sexta-feira, 21 de março de 2014

O X-Acto está de regresso

Amanhã às 17:00 o x-acto volta às ondas netzianas da Rádio Zero. Não percam, vamos passar os The Coasters.

terça-feira, 18 de março de 2014

QUANDO NÃO DIZES NADA, NÃO DIGAS NADA

"A estupidez é a euforia do lugar" Roland Barthes



O Partido Liberal Revolucionário que actualmente exerce o poder em Portugal - constituído pelo governo, pelos membros da maioria parlamentar que o sustenta, os jornalistas de serviço, os lobistas e a restante canzoada - revelaram a sua miséria moral e indigência intelectual na resposta que (não) deram ao chamado Manifesto dos 70. Para dar só um exemplo da mentalidade badalhoca desta gente, um exemplo suficientemente significativo do estilo rasteiro com que intervêm no espaço público e da substância boçal e canalha de que são feitos, basta referir que desceram ao nível mais reles e canalha da falta de argumentos ao crismarem de "antipatriotas" os subscritores do documento. Eles, os lacaios servis dos credores, os cães amestrados dos grupos económicos que os controlam e manipulam, os "pinículos" (ridículos arvorando na lapela o pin da bandeira nacional), eles os hipócritas que falam do "protectorado" não se importando de fazer todos os fretes ao "protector", quais colaboracionistas arvorados em portadores únicos do "sentido de Estado", eles os bacocos do 1640 e do relógiozinho a contar o tempo que falta para o supremo fingimento da "missão histórica cumprida", eles todos provocam um nojo que não tem fim, um vómito que não se exaura, um asco moral que oprime e angustia as pessoas de bem.. E são estes dementes, estes doentes mentais que se propõem liderar uma transformação do país, como se fossem capazes de transformar outra coisa que não o seu próprio estatuto, almofadado e imune a todas as crises pelo modo como colonizam e assaltam o aparelho do Estado e angariam favores e prebendas vendendo ao desbarato tudo aquilo que possa valer alguma coisa.

"Este país devia ser pasteurizado a merda", dizia Norah D'Almeida, personagem da obra "A Balada da Praia dos Cães", de José Cardoso Pires. Pois bem, já está, já conseguiram pasteurizar este país a merda, à conta do discurso "não há alternativa". Poderá não haver alternativa, mas há muitas alternadeiras, daquelas que bebem champanhe francês verdadeiro, se passeiam pelas estâncias balneares, têm "muito mundo" e ora se entregam ao senhor Goldman, ora se deitam com o senhor Sachs, dormem com o BPN, acordam com os grandes gabinetes de advogados e tomam o pequeno almoço com o anarcocapitalismo. O povo português, esse, "deitou-se com Helena e acordou com um cadáver".

Ao serviço do anarcocapitalismo, tornando-se o seu mais fiel servidor, esta gente destrói o presente, faz implodir o sentido do bem público, transforma as vidas de muitas pessoas numa corrida imparável rumo a um ter vivido e morrer o mais depressa possível, incapazes de sobreviver na selva que eles criaram e de que se ufanam. A ideologia que professam, desprezando o Estado e a Lei, composta da mercantilização e transvalorização total das vidas humanas e dos direitos que a civilização lhes confere e de um radicalismo secularizado, encaminha perigosamente a nossa sociedade para uma deriva totalitária, tanto mais ameaçadora quanto o poder não é exercido pelos seus titulares, mas pelos mandantes ocultos perante quem respondem. Só não lhe podemos chamar fascismo, como se as designações ainda valessem alguma coisa, porque ainda há eleições de quatro em quatro anos. Eles não são apenas estúpidos e boçais; são, como Hannah Arendt diz de Adolph Eichmann, "incapazes de pensar", logo, incapazes de fazerem juízos morais e de distinguirem entre o bem e o mal.

segunda-feira, 17 de março de 2014

PEDAÇOS E HORIZONTES

(imagem de Sofia Vaz Pinto) Partes de um todo estilhaçado em memórias selectivas que se vão juntando sem nunca se completarem. Utopias visíveis mas distantes, ilhas remotas em horizontes longínquos. Aqui, em pedaços, vai-se tentando construir um caminho partindo da destruição da unidade. Aqui em porções que se vão acotovelando, enquanto a tarde cai em silêncio. Nenhuma grande empreitada, nenhum sonho se concretiza sem ajuda de alguém. Nenhuma unidade está completa sem o somatório das partes que a compõem. Nenhuma memória será legítima sem o testemunho concordante de outra voz. Aqui, enquanto a tarde cai, os tempos encostam-se a outros tempos na passagem dos dias. Os sonhos apontam-nos o olhar. Na cadeira os pensamentos voam sentados, no descanso do silêncio. No mar ergue-se a ilha, na varanda sopra uma brisa refrescante. E estamos aqui como ali, somos um e vários, somos um universo em constante movimento e construção. Artur

sexta-feira, 7 de março de 2014

THE END - HISTÓRIAS DE UMA CANÇÃO

Emblemática da obra dos Doors, a canção “The End” (67) acaba por ser o cruzamento de muitos caminhos quer no seu significado quer na repercussão dos seus efeitos ao longo de uma existência de quase meio século. Comecemos pelo princípio. “The End” foi sendo tocada ao longo de meses nas actuações no “Los Angeles Whisky a Go Go” antes de se converter numa faixa de 12 minutos gravada no estúdio, sem mistura e concluída à segunda tentativa. Numa primeira fase Jim Morrison atribui o tema a uma despedida, ao fim de um relacionamento com uma namorada. Mas acrescenta que também se pode tratar de uma despedida do estatuto da infância. A canção no entanto acaba por ganhar vida própria e, através da complexidade imagética e universal atingidas, adquire a capacidade de se reinventar de cada vez que é ouvida. E essa será a história de “The End”, quem sabe o segredo da sua imortalidade. Tomemos dois exemplos que ainda foram a tempo de ser esclarecidos pelo autor. Num primeiro caso, a meio da recitação dos seu poema Morrison estabelece a sequência das suas célebres frases “Father I want to kill you, Mother I wanto to f… you”, suscitando vagas sucessivas de indignação ou histeria pelas imagens escolhidas. Quase toda a gente entendeu estas frases como recados de Morrison aos seus pais. Mais tarde Ray Manzareck (teclas) viria a esclarecer que tudo não passava de uma experiência. Jim Morrison trabalhava na altura na Florida numa produção onde era representada a tragédia Édipo Rei de Sófocles. Enquanto poeta e experimentador, Morrison limitou-se a recuperar um mito milenar da civilização, embrulhado nos trabalhos de investigação de Freud, e dar-lhe umas roupagens de Rock. Tal como o poeta, que se vestia de estrela de Rock para explanar e dar a conhecer a sua poesia. Num segundo caso, ao dar uma entrevista, perguntaram a Morrison o que quereria dizer a frase: “My only friend, the end…” O poeta responde assim: “ Ás vezes a dor é demasiado grande para ser analisada ou sequer tolerada. Isso não a torna má ou necessariamente perigosa. Mas as pessoas tendem a temer mais a morte do que a dor e é estranho que assim seja. A vida dói muito mais. No momento da morte a dor termina. Julgo que a morte é um amigo, sim” Mas a história de “The End” continua, desta vez saltando para o cinema. O tema é utilizado pela primeira vez em 1968 sobre uma cena de sexo de um filme realizado por Martin Scorsese enquanto estudante. Trata-se de WHO’S THAT KNOCKING AT MY DOOR. Mas o grande salto vai ser dado quando o argumentista de APOCALYPSE NOW, John Millius decide incluir “The End” na banda sonora do filme em duas ocasiões chave (na sequência de abertura e no momento da morte do coronel Kurtz). Se até aqui (anos 80) a canção já se tinha convertido num mito ela adquire uma universalidade impensável na altura em que foi composta. A este propósito aconselho um curto vídeo incluído na versão Blu-ray do filme que saiu em 2010, onde Coppola e Millius travam um breve diálogo de cerca de dois minutos. Nele ficamos a saber que o realizador foi colega de Morrison e de Manzareck na escola de Cinema de Los Angeles, descrevendo o primeiro como um homem extremamente recatado e culto, admirador de Nietzsche. Na mesma conversa ficamos também a saber que quando Millius explicou aos sobreviventes da banda que escreveu o argumento a ouvir o som deles até à exaustão e que escolheu “The End” por lhe parecer uma canção de guerra, a reacção foi de horror. Não era nada disso que eles tinham em mente quando o fizeram. Mas a escolha de Millius apenas reforça toda uma atmosfera de ruptura e irrealismo, sinais típicos de um cenário de guerra onde as personalidades se vão diluindo ao sabor dos acontecimentos à medida que constroem uma intimidade alucinada com a morte. A versão utilizada em APOCALYPSE NOW é ligeiramente diferente da original de 67. Nela é dada muito mais destaque à pista da voz no crescendo final, tornando muito mais nítido o discurso de Morrison. “The End” volta a aparecer no cinema no filme THE DOORS (91) de Oliver Stone, na sequência em que a banda resolve tomar ácidos no deserto. E sobre este momento fílmico a canção volta a contar outras histórias, desta vez sobre a própria banda. Numa primeira fase Ray Manzareck recusou o convite para consultor do filme. Mais tarde afirmaria que a história da banda havia sido retratada de uma forma horrível. Numa entrevista no programa de Jay Leno, a ex-repórter da Rolling Stone nos anos 60 e também esposa de Paul Mc Cartney, Linda, deu a sua opinião sobre o filme. Antiga conhecida dos Doors, Linda lamentou o facto de o seu amigo Jim não estar vivo para ver o filme porque iria fartar-se de rir. Jay pergunta-lhe porquê. Porque, em primeiro lugar, os Doors nunca fizeram um único concerto que tivesse multidões tão grandes a assistir como se vê no filme. De facto os Doors, tal como o seu tema “The End”, nunca se alinharam por um modelo linear de significação ou leitura. Numa década totalmente ocupada por uma mensagem de paz, amor, harmonia e paraíso ao virar da esquina, as suas canções falam de raiva, horror, sofrimento, dão ênfase a aspectos negros da humanidade desenterrando mitos antigos, recuperam tradições culturais de ruptura, destacam a travessia do inferno como o único caminho possível para alcançar a redenção. Estão numa banda de rock mas fazem passar mensagens, poemas, narrativas que extravasam as fronteiras de uma encenação. Experimentam muito para além da moda do seu tempo. Daí ainda hoje terem aceitação e admiração em gerações que nasceram muito depois da morte de Jim Morrison. Neste contexto, a trajectória de “The End” ao longo do tempo, acaba por se tornar o paradigma da própria banda. Um fim sempre longe de terminar. Artur

domingo, 2 de março de 2014

SIGNS OF THE SILHOUETTE

Os sons vão e voltam como correntes de ar, escondem-se para voltar a aparecer desenhando linhas de jazz e rock suspensas enquanto as imagens vão desfilando sobre músicos sem rosto e instrumentos perdidos nas sombras, ocupando literalmente todo o espaço cénico. Neste projecto conceptual, a música responde a projecções vídeo originais da autoria de Miguel Cravo. Nascido em 2011, SIGNS OF THE SILHOUETTE é o resultado de uma longa troca de impressões entre dois tipos de arte. A Música interpreta as imagens, corre atrás delas para as revestir de sons. O improviso é apenas o suporte visual de uma imagem interpretada. A banda oscila entre sonoridades simples e complexas através da guitarra eléctrica (Jorge Nuno) e da bateria (João Paulo Entrezede). O seu desempenho consiste num diálogo entre o corpo transmutado e a percepção da imagem vivida in loco, através de uma resposta reactiva e presencial. O trabalho publicado até aqui consiste numa trilogia (Monochrome) onde se privilegiam a percepção ( Signs of the Silhouette), criação e transformação (Rocket Fish) e a nostalgia imperfeita (Land Garden), expressas por obras vídeo. O grupo fez recentemente um tour por terras brasileiras onde foi bastante bem acolhido. Neste momento está a terminar a edição “Spring Grove”, o seu último álbum, para a Banbalam Records, editora francesa. Completamente fora dos canais normais da expressão musical a que estamos habituados, uma das grandes vantagens deste projecto é a liberdade imaginativa deixada ao critério de quem a ouve. Pessoalmente funcionou como uma caixa de várias opções para a banda sonora de um filme, na medida em que segue a métrica da linguagem cinematográfica desde os tempos mortos, as imagens vazias, os estados de espírito, a velocidade, etc. Sendo praticamente subsidiária das imagens que varrem o palco, na medida em que delas pretende dar um interpretação, a música atinge a sua autonomia estando pronta a ser usada em qualquer outro bloco de imagens que venha a aparecer. Ao projecto SIGNS OF THE SILHOUETTE desejamos as maiores felicidades. Artur Carvalho

ALAIN RESNAIS

1922 - 2014