segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

UM POETA DO COSMOS

James Douglas Morrison será sempre recordado como um ícone incontornável da história do rock, um mártir prematuramente desaparecido às mãos dos hábitos de uma cultura autodestrutiva povoada de drogas, um visionário muito à frente do seu tempo, um homem com enormes dificuldades em compreender o mundo, em se conseguir compreender a si próprio. Estando correctas todas estas posições seria incompleta qualquer apreciação do vocalista dos Doors sem a análise da dimensão poética do seu trabalho. De facto, Jim Morrison, apesar de mais conhecido pela sua acção enquanto vocalista de uma das mais importantes bandas dos anos 60, inscreveu a maiúsculas o seu nome no quadro dos poetas, reforçando o seu estatuto efectivo nas páginas da “Linguagem Universal”. Morrison, para além da maior parte das letras das músicas dos Doors, é também autor de duas antologias poéticas ( An American Prayer” , 1970, e “The Lords and The New Creatures” , 1971). Basicamente, os seus poemas resultam da reflexão dos tempos em que vive, das tensões e contradições que o vão compondo. A cultura das drogas, o movimento pacifista, a arte de vanguarda são temas dominantes da lírica de Morrison. Estudante de artes performativas (Teatro e Cinema) na Universidade da Califórnia, é lá que conhece os elementos que integrarão a banda no futuro. A recordar : Ray Manzareck nos teclados, John Dushmore na bateria e Robbie Kriger na guitarra . O nome de batismo (Doors) é baseado num livro de Aldous Huxley “The Doors of Perception”, que por sua vez citava um poema de William Blake (“If the doors of perception were cleansed / All things would appear infinite”). A banda nunca teve um baixo. Influenciado pelo prévio movimento dos “beatnicks” dos anos 50, onde se ensaiou a fusão do jazz com a poesia, para Morrison a música serviu de rampa de lançamento para a projecção dos seus poemas, acrescentando-lhe uma roupagem teatral, uma coreografia. O seu comportamento exibicionista e “obsceno” nos palcos, as jam sessions de geração espontânea e o consumo indiscriminado de drogas, mais do que revelarem uma histeria ou um desequilíbrio mental, eram antes elementos dessa postura de imprevisibilidade e vanguardismo. Ou nas palavras do próprio:” Digamos que estava a testar os limites da realidade. Estava curioso para saber o que aconteceria. Foi isso, apenas…a curiosidade”. O seu primeiro alter-ego , The Lizzard King/ O Rei Lagarto, aparece pela primeira vez no célebre álbum “Waiting for the Sun” (68), num poema impresso no próprio disco. Tratava-se de “Celebration of The Lizzard King” cuja parte das letras é utilizada em “Not to Touch the Earth” e, por completo na gravação “Absolutely Live” (70). Após alguns incidentes e outro tanto com acusações por comportamentos impróprios, multas e tribunais, Morrison muda de rumo. Deixa crescer a barba e afasta-se do rebuliço da fama, dedicando a maior parte do seu tempo a vários projectos fora do contexto da banda. Obcecado e dominado pelos seus demónios interiores, Morrison escrevia compulsivamente, revelando também alguma dificuldade em explicar os seus objectivos. Sentia sem explicar, criava sem racionalizar. Até o seu fim prematuro se desenhava nos seus escritos: “ O Great Creator of beings, grant us one more hour To perform our art and perfect our lives” Em Abril de 1970 “Morrison Hotel” salta para o topo das tabelas em Inglaterra e nos Estados Unidos. No dia do seu 27º aniversário Morrison grava na Elektra LA Studios vários poemas seus que no futuro constituirão a base de “An American Prayer”. Os Doors fazem o seu último concerto em New Orleans que termina num total fracasso. Morrison parte o microfone, perde o controle e desmaia. Terminando as gravações de “L.A.Woman”, Morrison parte para Paris em busca da sua carreira literária. Nunca mais voltou. A poesia de Morrison inscreve-se num contexto de inconformidade, aventura, e multiplicidade dimensional na medida em que engrandecendo as possibilidades do “Ser”, aponta para um estado de liberdade total num espaço onde tudo é possível. Um espaço fora do espaço da consciência humana, das limitações artificiais embora permanentes que impedem a celebração total e absoluta quer dos sentidos quer da vibração de cada um. O comportamento violento é assumido apenas no contexto de uma dimensão violenta da existência dentro da qual o pacifismo não tem lugar. Os seres percorrem todos os caminhos na busca da sua libertação, saltando dimensões, animados pela força do Amor e da Solidariedade. São reflexos errantes de uma estrutura cósmica, imortais aprisionados ao medo de morrer. Apesar da sua curta estadia neste planeta, Jim Morrison acabou por conseguir o seu lugar na tradição da poesia popular norte americana, sendo hoje alvo de estudo e investigação nas universidades. A leitura da poesia de Morrison é essencialmente uma viagem. Sobrevoando as mais elementares emoções abre-se uma realidade onde tudo é infinitamente maior do que podíamos imaginar. Viajando para dentro e para fora de nós, descobrimos e coleccionamos os segredos do universo num percurso sem medo nem culpas. Jim Morrison…um poeta cósmico. Artur

Sem comentários: