quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

COMO UM PRINCÍPE

Julgo que já falei com ele três ou quatro vezes. Normalmente aparecia-me à porta por alturas do Natal. Despejava uma lengalenga onde incluía uma breve introdução à instituição que representava, o que fazia e, obviamente, terminava apelando à “contribuiçãozinha”, tão necessária à continuidade do projecto. Por alguma razão, nunca consegui dizer-lhe que não. Nunca consegui mandá-lo embora de mãos a abanar. Neste caso concreto, trata-se de uma instituição de solidariedade que dá apoio, acolhimento e solidariedade aos sem abrigo, doentes com HIV, marginalizados em geral. Hoje o meu interlocutor voltou-me a visitar. Esteve internado com um problema grave no fígado. Assim que se sentiu minimamente restabelecido retomou a sua actividade de bater às portas em busca da solidariedade anónima para manter a instituição. O que mais admiro neste homem é a sua persistência, a sua vontade em se manter de pé quando tudo, ou quase tudo se organiza contra ele. Desde o azar até ao mundo em que vive, nada se presta a contrariar o seu estado de saúde, a sua magreza progressiva, a ausência quase absoluta de futuro, de esperança. Mas segue em frente com a dignidade de um príncipe. Vira para mim os olhos negros como que a dizer: “Estou no fundo e tenho muito pouco espaço para me levantar. E é precisamente esse bocado de espaço que eu tento construir todos os dias. E se quiseres podes-me enxotar, mandar trabalhar, insultar, ignorar, ou, em contrapartida, ajudar-me. Nada do que tu possas fazer me irá alterar. A minha cara será sempre a mesma. A minha atitude também. “
Julgo que já falei com ele três ou quatro vezes. A familiaridade do reconhecimento dá-me um conforto moderado, uma capacidade de aceitação inquestionável por toda a falta de razão na maior parte das dimensões da vida. Sempre que ele me bate à porta sinto-me na vontade (não na obrigação, nem na consciência, nem no impulso) de o ajudar. Entendo que ele merece ser ajudado, quanto mais não seja pela dignidade com que se arrasta, teimosamente vivo. Fixo-lhe o olhar também, como que a dizer: “ Não quero saber o que te aconteceu, não me interessa quem és. Podes estar a mentir, a falar a sério, podes não ter outra maneira de conseguir comer, podes ser um simples calão que nunca levou a vida a sério. Qualquer uma destas hipóteses é-me completamente indiferente. Nada que tu possas dizer me vai alterar. Ajudo-te, simplesmente.”
Julgo que já falei com aquele tipo três ou quatro vezes e nem sequer sei o nome dele. Nem quero saber…

Artur

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

PORNOLALIA

O velho Catroga (Catrosga ? Catrelhos ?) não desaparece nem se cala. Agora, com todo o cinismo do mundo, veio dizer que nem sequer sabe quanto vai ganhar. A sem-vergonhice e a pulhice do velho pornógrafo não têm limites.

O jovem João Almeida, velha arrastadeira do CDS, veio afirmar que defendia que os funcionário públicos afectados pelo novo regime de mobilidade forçada, caso não concordem com o mesmo, podem sempre, havendo possibilidade, rescindir amigavelmente os contratos...

Havendo disponibilidade, não poderíamos rescindir amigavelmente o nosso contrato com o deputado João Almeida ?

Havendo possibilidade, não poderíamos rescindir amigavelmente o contrato com a estupidez, boçalidade, vulgaridade, corrupção e incompetência dos políticos que nos têm (des)governado nos últimos 30 anos ?

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

HISTÓRIA UNIVERSAL DA ESTUPIDEZ

Um secretário de estado do último modelo, ou seja, arrastadeira 2011, sugeria aos jovens desempregados que saíssem da sua "zona de conforto" e emigrassem, tendência também seguida pelo primeiro-ministro relvas, por passos coelho e até pela arrastadeira paulo rangel que, indo mais longe, até sugeria a criação de uma agência dedicada a tal fim.
Mais recentemente, o aguiar-branco ditava aos militares descontentes que abandonassem as Forças Armadas. Ontem um jovem apalermado e idiota, de seu nome joão almeida, mandava os funcionários públicos que não concordem com o novo sistema de mobilidade saírem da Função Pública. Pois bem, eu tenho uma novidade para esta gentalha : o ridículo mata, a repulsa ostraciza, o nojo contagia, a pouca vergona há-de ter um fim.

A DEUS O QUE É DE CÉSAR E A CÉSAR O QUE É DE DEUS

Irmãos:

Ouvi a Boa Nova que alguém que pode mais do que eu me encarregou de transmitir. Ouvi e jubilai: Portugal não só vai vencer a crise, como vai tornar-se uma potência mística mundial.
Já ouço as legiões de arcanjos, anjos, querubins, serafins e todos os santos do Paraíso entoarem loas à glória pátria !
Já vejo a Nova Jerusalém erguer-se ali para os lados de Cacilhas e o Quinto Império tornar-se realidade !
O gang que nos (desgoverna) entregou, enfim, os destinos da nação nas mãos de Deus e Ele não nos abandonará, a nós que sempre fomos seus filhos dilectos. Os sinais já estão à vista de toda a gente e apenas os refiro para aqueles que andam de olhos vendados e ainda não despertaram para a Revelação:

1) a senhora assunção cristas, parece que ministra da agricultura (e de dezenas de outras coisas) e católica praticante, segundo a própria, reuniu-se com o seu homólogo espanhol a fim de debaterem a seca que ameaça tomar contornos catastróficos. No regresso, e perguntada por medidas que se perspectivem para solucionar ou minimizar o problema, declarou candidamente "Bom, eu espero que ainda chova, se Deus quiser". Deus há-de querer, depois de aliciado com umas novenas, umas procissões e umas rezas organizadas pela senhora ministra, e há-de enviar-nos catadupas de água, daquelas que fazem brotar uma selva amazónica em pleno deserto do Sahara. Não é que seja necessário, mas só para prevenir, sugiro à dra. cristas que mande vir também um bando daqueles índios especialistas na dança da chuva. Só para prevenir...

2) o nosso primeiro ministro, o tele-evangelista luso-angolano miguel relvas mandou imprimir cem exemplares de uma Nova Bíblia com o programa deste (des)governo (papel couché, milhões de cores, águas quentes e frias e vista para o mar) ao módico preço de 120 euritos cada, num total de 12000 euros. Logo se levantaram vozes indignadas de incréus, hereges e mefistófeles condenando esse gasto sumptuário numa altura em que se cortam pensões e apoios sociais. Também eu me indigno, mas por uma razão diferente: porquê só cem exemplares e não dez milhões ? Acaso não terão todos os portugueses direito a conhecerem o Relvismo e embeberem-se da palavra divina ? Além de que, para essa quantidade, a tipografia amiga talvez pudesse fazer "uma atencãozinha", como se costuma dizer no comércio tradicional, saindo a coisa mais em conta para o erário público. Os infiéis não compreendem que para espalhar o Verbo relvista nada é de demais, nenhuma despesa excessiva ?

3) o ministro soares anunciou a doação de 47 milhões de euros para atribuír a cantinas sociais, nova designação para a antiga sopa dos pobres. Que miserável e hedionda criatura se atreverá a acusar deste (des)governo de insensibilidade social ? Enquanto José Sócrates continua a destruir vidas, a aumentar o desemprego, a aniquilar a economia e a retirar apoios sociais, o esforçado soares reinstaura a caridade pública, tão cara ao antigo regime e tão benéfica para a salvação das consciências que a praticavam. Tenho imensa pena que a anterior proposta do CDS, que consistia em distribuir aos carenciados um cartão de assistência que lhes permitia adquirirem feijão e arroz, em vez de gastarem o dinheiro do RSI em automóveis da marca Audi (modelo A7), caviar e champanhe, não tenha sido concretizada. Mas não percamos a esperança. Esse é o próximo passo do ministro lambretista. Sugiro outra medida complementar: que cada português rico (todos aqueles que ganham acima do salário mínimo nacional) adopte um pobrezinho. Não precisa de o levar para casa, conviver com ele, ou dar-lhe banho; basta que deixe à porta de casa, em dias marcados previamente, um saco de plástico com alguns víveres, umas roupinhas usadas em bom estado, uns trocos para o café (se o adoptante for perdulário). Já vejo um lugarzinho no Céu reservado para o soares e seus comparsas, já vejo anjos entoando hossanas à bondade da criatura;

4) parece que o macedo da Saúde é da opus dei. Não deve ser um supranumerário muito esforçado nas rezas nem no emprego dos cicílios (é para usar nas pernocas, ou à volta da cintura, sr. ministro, não é na cara), dada a incompetência e ineficácia que tem demonstrado no desempenho do cargo. Sugiro que se encomende ao escrivá e que deixe nas mãos do beato a tarefa que, a mando do gasparzinho, mal e porcamente iniciou: o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e a entrega aos privados dos cuidados que até agora o Estado tem assegurado. Ele própio, para não ficar desempregado, pode ficar a gerir os restos do desmantelado SNS, criando serviços para assistir os pobrezinhos, essa gente ígnara que só não é rica porque não quer;

5) como diz o nosso povo: "não há bela sem senão". E qual é o "senão" que arreliadoramente pousa na cabeça dos próceres que nos (des)governam ? Jesus Cristo acusou os fariseus de serem "sepulcros caiados de branco", vergastando a sua hipocrisia e mendácia com o látego ardente da sua palavra. Não me querendo comparar com Cristo, também eu hei-de aqui denunciar a mação podre, uma ovelha negra, que se esconde no meio destes justos que nos (desgovernam). Chama-se ele hélder rosalino e vem propor que os funcionários públicos possam entrar numa mobilidade ultra-especial que prevê a possibilidade de os enviar para qualquer ponto do país, sem o seu acordo. Então, como fica a doutrina social da Igreja, as orientações da Pastoral da Família e outros textos eclesiais que reconhecem o valor social da família, recomendando a sua promoção e apoio ? As arrastadeiras que assessoram o sr. hélder rosalino, no seu ódio ultra-liberal ao Estado (que só emerge quando lhes convém) e ao funcionalismo público não perceberam que tal medida, a ser efectivada, provocará a desestruturação e desagregação das famílias dos funcionários deslocados ? E os católicos cristas, portas, soares e o opus dei macedo não se insurgem, não dão um murro na mesa, não alertam para mais este desmando do gasparzinho e do seu gang ?

6.) como é patente, tenho estado a comentar acontecimentos político-sociais na esfera da teologia, rejubilando com o futuro radioso de redenção que nos está a ser anunciado por membros do gang. No entanto, esta gente coloca problemas teológicos muito difíceis de resolver. Se por um lado Jesus Cristo os mandou perdoar por não saberem o que fazem e anunciou no Sermão da Montanha que o Reino dos Céus também é dos pobres de espírito, por outro proclamou que pela árvore se conhece o fruto e que o machado já está apontado à raiz da árvore que não dá bons frutos.

BEN GAZZARA

1930 - 2012


Aqui, no personagem Charles Bukovsky, no filme CONTOS DA LOUCURA NORMAL de Marco Ferreri, 1980.
So long Ben.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

sábado, 11 de fevereiro de 2012

2 MILHÕES... E NÃO PÁRA.

Caros amigos,






Políticos por toda a Europa começaram a retirar seu apoio ao perigoso tratado ACTA. Os protestos em massa deste final de semana são a nossa oportunidade para enterrar o ACTA de uma vez por todas. Clique para se juntar ao dia de ação, presencial ou virtualmente. Vamos vencer!




Em 24 horas, pessoas em todo o planeta se juntarão a um protesto de rua global para enterrar o ACTA de uma vez por todas.

Nesta semana nossa massiva petição do ACTA com 2 milhões de assinaturas causou ondas de choque em Bruxelas, e acabamos de descobrir que a Alemanha colocou o ACTA no refrigerador e outros governos estão quase seguindo o mesmo caminho. Se a Europa disser não ao ACTA, o tratado morrerá! Estamos no momento certo. Se quantidade suficiente de nós se juntar aos protestos amanhã, podemos garantir a nossa liberdade online e o fim do pesadelo de censura do ACTA.

Vamos comparecer aos milhares para protestar ou, se não pudermos comparecer presencialmente (a maioria dos protestos acontecerão na Europa), envie mensagens de solidariedade para nossos amigos cidadãos que estarão nas marchas. Clique aqui para usar nosso mapa e encontrar um evento próximo, ou deixe uma mensagem de solidariedade para os manifestantes:

http://www.avaaz.org/po/acta_day_of_action_hub/?vl

Nossa massiva petição do ACTA foi pessoalmente entregue a políticos líderes da União Europeia em Bruxelas esta semana na medida em que alcançava a marca de 2.2 milhões de assinaturas, e contando. O parlamento europeu está escolhendo um novo responsável pelo tratado neste exato momento. Vamos garantir que esta pessoa perceba que o ACTA é quente demais para segurar.

Quatro governos ocidentais europeus, e agora a Alemanha, acabaram de dizer que vão protelar a sua decisão sobre o tratado. Mas se centenas de milhares de pessoas participarem de milhares de manifestações por toda a Europa amanhã, podemos garantir que todos os políticos nos 27 países membros da União Europeia tomem conhecimento de que o povo não quer o ACTA e continuará a se mobilizar até que a ameaça esteja enterrada.

Aqueles de nós que estiverem na Europa podem se juntar aos protestos. E todos nós podemos enviar mensagens de solidariedade para encorajar o povo presente nas manifestações a usarem as mídias sociais para aumentar a pressão sobre alguns parlamentares mais importantes. Clique aqui para acessar a página de ação, e conte para todos:

http://www.avaaz.org/po/acta_day_of_action_hub/?vl

Mais uma vez, mostramos que o poder do povo pode funcionar. Quando nossas liberdades fundamentais estão em risco, e atuamos juntos, podemos criar uma força imparável que faz os políticos fugirem do lobby das corporações, e trabalharem para os interesses de todos nós. Façamos isso mais uma vez.

Com esperança e determinação,

Alex, Alice, Pascal, Emma, Ricken, Maria Paz, Luis e o restante da equipe da Avaaz

Mais informações:

Alemanha adia assinatura de tratado anti-pirataria (Público)
http://www.publico.pt/Tecnologia/alemanha-adia-assinatura-de-tratado-antipirataria-1533215

ACTA vai além da proibição de downloads (Radio Nederland)
http://www.rnw.nl/portugues/article/acta-vai-al%C3%A9m-da-proibi%C3%A7%C3%A3o-de-downloads

Hactivistas portugueses "ensaiam coro" para manifestação anti-ACTA (Sapo Notícias)
http://tek.sapo.pt/noticias/internet/hactivistas_portugueses_ensaiam_coro_para_man_1220485.html

ACTA: Processo de censura na internet tropeça em países europeus (Esquerda Net)
http://www.esquerda.net/artigo/21812processo-de-censura-na-internet-trope%C3%A7a-em-pa%C3%ADses-europeus

Se você achava que SOPA era ruim, espere até conhecer o ACTA (em inglês) (Forbes)
http://www.forbes.com/sites/erikkain/2012/01/23/if-you-thought-sopa-was-bad-just-wait-until-you-meet-acta/

ACTA vs. SOPA: Cinco razões pelas quais o ACTA é a ameaça mais assustadora para a liberdade na Internet (em inglês) (IB Times)
http://www.ibtimes.com/articles/286925/20120124/acta-sopa-reasons-scarier-threat-internet-freedom.htm?cid=2

O tratado secreto: ACTA e seu impacto no acesso a medicamentos (em inglês)
http://www.msfaccess.org/content/secret-treaty-anti-counterfeiting-trade-agreement-acta-and-its-impact-access-medicines

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A VALSA DA CONVENIÊNCIA

(in “Sermão aos Matraquilhos”)

A valsa é dançada desta maneira. Uma noite convidam-te para jantar, tudo é sorrisos e palmadinhas nas costas, uma parada de salamaleques. A tua inteligência é louvada, as tuas capacidades enobrecidas, desenha-se nas frases a certeza de um futuro brilhante. Vão-te encaminhando para a mesa que está ricamente equipada com as mais finas iguarias, os melhores e os mais caros vinhos, sobre uma toalha de linho, imaculada. Alguém puxa uma cadeira, todos esperam para se sentar depois de ti. O mais antigo deles todos serve-te vinho. Fazem-se brindes por tudo e por nada. Aos presentes, à Vida, ao Futuro. Ao fim de alguns brindes, eis que surge o momento alto da noite. A travessa enorme surge fumegante vinda cozinha e é entregue ao tipo mais velho. Silêncio total e absoluto. Vai ter lugar o momento solene da noite. O mais antigo ergue a travessa acima da cabeça e volta a baixá-la. Repete o movimento três vezes, como num ritual. Faz-se um compasso de espera, todos suspendem a respiração com o olhar fixo em ti. A travessa é colocada à tua frente. Este é o grande momento. O TEU grande momento. Tens dois caminhos a seguir, duas hipóteses para escolher. Ou metes as mãos na travessa e te alambazas com as iguarias oferecidas, ou declinas o convite. Se começares a comer, acabaste de inaugurar uma vida promissora pelas cadeiras do Poder, visita guiada ao mobiliário da administração pública, desde a junta de freguesia até às cadeiras do ministério, passando pelos lugares da câmara municipal ou do parlamento. Assinarás o que te mandarem assinar, darás emprego a quem te mandarem empregar, limparás a porcaria que te mandarem limpar. Ganhas uma vida sem preocupações em troca do couro e da alma. Estás proibido de hesitar. Porque se o fizeres, se houver uma dúvida que seja, haverá sempre uma certeza à tua espera. Uma certeza convertida em memória, recordação, a fotografia do jantar em que disseste que sim. A tua figura no meio dos convivas, mãos esticadas para a frente, na direcção da comida.
Se, por outro lado, a tua resposta for negativa, se disseres que não te apetece jantar, que não tens fome, que não aceitas, nada muda. Aparentemente, nada muda. Os convivas entreolham-se com algum embaraço mas o anfitrião levanta-se e caminha na tua direcção. Chegado ao pé de ti, dá-te um abraço fraternal, um daqueles que será suficiente para manter o sorriso na cara dos outros. Acompanha-te até à porta e despede-se na maior das cordialidades, sempre ao dispor. Acenará ainda uma última vez do cimo da escadaria, vendo-te partir. Mas nunca mais o voltarás a ver. Deste grupo de “negacionistas”, há muito poucos. São considerados uma espécie rara entre o asceta e o louco. Ninguém lhes liga nem sequer quer saber o que dizem. Ninguém lhes quer mal desde que não voltem a interferir nos jantares nem nos assuntos que lá são tratados. Passam a viver neste estatuto de “não-existentes”, esquecidos da sociedade onde às vezes é possível saborear uma boa dose de consciência sem ser enlatada, uma boa dose de loucura a saber a Liberdade. Uma postura à prova de condicionamentos, restrições, dívidas, favores, submissões. Uma postura que sabe bem, alivia e não serve para nada.

Artur

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O ESTADO DA NAÇÃO

1. Um dos livros extraordinários escritos por Mario Vargas Llosa - "A História de Mayta", começa por um comentário sobre os incríveis monturos de lixo que se espalham por Lima, incluindo os bairros das classes média e alta e o Malecón, a marginal que bordeja o Pacífico. Segundo o escritor, essa situação incontrolável tranformou a capital peruana numa imensa lixeira contínua a céu aberto, sem remissão possível.


2. De joão pedro aguiar branco nada sei. Ou melhor, sei que é um advogado portuense e uma espécie de rolha flutuante, um sobrevivente nato, sempre ao lado do líder do momento, acomodando-se às novas situações e "diktats" com a flexibilidade daqueles acrobatas chineses que dobram o corpo em ângulos e posturas impossíveis. Pensando melhor, ainda sei mais umas coisinhas: que foi um Ministro da Justiça absolutamente irrelevante e inócuo, sem medida ou acção que se visse; que daquela boca nunca saiu uma frase correcta e com sentido ou uma ideia ou conceito que revelasse a existência de um cérebro pensante. Possui, como dizia Marcello Caetano a propósito de outra criatura, "ideias inteligentes e originais,é pena que as originais não sejam inteligentes e que as inteligentes não sejam originais" ; sei também que é o actual Ministro da Defesa e tenho a certeza, sem qualquer margem para dúvidas, que nesta posição é um homem muito, muito perigoso. Há alguns dias, sem perceber minimamente o alcance irresponsável e criminoso das suas palavras, resolveu dizer que as Forças Armadas, tal como existem neste momento, são insustentáveis. Admitamos, por um momento, que assim é: o país não pode continuar a financiar as Forças Armadas com a configuração actualmente existente. No entanto, esta verdade não pode ser dita assim, sem mais explicações, como quem anuncia outra qualquer verdade comezinha, daquelas que antecedem a extinção de qualquer outro serviço do Estado. Acontece, senhor ministro, que as Forças Armadas não são uma repartição de Finanças, ou uma escola, ou um tribunal. São, outrossim, um dos pilares do Estado de direito português e um dos garantes da nossa independência e liberdade. Além disso, lembro-lhe que somos membros fundadores da maior aliança militar do Mundo (designada como NATO ou OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma conjunção de esforços e de forças que não se coadunam com declarações políticas fracas, de circunstância, sem qualquer relevo ou impacto na realidade. Os epifenómenos a que aguiar branco nos habituou continuam: convidou a sair das FA todos os descontentes, ou seja, todos aqueles que não se sentem na sua "zona de conforto" devido não só à degradação dos seus salários, mas também em relação à deterioração da condição militar, à falta de investimentos ou, não menos importante, à ausência de um discurso de estímulo e compreensão. Talvez o senhor ministro ainda não tenha compreendido, mas as FA constituem, de há uma década a esta parte, a principal, senão única, ferramenta da nossa política externa. Refiro-me a uma política externa sólida e credível, e não aos últimos esforços empreendidos para sabujar as autoridades angolanas, oleando a boa vontade dos plutocratas a fim de angariarmos umas migalhas do dinheiro sujo que abunda naquelas partes. Por outro lado, senhor ministro, deveria ter consciência da transitoriedade do cargo que ocupa; um dia destes vai-se embora, de volta ao seu escritório de advocacia, ou a um cargo bem remunerado numa qualquer empresa, e os militares que agora convida a abandonar as FA lá estarão, como sempre estiveram, servindo e honrando o país. Finalmente, quero lembrar-lhe que ser Ministro da Defesa implica responsabilidades que não se esgotam na gentil actividade de albergar os seus colegas ministros em encontros informais no Forte de S. Julião da Barra. Se não perceber isto tem bom remédio: sem drama, nem alarido, vá-se embora, demita-se.



3. Quando estava na oposição, e na oposição à oposição, paulo portas não se cansava de bramar contra a insegurança nas ruas, o aumento da criminalidade, o desajustamento das forças policiais. Pois bem, agora que os níveis de criminalidade aumentam diariamente, com um grau de agressividade cada vez maior perante a inoperância das polícias, não registamos nenhuma declaração do ministro dos negócios sobre tal tema. Para quem se punha em bicos de pés e do alto da sua fraca estatura lançava à nação proclamações sobre o sentido de Estado e outras baboseiras do género, está tudo dito, desmentindo a pose que, já o sabíamos, não passava disso mesmo.


4. Confesso que ando preocupado com o luso-brasileiro miguel relvas. O seu famoso sorriso tem-se vindo a tranformar num ricto amargo, pouco mais do que um esgar. Não darei a relvas a satisfação de considerar que o seu anterior gesto de pôr o teclado à mostra sempre que acreditava estar a proferir uma grande verdade, ou uma qualquer ideia salvífica e mirífica, resultava de uma atitude cínica, justamente porque não considero que tenha densidade mental para adoptar uma atitude cínica. Este esgar que agora lhe contrai os lábios num arremedo de sorriso é apenas uma extensão do que lhe vai na alma. Cai a máscara e o que fica é uma personagem, agora sim a verdadeira, crispada, hostil a perguntas, vaidosa e arrogante. Antes assim, ao menos sabemos com o que contamos.


5. Para um governo vendido como exíguo, resultante da aglomeração e extinção de ministérios e secretarias de estado, a vida não tem estado fácil. É que as clintelas, apaniguados, padrinhos e afilhados são muitos e há que dar-lhes emprego. Para dar vazão a tanto padecente, ao mesmo tempo que se destróiem milhares de empregos, nomeiam-se bois a torto e a direito, criam-se comissões e grupos de trabalho todos os dias. A mais recente diz respeito a uma comissão de acompanhamento das privatizações, chefiada pelo inefável antónio borges, criatura de distinta carreira nessa organização obscura e mafiosa conhecida como Goldman Sachs, ultimamente director da secção europeia do FMI (onde disse de Portugal e dos portugueses coisas que o pudor e a vergonha me inibem de reproduzir) e luminária permanente do PPD-PSD fazendo recordar os defuntos "inadiáveis". Como é bom de ver, podem os portugueses dormir tranquilos; as privatizações e os negócios chorudos que proporcionam estão bem entregues.


6. No fim de "História de Mayta", Vargas Llosa regressa ao tema da inenarrável lixeira em que Lima se transformou e, por extensão, todo o país. Essa circularidade narrativa e temática vem a constituir o fecho perfeito para uma reflexão sobre a patologia moral que assola a sociedade peruana e para a degradação da vida social colectiva de um país à beira de um colapso sem retorno.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

BEM VINDOS AO INFERNO DA RAZÃO

"Com o que se pode destruir o erro daqueles que crêm modificar a vida e os costumes dos outros com boas palavras e más obras; esquecem que as mãos de Jacob persuadiram como o não fizeram as suas palavras, ainda que elas insinuassem o falso e estas o verdadeiro. O Filósofo diz a Nicómaco: "em todas as coisas que procedem das paixões e das acções, têm as palavras menos crédito que as obras". Uma voz gritava do céu ao pecador David: "Porque celebras a minha justiça ?" Como se dissesse: "enalteces em vão, pois és diferente do que enalteces". Conclusão: tem que estar perfeitamente ordenado aquele que deseja ordenar os outros"

Dante "Monarquia"

Estas palavras escritas há 698 anos serviram uma reflexão moral entre os dois poderes do mundo de então: o Sacro Império Romano e o Papado, e de defesa de um ideal de monarquia temporal, portanto sujeita às vicissitudes do tempo, mas, no seu sentido aristotélico, visando a felicidade e uma superior unidade orgânica na cidade dos homens, ou seja, subordinando a uma ordem natural as regras da razão cristã. Dizia eu, "escritas há 698 anos" poderiam ser mais actuais ? Somos hoje governados por uma gente que exibe uma moral pública que contradiz práticas não tão privadas como isso; uma gente inculta e analfabeta que nem percebe o paradoxo da contradição em que vive; uma seita de tal modo convicta das suas falácias e dos erros que constituem o seu modo de vida que nem conseguem compreender que determinados problemas se colocam e se resolvem numa esfera que nem imaginam: o universo do pensamento ético; uma gente de tal modo venal e hipócrita que dificilmente conseguem esconder aquilo que realmente os move.
Apareceram como regeneradores da sociedade portuguesa, grandes pedagogos que iriam reeducar o gastador, indisciplinado e preguiçoso povo português, o tal que vivia "acima das suas possibilidades. Castigadores e punitivos, ao serviço de interesses obscuros, multiplicam as clientelas e sentam à mangedoura do estado, sem pudor nem vergonha, amigos, colegas, apaniguados, capangas, padrinhos e afilhados, propagando "boas palavras e más obras".
Onde nos conduziram, então, as más obras desta gente ? A um clima de mal-estar em que sectores da sociedade são acicatados contra outros sectores dessa mesma sociedade, levando ao desmembramento da mesma e à perda total de coesão social; a uma descrença generalizada nas instituições e órgãos de poder (a começar pelo Presidente da República e a acabar na Justiça, passando pelo enorme desprestígio da Assembleia e dos partidos nela representados); a uma situação de desconforto e de patologia moral que se traduz na ideologia do "salve-se quem puder"; ao retorno do pensamento fatalista e da crença na inevitabilidade da nossa miséria material e moral; a uma selva de relatividade ética em que no topo da cadeia alimentar estão aqueles mesmos que legislama para si próprios, exceptuando-se dos sacrifícios que impõem aos outros. Em suma, ao absurdo, ao Inferno da razão (como dizia Sartre). Escrevia Dante : "tem que estar perfeitamente ordenado quem quiser ordenar os outros". Mas qual é a ordem - pressupondo racionalidade e capacidade de julgar criticamente - que orienta estes indivíduos ? Poderia dar exemplos práticos da sua desordenação: de cada um deles e do todo que formam, poderia espremer este abcesso que se apoderou do meu país até sair todo o pus, remexer nas feridas até trazer à tona os vermes e a gangrena que os mina e que os apodrece, apodrecendo-nos, exprimir todo o nojo que me inspiram, recorrendo a imagens e metáforas (que não merecem), poderia, enfim, apontar-lhes um dedo acusador se o decoro e os bons costumes me não refreassem. Forneço só um exemplo da sordidez que grassa: ontem mesmo os líderes paralamentares do CDS e do PSD (um tal magalhães e um montenegro que fuma-mas-não inala) apareceram a apresentar o projecto-lei de criminalização do enriquecimento ilícito. É coisa para deixar qualquer cristão de boca aberta: políticos e funcionários públicos são potenciais corruptos (em relação aos primeiros já ninguém duvidava), pelo que as penas a aplicar são mais graves do que as que se aplicam ao cidadão comum pelos mesmos crimes. Tal agravamento da punição, para além de tornar desiguais uns e outros perante a Lei, pressupõe que o enriquecimento ilícito de políticos e funcionários públicos causa mais dano que eventuais crimes praticados pelos cidadãos. Poder-se-ia discutir se, por exemplo, o tráfico de droga é mais gravoso do que receber quantias para aprovar o projectozinho na área de reserva, facilitar o neociozinho ou aprovar uma lei que favorece determinados grupos. Não é isso que está em causa. O que importa verdadeiramente é o grau do crime cometido e a facilidade com que é perpretado: o cidadão comum arrisca tudo, desde perder os seus bens até malhar com o esqueleto na cadeia. Ao político bastam-lhe uns apertos de mão, uns sorrisos, um bom advogado, um jantarzinho íntimo, um dobrar das cervicais e uns estremeções da cabecinha semelhantes aos daqueles cãezinhos que outrora ornavam a traseira dos carros, de linguinha de fora a sorrir alarvemente. Depois de uns anos a defraudar o povo que o legeu, a empobrecer o erário público e a arruinar o que resta do nosso pauperizado país,a recompensa vem sob a forma de uma reforma dourada ou, melhor ainda, de um cargo na adminsitração das empresas que favoreceram enquanto legisladores e traficantes. Esta é uma forma de enriquecimento ilícito a prazo, que não é punível por uma Lei que o não tipifica como crime, sendo essa a sua obrigação. A nossa história recente está repleta de casos destes, muito conhecidos, pelo que me dispenso de os nomear. Como sinal da presente decadência moral, apareceu a Dra. Teixeira da Cruz, ilustre Ministra da Justiça, babando ódio,a crimónia e furor justicialista, insinuar que todos aqueles que estão contra esta proposta de lei o fazem porque, certamente, terão algo a esconder ou algo a perder, vendo perigar a sua situação de corruptos e ilicitamente enriquecidos. Fica tudo dito, restando lembrar a citação de Dante em epígrafe: "enalteces em vão, pois que és diferente daquilo que enalteces". Existe alguém mais diferente e distante dos princípios que apregoa ? Finalmente, apetece-me citar o Padre António Vieira e o Sermão do Bom Ladrão:

"Antigamente os que assistiam ao lado dos príncipes chamavam-se laterones. E depois, corrompendo-se este vocábulo, como afirma Marco Varro, chamaram-se latrones. E que seria se assim como se corrompeu o vocábulo, se corrompessem também os que o mesmo vocábulo significa? O que só digo e sei, por teologia certa, é que em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos príncipes de Jerusalém: Principes tui socii rurum: os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E por que? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo. "

O POLVO (E O CHAMPÔ)

Durante dois anos a justiça portuguesa montou um aturado processo - que custou alguns milhares de euros à já depauperada economia do sistema judicial - a um sem-abrigo do Porto que furtou uma embalagem de champô e um polvo de um supermercado Pingo Doce. Melhor dizendo, não chegou a furtar, visto que um atento vigilante tratou de apreender o objecto do furto. Esclareço desde já que estou plenamente de acordo não só com a perseguição destes casos até ao limite previsto na lei, como com o resultado final deste processo: o sem-abrigo foi condenado a uma multa de 250 euros, remíveis a dias de prisão na hipótese de os não ter. Concordo em absoluto, não só com a metodologia do processo, mas também com os seus fundamentos ou princípios orientadores:

1) Para que precisa um sem-abrigo de champô ? Para tomar banho e lavar os cabelos na casa de banho que tem instalada na caixa de cartão ? E , já agora, iam também umas lâminas de barbear, uma loção corporal, quiçá um after-shave ou uma eau-de-cologne. É preciso muito descaramento. Por este andar, com as manias da higiene, qualquer dia também queria um emprego, um apartamento e um carrinho estacionado à porta para os passeios de fim-de-semana;

2) Já no que toca ao polvo, o caso muda de figura e de nível. Para que quereria ele um polvo ? Para fazer uma festa para os colegas sem-abrigo, que compareceriam à mesma depois de utilizarem o champô, banqueteando-se então com o petisco, bem regado com umas litradas de Teobar ou Camilo Alves ? Não, meus amigos, a questão do polvo não tem desculpa. É que está bom de ver, o POLVO (agora em maiscúlas) está reservado para as classes altas, para todos aqueles que podem manobrar os seus tentáculos enganando o fisco, corrompendo e deixando-se corromper, enriquecendo aboletados à mangedoura farta do orçamento de estado, transferindo rendimentos e lucros para paraísos fiscais (como o dono da mercearia onde o vil crime foi cometido). O polvo não é para todos, muito menos para um sem-abrigo. O polvo não é do povo, embora o povo, por vezes, gostasse de ser do polvo. O polvo e o povo jamais estarão unidos. No dia nefasto em que o polvo fosse do povo toda a ordem social estaria subvertida. Polvo, meus amigos, só há um : o do soares dos santos e mais nenhum.