terça-feira, 7 de agosto de 2012

BREAKFAST ON PLUTO



Neil Jordan
Irlanda, Reino Unido, 2005

Sendo um filme à partida estranho e invulgar, BREAKFAST ON PLUTO cativa-nos desde a primeira imagem, deixando um rasto de riso incómodo, uma trágica propensão para a caricatura. O percurso de Patrick pelas esquinas mais violentas e negras do tempo é essencialmente uma lição de amor e persistência de um contra todos, ou contra tudo, em nome da individualidade.
Tudo começa na pequena aldeia de Tyrellin, próximo da fronteira da Irlanda do Norte, no ano de 1940, quando Patrick é abandonado pela mãe à porta da sede da paróquia e recolhido pelo padre Liam. Adoptado por uma família de acolhimento, Patrick cedo se transforma num incómodo permanente, seja pelo ostensivo comportamento de um rapaz que se quer transformar numa mulher, seja pela revelação de ter sido concebido pelo padre e pela governanta. Patrick rapidamente se transforma em Patrícia e depois em “Kitten”, pouco antes de fugir de casa e apanhar boleia de uma banda de rock, envolvendo-se com o vocalista. Billy instala “Kitten” numa roullotte isolada perto do mar, que era ao mesmo tempo esconderijo de armas do IRA. Irwin, um dos seus amigos, com grande contestação da namorada Charlie, junta-se ao exército de libertação. Quando um carro armadilhado vitima o seu outro amigo, Lawrence, “Kitten” decide pegar nas armas escondidas e atirá-las ao mar. Quando o IRA percebe o que aconteceu só não o executa porque o julga completamente maluco da cabeça. Kitten parte então para Londres, em fuga dos ares pesados da luta armada e em busca da sua mãe.
Segue-se um périplo acidentado de encontros e desencontros, desde um relacionamento amoroso com um mágico que sempre soube que Kitten era um homem, até ao reencontro com a mãe sem no entanto lhe dizer quem era, passando por uma casa de “peep show” onde o pai/padre o visita e convida para vir morar com ele na Irlanda.
Baseado no romance com o mesmo título de Pat Mc Cabe, a adaptação para filme sofreu várias alterações. Jordan e Mc Cabe começam por tirar o nome “Pussy” e substituir por “Kitten” em relação ao protagonista. Por outro lado, enquanto que no livro o protagonista se envolve em múltiplas cenas de sexo explícito tanto com homens como com mulheres, tendo mesmo com alguns estabelecido relações de longa duração, no filme não vemos sequer “Kitten” a dar um beijo na boca em ninguém. A opção formal foi a de privilegiar o poder de sugestão. Kitten não é mostrada abertamente em contactos sexuais, apenas se dá a entender que assim é, ou se supõe, transformando o personagem num ser ainda mais frágil e mais ingénuo do ponto de vista da sua perversidade.
A cena junto ao mar com o mágico Bertie é apontada por muitos como uma alusão ao filme anterior do mesmo realizador, THE CRYING GAME, que também envolvia a transexualidade num dos personagens. Se em THE CRYING GAME, o homem se apaixona por uma mulher que é afinal um híbrido (transexual) com o espanto e a reacção violenta que se segue, em BREAKFAST ON PLUTO, quando Kitten confessa a Bertie que não é uma mulher, a resposta é: “Eu já sabia.” O beijo que ele se preparava para lhe dar fica como que suspenso, interrompido perante a confissão.
Mais ingénuo, menos perverso, e mais frágil, Kitten acaba por atravessar o seu tempo numa luta desesperada contra o mundo, empenhado em sobreviver e, principalmente, em manter viva e activa a sua identidade. E é neste ponto que o filme consegue alcançar a sua força máxima expressiva. Dando-nos uma lição sobre a diferença, a procura do amor e a relativizar a importância da maior parte das coisas que nos acontecem na vida. Mesmo as grandes tragédias devem ser relativizadas à medida da nossa sensibilidade, à medida da nossa capacidade para não escondermos quem somos nem nos desviarmos daquilo que queremos. Só assim poderemos continuar vivos…

Artur

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