terça-feira, 29 de outubro de 2013

ELOGIO DE PEDRO PASSOS COELHO

 
 
 
“Svendenborg chamava às suas visões memorabilia”
 
Arthur Rimbaud

 

 

      Que demónio terá instilado em Pedro Passos Coelho (PPC) a ideia messiânico-sebástica, inspirada num milenarismo apocalíptico e escatológico, segundo a qual teria nascido para ser o “salvador da Pátria”, o homem providencial que iria tirar Portugal da sua inércia e da sua situação catastrófica, e uma espécie de Beato Salú destinado a salvar os “empreendedores” e a condenar a uma irremediável fogueira os inertes, os preguiçosos e todos aqueles que dependem de subsídios para sobreviver e que estão a impedir que o país se desenvolva e cresça segundo os desígnios iluminados dos primeiros ? Se me refiro a um demónio (retirando-lhe a carga teológica) é justamente porque não há nenhuma explicação racional e lógica para a representação que este homem faz de si mesmo e do seu papel histórico. Não será certamente pela sua estatura intelectual, já que não se lhe conhece um estudo, um ensaio, vá lá, uma única ideia solitária que lhe confira esse estatuto. Aliás, para saber do que falo, dei-me ao trabalho de ler a “obra” que publicou em 2010 (Difel) e que intitulou singelamente “Mudar”. Confesso que foi uma tarefa penosa, quase uma tortura: maçudo, enfadonho, mal escrito (até para os padrões daqueles que, por meia dúzia de tostões, de dispõem ao frete de redigir as obras que outros hão-de assinar), o “livro” é uma sucessão de ideias vagas, propósitos piedosos e teses alheias, mal digeridas e pior compreendidas. Há mais ensaística, ideologia e argumentação numa lista telefónica das Páginas Amarelas do que neste amontoado de torpezas mascaradas de boas intenções. Perplexo, constato o seguinte: o “livro” foi escrito segundo uma atroz e infindável sucessão mecânico-associativa que remete para o caos de uma mente em negação (não sou eu que estou doente, é o mundo !) e que se esgota nalgumas ínfimas e últimas essencialidades e “verdades”. PPC (ou alguém por ele) utiliza farrapos de linguagem, reduzindo o material linguístico a dois registos essenciais: clichés e banalidades, tudo organizado num ritmo redundante, pontuado aqui e acolá por catadupas verbais que levam a própria linguagem ad absurdum. É o preço a pagar por formatar a realidade à nossa medida: reduzir tudo a um campo de batalha monomaníaco em que ficam restos e dejectos verbais; vive-se do fragmento, do aforismo, da ruína verbal. Mas, o “livro” tem um mérito: não esconde nada deste projecto demoníaco que veio a ser posto em prática, destruindo o país e deixando atrás de si um rasto de pobreza, de humilhação e de indignidade. Como diz Ingmar Bergman no começo de “O Ovo da Serpente”: “Através da fina membrana, vê-se já o réptil em formação”.
 
    Verdadeiramente, PPC é o “homem cheio de qualidades”, ou a antítese de Ulrich, o protagonista do romance “O Homem Sem Qualidades”, de Robert Musil. Lembrar-se-ão que essa personagem concentra o seu agir/pensar, ou o seu pensar/agir, no “sentido de possibilidade” dos acontecimentos e pratica um “ensaísmo” como forma de vida. Precisamente o contrário da ilusão de PPC: julgava ele que ignorando a possibilidade dos acontecimentos, ou seja, a realidade concreta e material da sociedade e dos homens, a realidade haveria de se vergar a um pensamento tão claro e sublime e a “verdade” dos postulados que enuncia teria necessariamente que aparecer como uma evidência escrita na pedra para que todos os homens a entendessem e aceitassem. Nunca saberemos quem encontrou ele na Estrada de Damasco, mas conhecemos os efeitos nefastos do seu providencialismo. Como muito bem viu Pacheco Pereira, haveremos de sair desta crise algum dia, superando os seus aspectos económicos e financeiros. Mas, no que concerne às feridas morais, éticas e sociais, essas nunca hão-de cicatrizar definitivamente. Por tudo isso, PPC é verdadeiramente um “escritor” da crise, ou o “escritor” da crise. Acima de tudo, “Mudar” é uma autobiografia intelectual, ou melhor, uma radiografia, cinzenta e árida, mostrando um interior vazio e revelando uma ossatura sinistra. Entenda-me quem o quiser fazer.
 
          Arnaldo Mesquita


domingo, 27 de outubro de 2013

LOU REED

                                                                      1942 - 2013

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

domingo, 6 de outubro de 2013

ATACAMA - RUSH HOUR IN THE SKY







                                                      Sofia Vaz Pinto

sábado, 5 de outubro de 2013

CHILE - DESERTO DE ATACAMA



 
 




                                                               Por Sofia Vaz Pinto

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

LIVRO DE PONTO - OUTONO





1. Parabéns a todas as nulidades, incompetentes e sevandijas que, salvas raras e honrosas excepções, foram eleitos neste Domingo, de norte a sul do país, nas regiões autónomas e nas Ilhas Selvagens. Dispõem de mais quatro anos para desbaratarem dinheiros públicos em obras inúteis, empregarem familiares, vizinhos e conhecidos, adjudicarem obras a amigos e, de um modo geral, continuarem a contribuir para que Portugal vença o prémio de País Mais Feio da Europa, através das autorizações avulsas que vão concedendo para edificações várias: hóteis e "resorts" parolos de luxo em zonas protegidas; campos de golfe em cima das arribas; urbanizações em zonas de paisagem protegida, reserva ecológica ou agrícola. A todos eles desejo um mandato cheio de propriedades.

2. passos coelho e o resto do "gang" não tiveram tempo de ler Jean-Jacques Rousseau. É compreensível: as licenciaturas medíocres obtidas por favor em universidades privadas medíocres; o tempo passado em conspirações, manigâncias e negociatas, subindo a pulso na hierarquia das "jotas"; os anos gastos a esmifrar o Estado dos seus recursos, tratando de transferir capitais que deveriam servir para desenvolver o país e que, ao invés, foram parar aos bolsos dos privados, não lhes deram oportunidade de tomarem contacto com o conceito de "contrato social", indispensável a todos aqueles que almejam desempenhar cargos políticos, e não apenas "ir ao pote". Assim, proponho que se lhes transmita o conceito filosófico-político em doses suaves e homeopáticas. Por exemplo, na feliz formulação de Ana Cristina Leonardo, a única que os partidários do "para trás mija a burra" conseguirão entender:

"Então fazemos assim: Vocês não nos lixam a vida, e nós não vos fodemos a tromba".

3. Passando a coisas sérias: recupero neste Outono o conceito de "emigração interior", que Hannah Arendt desenvolveu num ensaio sobre Lessing, referindo-se aos judeu que, perseguidos na Alemanha se retiravam da vida pública e deixavam de fazer parte de uma sociedade que os rejeitava e decidia aniquilar. Reformulo esse conceito: sujeitos que estamos à iniquidade de um poder político ilegítimo e atroz, que governa contra o povo que o elegeu e a favor de interesses obscuros que o manipulam e orientam, devemos preservar uma espécie de último reduto da nossa intimidade: emigrantes no nosso próprio país, exilados internos, podemos distanciar-nos - ainda que por momentos - da degradada vida pública e política, procurando refúgio na invisibilidade do pensamento e do sentimento nostálgico. Tal atitude, permitir-nos-à, um dia, conhecermos estes "anos de chumbo" e tal conhecimento esclarecerá as razões pelas quais suportámos tudo isto. Como Nietzsche observou: "Quando olhamos para o abismo, o abismo também olha para nós".

4. "Fontes fidedignas" relatam que o último conselho nacional do ppd não tratou de analisar as razões da monumental derrota sofrida pelo partido nas últimas autárquicas, nem de debater mudanças de rumo aconselhadas pelo aviso que o povo português lhes endereçou: tratou-se antes de encontrar formas de perseguir e aniquilar todos aqueles que não alinharam no discurso oficial e se perfilaram contra as escolhas do bando, tudo servido por gritaria, insultos, pateadas, ameaças físicas, palavreado de taberna e linguagem de carroceiro. As máscaras caíram. Por detrás das máscaras estão outras máscaras. E assim até ao infinito. Nada que nos espante. Só é de espantar, ou melhor, de ficar estarrecido de nojo, de vergonha e de horror o facto de aceitarmos ser governados por estes delinquentes. De facto, Portugal bateu no fundo.