quinta-feira, 9 de abril de 2015

ENCONTROS IMPROVÁVEIS









                          “É pelo Cinema que entramos na porta da História.”

                                                              João Bénnard da Costa

A extraordinária década de 80 tinha terminado como se o Tempo tivesse decidido pisar o travão da loucura com alguma brutalidade. A um tempo de festa e criatividade sem limites sucede-se o momento da cobrança, aquele em que o mundo se faz apresentar com o livro das facturas na mão. Doenças, acidentes na estrada, overdoses, uma chuva de acontecimentos trágicos  fazia soar a sirene que dá por terminado o recreio. No fim da dança, a cobrança. Na longínqua Rua da Beneficiência o Rock Rendez Vous fechava portas, num estrondo ensurdecedor de um tempo fantástico que não se voltaria a repetir. Mas como tudo na vida, nada é absoluto nem as mais esmagadoras derrotas. Zé Pedro e Kalu (Xutos) juntam-se a Alex (Rádio Macau) e em Novembro de 1990 abrem um bar de música ao vivo em Santos, o Johny Guitar. Encerrada a Catedral a resistência reagrupou-se e erigiu a capela do Rock em Lisboa. Consagrados e bandas estreantes continuaram a ter espaço para exibir o seu trabalho. Durante quatro anos o Johny Guitar deu cerca de 500 espectáculos acabando por encerrar por pressão dos vizinhos que se queixavam do barulho.
Numa dessas noites, debaixo de guitarras eléctricas e tambores ensurdecedores, no meio de uma fauna expansiva e ruidosa, um casal destoava pelo vestuário e pela idade. De facto, observando aqueles dois dir-se-ia que tinham vindo trazer os netos e que se deixaram ficar alguns minutos a ver se estavam bem entregues. Relações Públicas da casa o Zé Pedro decidiu ir ter com eles. Chegado à mesa apercebe-se que se trata de João Bennard da Costa, ensaísta, crítico de cinema, actor, cronista e Presidente da Cinemateca. Feitos os cumprimentos da ordem, o Zé Pedro pergunta amavelmente se por acaso não estarão enganados no lugar. Com a sua descontracção habitual o Presidente da Cinemateca explicou-lhe que não havia engano nenhum. Já há algum tempo que tinha curiosidade em conhecer aquele bar que dava pelo mesmo nome que um dos seus filmes preferidos. Naquela noite resolveu vir ver com a sua mulher. Nesse caso que ficasse à vontade e qualquer coisa que precisasse…a casa era sua. Explicações trocadas, boas vindas apresentadas a noite continuou como todas as outras noites naquele lugar. João Bennard da Costa e esposa acabaram a sua bebida, despediram-se e retiraram-se como qualquer visita de qualquer espaço. As bandas continuaram a tocar, as pessoas para lá e para cá como que reescrevendo o ambiente de saloon do clássico de Nicholas Ray, escurecendo muito mais o tecnhicolor com negros cinzentos e vermelhos.
Cowboys urbanos, trovadores românticos, heróis do seu próprio filme.
Afinal naquela noite percebeu-se que não há exclusivos de gerações nem fortalezas intransponíveis quando partilhamos o amor pelo romance e a aventura. O Cinema aproximava tempos, reconciliava pontos de vista e reafirmava pela milésima vez que somos todos consequência uns dos outros. É pelo Cinema que entramos na porta da História e é pela cumplicidade que nos tornamos maiores.


Artur 

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