournée. Depois de The Final Cut a Capitol Records lançou a colectânea Works fazendo com que a faixa de Waters
de 1970 “Embryo” estivesse disponível pela primeira vez num álbum dos Pink
Floyd.
Os membros da banda empreendem
então caminhos separados gastando o seu tempo em projectos individuais. Gilmour
foi o primeiro a lançar About Face
(84). Wright juntou-se a Dave Harris para formar uma nova banda Zee, que lançou
um álbum experimental Identity um mês
depois de Gilmour. Em Maio do mesmo ano Waters lança The Pros and Cons of Hitch
Hicking um trabalho conceptual
anteriormente proposto à banda. Em 85 Mason lançou Profiles em conjunto com Rick Fenn e com a participação de Gilmour
e do teclista Danny Peyronel.
GILMOUR
Em Dezembro de 1985 Waters
descreve a banda como “uma força criativa desgastada” e anuncia a sua saída dos
Pink Floyd. Segue-se uma batalha jurídica pela autoria e direitos da marca
“Pink Floyd” que opunha Waters de um lado e Gilmour e Mason do outro. O
processo acabou por encontrar um entendimento fora dos tribunais.
O primeiro trabalho sem Waters
deu pelo título de A Momentary Lapse of
Reason (87) . A ausência do
letrista de sempre deu lugar ao convite de escritores exteriores à banda. Ezrin
e Jon Carin (que escreve “Learning to Fly” além de tocar grande parte dos
teclados) assinam os textos, facto bastante mal recebido pelos críticos. Wright
também regressou aos trabalhos, inicialmente como musico contratado na fase
final das gravações, recuperando o seu estatuto oficial de membro da banda
assim que começam a tournée. Por causa das limitadas participações de Right e
Mason neste trabalho alguns críticos consideraram que A Momentary Lapse of Reason deveria ser considerado um trabalho a
solo de Gilmour, da mesma forma que The
Final Cut o teria sido de Waters. Um ano depois saía Delicate Sound of Thunder (88) com parte instrumental co-escrita
por Wright (a primeira vez desde 1975) e por Mason.
Em 85 estou em Londres há alguns
meses e por um acaso dei por mim numa noite fria de Novembro na Brixton Academy
a assistir a um concerto de Pete Towsend e a banda Deep End com a colaboração
de Gilmour. Não foi um concerto Pink Floyd mas foi algo de mágico acompanhar os
solos de temas como “Love on the Air” e “Blue Light”. Uma tarde para recordar e
levar para a cova como uma visita a outra dimensão da existência.
Pela década de 80 continuam os
espectáculos ao vivo e a conceptualidade Pink Floyd vai seguindo o seu rumo
sempre com novas propostas cénicas. Um desses momentos altos acontece em Veneza
num concerto memorável que ocorre na praça de S. Marcos em Veneza em 1989. Muita
da assistência acompanha o concerto em embarcações ao largo da praça.Um
concerto guardado a ouro nos pergaminhos da minha gravação em VHS. Curiosamente
uma gravação que acabou por ficar para sempre amputada das duas primeiras
canções porque o meu filho mais velho resolveu gravar uma parte de um episódio
da Rua Sésamo na mesma cassette do concerto de Veneza. Ainda hoje tenho essa
relíquia de fita magnética religiosamente guardada na qual um coro de
simpáticas vaquinhas da Rua Sésamo faz a primeira parte do espectáculo.
UMA INDUSTRIA DE FAZER MUSICA
A carreira dos Pink Floyd
continua pelos anos 90 mas agora como uma gigantesca máquina de concertos ao
vivo e colectâneas onde se transformam as formas e se inovam os embrulhos. Em
1992 é lançada a caixa Shine On, um
set de 9 CD’s onde são relançados vários álbuns de estúdio. Um bónus chamado
“The Early Singles” compunha um enquadramento onde, colocando os álbuns ao alto
era possível visualizar a imagem da capa de The
Dark Side of The Moon . No mesmo ano sai também o álbum a solo Amused to Death de Roger Waters.
Em 1994 o trabalho do grupo volta
acontecer com Wright a participar em pleno. O resultado chamou-se Division Bell e recebeu uma reacção
muito mais positiva da crítica por oposição a Momentary Lapse… criticado como cansativo e feito de lugares
comuns.
Division Bell é mais um álbum conceptual onde se pode rever a
interpretação ou a visão de Gilmour em relação a temas discutidos por Waters
aquando da feitura de The Wall.
Depois do fantasma de Barrett, a
influência de Waters, como se a criação sob a chancela Pink Floyd nunca
conseguisse ser o resultado de uma personalidade única mas um somatório de
influências onde todos acabavam por estar presentes mesmo quando não estavam.
Em 1995 é lançado Pulse, um trabalho ao vivo que inclui
várias canções gravadas na tournée de Division
Bell em Earls Court em Londres. Um
concerto que conjuga um lado clássico com outro mais moderno da banda, uma
simbiose temporal. Seria também a primeira vez em duas décadas que a banda
tocaria the Dark Side of The Moon na
íntegra.
Em Novembro de 2005 os Pink Floyd
são indicados no Hall da Fama da Musica do Reino Unido. Gilmour e Mason
compareceram explicando que Wright estava hospitalizado em virtude de uma
cirurgia e Waters fez-se aparecer numa transmissão de satélite desde Roma.
Waters, Gilmour, Wright e Mason continuarão a trabalhar juntos uns com os
outros, ora em trabalhos a solo ora em concertos da banda que juntou as suas
existências. Gilmour reconheceu um dia que não havia razão nenhuma para ele e
Waters continuarem de costas voltadas. Até porque para trás havia uma vida em
comum, um caminho repleto de acontecimentos extraordinários, momentos
inesquecíveis que não podia ignorar. Se um dia se encontrassem, naturalmente
cumprimentar-se-iam e falariam um com outro como sempre.
E esta afectividade e
reconhecimento dos méritos de cada um que sempre pairou sobre o grupo vem
apenas reforçar o valor daquela que foi uma das mais marcantes instituições
musicais de todos os tempos.
Em 2008 o membro e fundador dos
Pink Floyd Richard Wight morre aos 65 anos vítima de cancro. Muita da sua
influência ficará no último trabalho da banda, Endless River . Uma obra em forma de requiem que encerrará esta
saga sobre uma das melhoes bandas de sempre na história da música.
Artur