quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A MINHA VIDA NÃO VALE NADA e 12 PSICOPATAS

Dói-me ver essas legiões dos meus compatriotas à porta dos Centros de Emprego, esperando dia após dia, desilusão após desilusão, por algo que nunca chegará. Mas, digo para mim próprio, que lhes resta senão manterem semi-viva, semi-moribunda, essa esperança ? Não sabem eles que fazem parte das massas cuja insegurança foi planeada a sangue frio; ignoram que a única coisa que incita aqueles poucos que têm trabalho para oferecer é poderem fazê-lo a preços de saldos, a jorna de miséria e com a promessa de despedir facil e rapidamente. Mesmo esses, a quem um emprego miserável e sem segurança parecerá um maná divino, mesmo esses "felizardos" não conseguirão sair da miséria, nem alterar o seu destino: um longo cortejo de humilhações, privações, perigos, insegurança. Umas tantas vidas abreviadas. O lucro,claro, lucrará. Dir-me-ão: não é melhor ums tantos empregos mal pagos do que empregos nenhuns ? A quem assim pensa poderia responder: além da busca penosa de empregos que não existem, além da falta de recursos, além da perda (ou da ameaça da perda) de um tecto, além do tempo passado a ser recusado, além do desprezo dos outros e da depreciação de si próprio, além do vazio de um futuro aterrador, além da degradação física causada pela penúria, além da miséria moral e ética que atinge os longamente desesperados, além da fragilização dos casais e das famílias, tantas vezes destruídas - se, além de tudo isso as pessoas também se sentem encurraladas numa insegurança ainda maior, desta vez tecnicamente prevista por todos esses espíritos brilhantes e personalidades assombrosas que decidem dos nossos destinos, e se não têm ajuda, ou quando muito, contam com uma ajuda calculada para se insuficiente, pelo menos ainda mais insuficiente, e se mesmo essa ajuda lhes é representada como caritativa, ou como um favorzinho que se presta e não como um direito adquirido e duramente conquistado, se ainda assim estão dispostas a aceitarem, suportarem ou sujeitarem-se a qualquer forma de emprego, a qualquer preço, em quaisquer condições, então são entidades pressionáveis e manipuláveis: só resta esperar que assim continuem. Enquanto forem assim, enquanto permaneceram nesse estado de autofagia, serão tolerados. São aqueles que foram enfraquecidos, moralmente aniquilados, reduzidos a zero, fisicamente esmagados. São todos aqueles que, noutra situação, poderiam constituir um perigo para a "coesão social" e para a "ordem estabelecida". Como se existissem ordem e coesão no meio do caos, como se esses valores fossem aqueles que é preciso privilegiar, em abstracto, no plano dos princípios, sem qualquer ligação com a realidade. Como se aos alienados ainda interessassem as belas formulações teóricas que sustentam os regimes. Desses repudiados, desses excluídos lançados no vazio social, espera-se contudo que se portem bem, que sejam ordeiros, que mantenham a coesão, que se conduzam como bons cidadãos entregues a uma vida cívica toda feita de deveres e direitos, ao mesmo tempo que lhes é retirada qualquer possibilidade de cumprir qualquer dever, e os seus direitos, já muito restringidos, são deliberadamente ultrajados, menosprezados e ridicularizados pela nova elite que assaltou o poder, vinda do nada, sem saber nem conhecer nada, a não ser a proteção do Estado que agora vituperam e à sombra do qual prosperaram. Os outros ? Que tristeza, que decepção vê-los infringir os códigos de bem viver, as boas maneiras, as regras de bom comportamento dos que, numa situação de autoridade, os marginalizam, tratam por tu, empurram e desprezam ! Que punhalada no coração não os ver aderir às boas maneiras de uma sociedade que se manifesta tão exuberantemente alérgica à sua presença e os ajuda a verem-se como que fora do jogo (os jornais de hoje relatam o caso de um gerente bancário que atendeu na rua uma pessoa que pretendia levantar um cheque e que se tinha dirigido à sucursal com as roupas de trabalho e que, crime execrando, "parecia um romeno"...)
Fazem-me lembrar uma personagem do filme "Amarcord" de Federico Fellini, um velho fascista inválido, lamentando-se da incompreensão dos cidadãos em relação à bondade das medidas do governo, ao mesmo tempo que manda despejar uma garrafa de óleo de rícino pelas goelas de um pobre pai de família que tinha feito um comentário inocente sobre a situação social. Que diria Fellini, que era um excelente observador da sociedade e dos seus meandros,embora às vezes gostasse de se esconder por detrás dos seus números circenses, se tivesse conhecido a sociedade portuguesa em 2012 ?
Que diria do governo de uma nação que envida esforços tremendos para colocar um parte do país contra a outra, declarada vergonhosamente favorecida (funcionários públicos de base, agentes públicos em geral), reformados contra trabalhadores no activo, etc., sem tomar em conta os que de facto o são, a não ser para os designar como os "empreendedores", as "forças vivas", os "inovadores", os "exportadores" e outras baboseiras quejandas ? E considerar essa gente como a única a ousar correr riscos, como aventureiros impacientes por correr perigos incessantes e infinitos... sempre ansiosos por pôr em jogo...não se sabe bem o quê, enquanto os nababos condutores de metropolitano, os novos-ricos empregados de correio, os operários multimilionários, as mulheres da limpeza magnatas prosperam escandalosamente, em total segurança ! Os "empreendedores", assim denominados por se supor serem detentores e criadores de empregos, mas que, mesmo subvencionados, exonerados de impostos, mimados e levados ao colo para esse fim, não só não criam nenhum ou quase nenhum (o desemprego continua a aumentar diariamente), como, mesmo recebendo benefícios (em parte graças às vantagens mencionadas), dependem do Estado a torto e a direito e se dão ao supremo luxo de continuarem a distribuír dividendos pelos acionistas e a aumentarem escandalosamente o seu ordenado. Os tais empreendedores e inovadores, antigamente deseignados de forma bastante estúpida como "patrões", que relegam músicos, pintores, escritores, investigadores científicos e outros saltimbancos para o papel de pesos mortos, sem contar com o resto dos humanos, todos convidados a erguer para o brilho de tais constelações humildes olhares de vermes ofuscados por tanto brilho. Quanto aos usurpadores que se refastelam sem vergonha na garantia de um emprego, a sua imunidade ao pânico resultante da precariedade, da fragilidade, do desaparecimento desses mesmos empregos representa um perigo escandaloso. E, pior ainda, retardam a asfixia do mercado de trabalho. Ora, asfixia e pânico são o sustento da economia na sua exuberante modernidade, e os melhores garantes da "coesão social". A nossa única consolação, que nos faz rebentar de orgulho, são as exportações exuberantes, o progresso vertiginoso da balança de pagamentos, que nos garante um lugar no pódio, entre os abrigos de cartão dos vagabundos, as curvas ascendentes do desemprego e as descendentes do consumo, mas que, paradoxalmente não parecem ter influência sobre a vida dos casebres. Nem sobre a das cidades.
Esta era a minha mensagem de Natal, sabendo embora que o tom e a matéria não fazem parte daquilo que tipicamente constitui as mensagens de Natal. Faltam-me as boas maneiras, o "pathos" da ordem e da coesão, falta-me sobretudo o bom gosto para falar de renas, neve, bondade, solidariedade, presentes pela chaminé e outros motivos próprios da quadra. Sobra-me, talvez, a audácia de um sentimento agreste, ingrato, de um rigor intratável e recusando qualquer excepção - o respeito pelo meu semelhante. E, sobretudo, falta-me paciência para aguentar a resignação com que os meus compatriotas aceitam viver sem conhecimento de causa, o modo como aceitam pacificamente as análises económicas e políticas que lhes passam ao lado e não lhes respeitam a inteligência e que mencionam apenas como elementos ameaçadores, que obrigam a medidas cruéis, e mais cruéis ainda se não forem suportadas com docilidade. Análises ou relatórios peremptórios, segundo os quais a modernidade, reservada às esferas dirigentes, só se aplica à economia de mercado, e só funciona na mão dos seus iluminados decisores.

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