quinta-feira, 31 de março de 2011

ACORDO ORTOGRÁFICO


Para quem acha que o Acordo que agora se propõe é bom, ficam aqui algumas razões:

1. Este é apenas o 1º de outros acordos que se seguirão, diz-se até que este foi insignificante, se este prosseguir, os outros serão imparáveis. O que virá nos próximos? Se lá se fala "tu quer" (Gaúchos) ou "você quer" acho que iremos um dia falar igual. Entre outras coisas.

2. O "C" de Directo serve para algo. Para os Brasileiros é mudo porque eles acentuam todas as sílabas como os Espanhóis. Nós não, precisamos de ter o "C" para nos dizer que "directo" é lido como "diréto", senão seria como coreto ("corêto"), cloreto ("clorêto"), luneta ("lunêta"), não dizemos "lunéta" nem "cloréto" nem "coréto" não é? Vamos ler "direto" como? "dirêto"? Enfim, o "C" serve para algo cá, no Brasil não, mas cá serve.

3. Vai ser bonito falarmos Egipto com o P e lermos Egito sem o P. E como as crianças aprendem o que é Egipto na escola e não em casa (não andamos a falar no Egipto a crianças de 3 ou 4 anos), irão aprender a falá-lo como "Egito" sem "P", mesmo que os pais falem com "P".

4. Vamos ensinar um Inglês como? Dizer-lhe «olhe, você aqui lê EGITO mas NESTE CASO específico, fale "EGIPTO" finja que existe lá um "P" imaginário, finja que é como o "EGYPT" do seu país, mas escreva só "EGITO" não tente perceber, o Português é assim! E olhe há egípcios, egiptólogos, tudo tem P mas no Egipto é EGITO, sem "C"!» - É isto que vamos dizer ao ensinar Português?

5. E que mal tem "pêlo" ter o acento? É mais bonito escrever: "agarrar o cão pelo pelo"?...

6. Não há qualquer desvantagem em em existir Português-PT e Português-BR, como há Inglês diferente em UK e USA (doughnut e donut), como com o Espanhol onde "coche" na Espanha será "carro" na América do Sul, etc. Cá só há desvantagens e custos com o Acordo. Seremos o único ex-colonizador a escrever e falar como a colónia (por algum motivo obscuro). Não nos entendemos assim? Só pouparíamos dinheiro e neurónios.

7. Peçam a um Brasileiro para dizer "Peniche" e verão a palavra que sai de lá. Isto porque o Português-PT tem muito mais riqueza fonética e até linguística que o Português-BR. Aprendemos facilmente o Português-BR e eles não aprendem tão facilmente o Português-PT porque lhes falta essa prática no range maior de sons que a nossa língua contém, havendo até quem diga que somos os melhores a aprender línguas e sotaques devido à riqueza da nossa língua. Vamos aproximar-nos do Português-BR porquê?

8. Corretora Oanda, movimenta triliões por ano, é a maior corretora cambial do mundo, traduziu os seus manuais para Português-PT. Isso mesmo, nada de Acordo, nada de Português-BR. Português-PT. Porque vamos nós andar a alterar o Português e mostrar-lhes que afinal fizeram a escolha errada? Entre muitas outras empresas.

9. Querem que os livros escolares de 2012/13 sejam já com o novo acordo. As crianças serão ensinadas neste primeiro passo a lerem e escreverem de forma diferente. Não é assim opcional a mudança como nos querem fazer querer. A mudança é obrigatória, é imposta nas escolas, já está nos media, etc. Não podemos escolher continuar como estamos porque daqui a uns anos será mesmo errado. Os Brasileiros cortam "C" e "P" e podem ler da mesma forma, nós não!Esqueçam a dupla grafia...

10. O que é que o povo mandou? Inquéritos em que umas 65% das pessoas rejeitaram o acordo, umas 30% não saberem o que é e o resto diz que sim? E que salvo erro umas 28 em 30 universidades e editoras consultadas disseram que não? Além de muitos linguístas? Porque é que é aprovado o acordo contra a vontade do próprio povo? Mesmo uma petição com 120.000 assinaturas foi apresentada a 50 deputados dos quais 49 faltaram e uma apareceu e ignorou. Para ir mesmo à Assembleia, só com uma ILC!

11. Os Portugueses devem estar mesmo no fundo. A falar do glorioso povo do passado e ninguém quer saber da língua. Os Espanhóis nunca aceitariam um acordo destes para os obrigar a falar como os Argentinos! Os Bascos, são apenas uns 100.000 ou 200.000 a falar Basco, nunca desistiram até ao fim e agora têm até a língua Basca como oficial no seu pequeno "país". Só o Português é que deixa andar e desleixa a língua e deixa que outros façam o que querem dela...

12. Estamos nós a defender letras como "C" em Directo que realmente não são inúteis, têm a sua função, e lá fora há línguas que mantêm letras desnecessárias, como "Dupond" ou "Dupont" em Francês que nunca apagaram nem apagarão o T só porque não é lido!! Vamos apagar porquê? Somos burrinhos e é difícil para nós percebermos para que servem?

13. Há mais falantes nativos de Inglês mais Espanhol juntos (Espanhol mais ainda que Inglês), que passam de um bilião de nativos, e mais de 2 biliões de falantes não nativos das mesmas, do que os 200 milhões de Brasileiros.Estarmos a afastar a língua de 2 biliões de pessoas para ficarmos mais próximos do Brasil é disparate. Mais uma vez, para facilitar a vida aos Brasileiros, vamos dificultar a vida a quem quer aprender Português lá fora e tornar a língua inconcisa como visto acima. Vejam: "Actor" aqui, "Actor" no Latim, "Acteur" no Francês, "Actor" no Espanhol, "Actor" no Inglês, "Akteur" no Alemão, tudo com o "C" ou "K", e depois vêm os Brasileiros com o seu novo: "Ator" (devem ser Influências dos milhões de Italianos que foram para o Brasil e falam "attore" lol). Algumas outras: Factor, Reactor,
Sector, Protector, Selecção, Exacto, Baptismo, Excepção, Óptimo, Excepto, etc., "P", "C", etc. Estamos a fugir das origens, do mundo, para ir atrás dos Brasileiros. Quanto amor não?

14. Alguém quis saber do resto das colónias que não falam da mesma forma que os Brasileiros? Só o Brasil é que interessou ao Acordo (já que Portugal foi o que cedeu).

15. O Galego-Português da Galiza, o da variante da AGLP, é mais parecido com o Português de Portugal neste momento que o próprio Português-BR. Os Brasileiros têm alterado a língua sem se preocupar com o resto do mundo, porque é que temos de ser nós a pagar pelos seus erros e prepotencia?

16. ODEIO instalar um software e ver que vem tudo em Português do Acordo, e fóruns também, em que uma votação é uma "ENQUETE" (sei lá como foram inventar isto), em que um utilizador é um usuário, em que "apagar" é "DELETAR" (do "Delete" Inglês, por incrível que pareça nos seus dicionários), ou Printar, ou etc. Por vezes sou obrigado a utilizar softwares em Inglês para aguentar... Como haverá agora Português-PT e -BR ao gosto de cada um, se só existirá um "Português"? Eu quero sites e softwares que eu entenda e na minha língua e isso SÓ É POSSÍVEL mantendo o -PT e o -BR separados! Senão será tudo misturado para sempre! E depois lá vamos nós
"enquetar" (votar) e coisas assim...

17. A prova do ponto 16, é que o próprio Google Translator já só tem o "Português" e tudo o que escreverem ficará no Português-BR, e até "facto" que ainda não mudará já aparece lá como "fato", é bom que nos habituemos pois será o que virá nos próximos acordos, bem como "oje", "abitação", etc.

18. No Brasil mesmo não sofrendo as alterações que temos, há milhões contra o acordo também por coisas tão insignificantes como o acabarem com o "trema"!!! Vejam na net!! E nós com alterações tão brutais, ainda estamos contentes e sem fazer nada!!!

19. Existirão sempre pseudo-intelectuais em todas as línguas que irão dar a vida pelo acordo (sem querer ofender ninguém), achando que é o ideal, e que salvará o país e que dará emprego ao país, e até que sem isto a lígua Portuguesa morre e haverá um "Brasileiro". A variante Português-BR nunca poderia ser uma língua independente como "Brasileiro" só pelas alterações que fazem, não há esse perigo, teria de ser radicalmente mudada (nunca acontecerá) de propósito para o efeito. Não inventemos. A variante Português-BR nunca poderia ser considerada outra língua. E não deixem que pseudo-intelectuais nos tratem como burros só porque defendemos a língua.Tudo o que é chicos espertos e pessoal com manias irá para a defesa do acordo (existirão também pessoas decentes a defendê-lo é certo).

20. Nada impede que haja uma espécie de concordância mais simples em que digam apenas que incluímos palavras deles e nossas num dicionário universal mas SEM IMPOR regras a ninguém, e que no futuro cada um dos países só alterará a SUA PRÓPRIA variante com acordo dos outros, sem impingir aos outros essas mudanças, apenas para evitar que as mudanças no Brasil possam ir ainda mais longe e arruinar ainda mais o Português. Nada impede isso.

21. Com o Português unido, qual ficará a bandeira oficial? Já vejo por todo o lado a bandeira do Brasil no Português, mas se tivesse Brasil para Português-BR e a Portuguesa para Português-PT, ainda era aceitável, apesar de sabermos que só há uma bandeira oficial que é a Portuguesa, mas é difícil impedir o patriotismo Brasileiro, mas com tudo unido, haverá a tendência das empresas para adoptarem a bandeira do país que tem mais população, o Brasil, mais valia termos variantes.

22. Cada vez que me lembro que lá já escrevem quase todos "mais" em vez de mas" porque falam no fundo "mais" com o sotaque e eles têm a tendência de passar para a escrita a forma como falam, no futuro não será de admirar que nós sejamos em futuros acordos obrigados a escrever também: "eu fui lá MAIS não vi ninguém"...

23. EXISTEM FORMAS DE TRAVAR ESTE ACORDO! Petições ou clicarmos num LIKE no Facebook não faz nada. Há uma ILC em movimento que será entregue em breve, prazo final para impedir esta desgraça. É chato porque temos de imprimir um miserável papel e enviá-lo, porque é entregue na Assembleia, mas quem é que diz ser contra e fica sem agir? Se 20 pessoas assinarem, fica a 2 cêntimos cada o envio dessas assinaturas para o correio. É só colocar num marco de correio! Houve uma ILC antes, e entrou na Assembleia, e anulou uma lei de Arquitectura. As ILC's podem ter esse poder. É uma forma do POVO LEGISLAR. Do povo criar leis, e acabar com leis. O governo fez isto sem apoio de ninguém e nós podemos tentar fazer algo para corrigir.

24. Há mil outras razões para dizer não ao acordo, mas... para quê? Estas não chegam?

25. Para terminar fica uma frase de Edmund Burke: "Tudo o que é necessário fazer para que o mal triunfe, é que os homens bons nada façam." Neste caso, tudo o que é necessário fazer para que o Acordo triunfe, é que NÓS continuemos à sombra da bananeira, e deixar o tempo passar. Porque o Acordo foi aprovado e se ninguém lutar contra ele, ele já cá anda.

Se estas razões forem sufientes para vocês, ou se pura e simplesmente querem um Acordo mais bem feito, então vamos agir. Basta uma assinatura e as instruções estão no site
www.PortuguesPt.com

e (site oficial -> ilcao.cedilha.net)

terça-feira, 29 de março de 2011

O TODO



Nós e o caminho, as pernas e a distância, os passos e a caminhada. Em cada metro um aumento do nada, do insignificante, do que parecia importante. O todo que se estende cada vez maior à frente, o horizonte que se entrelaça com o olhar. Cada vez menos importante é chegar, cada vez mais depressa se está, cada vez mais depressa somos parte desse universo que sempre foi nosso. Nós, o Ser eterno, a Liberdade permanente, o Amor, a Criação… A parte do Todo…

Artur

(Mais duas fotos fantásticas da Sofia P. Coelho – Nova Zelândia)

sexta-feira, 25 de março de 2011

CRASH - THE PRIMITIVES




Here you go, way too fast
Don't slow down, you're gonna crash
You should watch, watch your step
Don't look out, you're gonna break your neck

So shut, shut your mouth
Cause I'm not listening anyhow
I had enough, enough of you
Enough to last a lifetime through

So what, do you, want of me
I've got no words of sympathy
And if, I go, around with you
You know that I'll get messed up too with you

Here you go, way too fast
Don't slow down, you're gonna crash
You don't know, what's been goin' down
You've been runnin' all over town

So shut, shut your mouth
Cause I'm not listening anyhow
I had enough, enough of you
Enough to last a lifetime through

So what do you want of me
I've got no cure for misery
And if, I go, around with you
You know that I'll get messed up too with you

Dedico esta pérola dos anos 80 à valente cagada em que o meu país se encontra. O primeiro a esborrachar os cornos na parede, mande um postal
Artur

quinta-feira, 24 de março de 2011

UM ADEUS AO FIM DA TARDE

O homem abriu a porta para o quintal e registou a suavidade daquele fim da tarde primaveril. As árvores começavam a exibir o seu vestido verde pespontado por botões tímidos, promessas de flores a caminho. Os pássaros esvoaçavam despreocupados nos céus, um gato preguiçoso vigiava deitado a possibilidade de uma refeição. O mundo reiniciava o ciclo do calor e do bom tempo na máquina circular das estações. Nada de novo nas várias décadas de vida que pesavam sobre os ombros do homem. Pacientemente foi buscar um bidon esquecido de umas obras muito antigas e começou a enchê-lo de livros. Depois atirou lá para dentro o computador, o telemóvel, os remédios, as fotografias onde figurava desde menino, a caneta que lhe tinham dado no fim da escola primária. Regou tudo com combustível e atirou-lhe um fósforo Estava terminada uma das principais tarefas daquele dia.
Foi lá dentro e entrou na sala. Beijou uma a uma, todas as fotografias dos familiares. Dos que ficavam e dos que já tinham ido. Estava cansado, como quem levou uma vida inteira a arrastar com o corpo uma montanha que nunca se movia do lugar. Calmamente e sem rancor fazia o balanço de uma existência. Sempre a dever a todos e ninguém a dever-lhe de volta. Sempre incompreendido, maltratado, a pedir desculpa ao mundo todos os dias de manhã por estar vivo. A roda das obrigações sempre afinada na hora de contribuir com impostos, taxas, trabalho, sacrifícios em geral. A mesma roda fechada para obras na altura de lhe retribuir o esforço.
No quintal voltou a seguir o voo dos pássaros, a observar o vento nos ramos das árvores. O mar ouvia-se ao fundo, por detrás da colina nas traseiras do quintal. Tudo estava no seu lugar, tudo fazia parte da mesma unidade em harmonia perfeita. Tudo, menos ele. Estava cansado sem raiva, esgotado de esperança sobre um futuro negro que o esperava. A precariedade da saúde com o caminhar da idade, a repetição dos mesmos erros na construção do mundo, a multiplicação do sacrifício sem objectivo nenhum à vista. Voltar a viver os mesmos problemas que no início da vida era uma tarefa demasiado grande para voltar a ter. Entre os medicamentos e os alimentos começava a gerir agora o balanço dos dias que lhe diziam não haver espaço para ambos. Demasiado fraco para continuar a trabalhar, restava-lhe a boa vontade dos outros. Estava cansado.
Sentou-se no velho cadeirão de vime a observar a fogueira a arder, acabou o copo de whisky e preparou a caçadeira. Com um pé descalço a abraçar o gatilho e o cano na boca não demorou muito tempo. Ao estrondo do cartucho disparado seguiu-se a chuva de detritos ósseos e gotas vermelhas espalhadas no ar. Os pássaros dispersaram, o gato fugiu a sete pés e as árvores vibraram com o barulho. Não havia carta de despedida nem ultimas recomendações nem justificações de ultima hora. Aquela tinha sido a escolha da sua hora. A liberdade de marcar o seu fim. A última liberdade que resta ao ser humano escravo de uma contingência de privações que somam a vida. As religiões condenam, as leis punem, o poder finge que não vê. Mas o direito de escolher o fim continua a ser património da Humanidade.
O homem ficou sentado no seu cadeirão de vime como se estivesse a dormir uma sesta com a caçadeira no colo. As árvores continuaram, os pássaros continuaram, o gato continuou. A noite aproximou-se vagarosa e a Lua nasceu. De certa forma, também o homem continuou. E só ele soube a continuação daquela história…

Artur

quarta-feira, 23 de março de 2011

DIVA - MARIANA



Mais um momento de eternidade que se esfumou nesta retrete de país ignorante e mafioso. Os "Diva" foram como um raio de luz que atravessou a musica pop e cujo único erro cometido foi o de ter nascido em Portugal. Discretos, harmoniosos, atrás de uma voz suave e tranquilizante escondiam um potencial criativo extraordinário. Ficaram as suas canções. Gostava muito desta banda. Tanto que a usei enquanto inspiração para algumas personagens e histórias que já escrevi. Ainda não acabou, Diva. Ainda não acabou...
Artur

sexta-feira, 18 de março de 2011

Carta à Dra. Deputada Assunção Cristas

Exma. Sra. Deputada Dra. Assunção Cristas:

Li, sem assombro nem sobressalto, que a sra. Dra. Deputada propõe que o Ministério da Cultura passe a Secretaria de Estado, entre outras medidas de grande alcance e relevo para a salvação da Nação. Tal proposta não me assombra, nem me espanta, pois é consabida a relação do CDS-PP com a Cultura: limita-se à da batata e à criação de porcos e vacas na "Lavoura"; a leitura queda-se pelos contratos de submarinos ou pelo manual que ensina a abater sobreiros em Portucale, substituindo essa daninha espécie pelo Pinheiro (sub-espécie Abel). Já agora, para maior eficiência e poupança, sugiro que O Ministério da Cultura passe a Direcção-Geral, Divisão, ou mesmo, maximizando os efeitos altamente congruentes que suponho estarem na origem da sua brilhante proposta, a uma salinha contígua ao gabinete ocupado na Assembleia da República pela Sra. Deputada que, desse modo, poderia dirigi-la em pessoa, durante as pausas da sua esplendorosa actividade paralamentar, no intervalo do chá das cinco com as esposas dos srs. Almirantes submarinistas e antes do "happy hour" com os cavalheiros da Lavoura. Estas sugestões não têm "contrapartidas", constituindo-se "pro bono" e louvando-se na alta qualidade das propostas que apresenta.

Sem outro assunto de momento, creia-me seu fiel servidor


Arnaldo Mesquita

OS MORTOS NÃO FALAM




Os mortos, é sabido, não falam. Partem para os cantos mais distantes da memória e ali ficam em silêncio, com a expressão de quem já cumpriu a sua parte, de quem ocupa o espaço merecido de silêncio e descanso. Os mortos de uma guerra são como fotografias colectivas de jovens, mensagens de vida interrompida, imagens finalizadas antes do tempo. Aos que ficam exige-se respeito. Homenagear os que morreram no esforço colectivo de uma guerra é também respeitar pais, filhos e viúvas, famílias devastadas pelo sofrimento e pela dor. Infelizmente a sociedade portuguesa ainda não interiorizou no seu “inconsciente colectivo” esta realidade mínima de entendimento. O lado conservador aproveita a guerra do antigo ultramar para exibir um saudosismo passadista e branquear uma série de erros e de injustiças que acompanharam as ultimas décadas do antigo regime. O lado do suposto equilíbrio central faz de conta que não vê, não comenta, espera que se esqueça depressa a guerra e que os veteranos vão morrendo. A esquerda mais radical utiliza a guerra como argumentação ingénua para fazer valer o absolutismo da sua orientação ideológica, passando por cima de todo e qualquer aspecto que não favoreça as suas posições.
A posição que se pode exigir de um Presidente de um país democrático é a de, pairando sobre todo e qualquer tipo de radicalismo, dar à sociedade civil uma lição de patriotismo na hora de homenagear os que deram o sacrifício supremo em nome do colectivo. Não foi o que Cavaco fez. Cavaco, mais uma vez, não perdeu a oportunidade para explicar de que lado é que se encontra. Ao apontar às novas gerações o exemplo da geração sacrificada na guerra colonial, Cavaco compara o que não é comparável, juntando tempos históricos completamente distintos e antagónicos, aconselhando submissão e conformismo uma semana depois de apelar ao sobressalto cívico e ao protesto da juventude. Este Presidente é o mesmo Primeiro-ministro que ordenou cargas policiais sobre estudantes que protestavam contra o aumento das propinas, que aprovou pensões de reforma a antigos agentes da PIDE e a recusou à viúva de Salgueiro Maia, o mesmo Primeiro-ministro que chefiava o governo quando Saramago partiu para Espanha e nem na sua morte teve a dignidade da sua presença apesar de ter sido um dos dois únicos Prémios Nobel que este país conseguiu. Sobre o lado da ideologia em que Cavaco se encontra nunca houve espaço para dúvidas. O que se lhe poderia e deveria exigir enquanto Presidente da República era elevação, isenção e rigor.
Homenagear os mortos da guerra colonial é sempre de louvar. Mas dentro do estrito espaço de dignidade e respeito que eles e o país que sofreu merecem. O tempo deles foi outro. A maioria esmagadora participou na guerra porque foi obrigada. A fundamentação ideológica para a sua participação numa guerra era nula. Dos quatro cantos deste Portugal partiram jovens para lugares que vagamente sabiam que existiam, combateram e morreram. Morreram por um país que os obrigou a partir. O mesmo país que hoje é chefiado por um desses jovens. Cavaco pertence àquele grupo ideológico que, não sendo democrático, pactua com a democracia. O 25 de Abril poderia nunca ter existido que não lhes faria diferença nenhuma. Manter-se-iam disciplinadamente submissos até chegar a sua vez de ser ditadores.
Quanto à esquerda mais radical, infelizmente, também pouco ou nada quer ter a ver com a Democracia. A sua irreverência e radicalismo começam a cheirar a mofo, a obtusidade intelectual, a fogueira de vaidades. Na guerra estiveram homens de carne e osso. Muito para além de concordarmos ou não com ela, o sacrifício da morte é por si só, razão de respeito. E a distância temporal a que estamos de um facto histórico ocorrido há 50 anos é por si só razão suficiente para arrumar a memória e construir o futuro evitando repetir erros do passado.
Os mortos, esses não falam…

Artur

domingo, 13 de março de 2011

VOLTANDO ATRÁS

Voltando atrás, lembro-me de ser ainda adolescente e de ter lido um livro onde havia dois ou três personagens que tinham em comum a solidão. Enquanto um se enfiava na biblioteca a ler livros por ordem alfabética, outro chegava ao grau de consciência em que conhecia a repulsa de si próprio. Segurando uma pedra na mão à beira mar, umas patas começam a crescer dela, a mão que a segura torna-se o mesmo ser e, uma náusea insuportável começa a subir por ele acima, estimulando o vómito.
O autodidacta, sem orientação intelectual visível, ia tranquilamente na letra “C” (não me lembro se seguia títulos ou autores,) o intelectual deprimido ia-se enojando de si próprio, perdendo pelo caminho todas as razões de conforto para se manter vivo, para justificar o acordar de mais um dia. Ambos habitavam numa localidade perto do mar, ambos sentiam no correr dos dias o desperdício existencial da condição humana.
Principalmente porque no essencial, nada muda, porque ninguém aprende com os erros do passado, porque as tragédias humanas insistem em se repetir e sacrificar as sucessivas gerações que vão nascendo. Para lá do brilhante resultado narrativo do pensamento de um filósofo, com o passar do tempo, tanto o Autodidacta como o jovem pensador tornam-se o mesmo homem, coabitando o mesmo corpo em momentos diferentes. A sede de conhecimento de um jovem, a necessidade de compreender a vida e o mundo são suficientes para entreter, até mesmo adiar a constatação, a conclusão final sobre a maldição da condição humana. Amontoam-se livros, lê-se sempre mais e mais porque se quer saber, conhecer, os outros e nós mesmos. Depois o tempo vai passando até que um dia, contemplando a enormidade de uma biblioteca, tentando inventar mais espaço para mais livros, alguma coisa acontece. Alguma coisa que nos diz que seria melhor pegar naqueles livros todos e oferecê-los, deitá-los ao lixo. Porque não nos serviram, ou não nos servem para nada. Conhecer a miséria, ter consciência da desgraça, saber que outros sofreram o que nós vamos sofrendo, e nada poder fazer para alterar o curso das coisas, é frustrante. Tanto conhecimento para tudo ficar na mesma. O Tempo a entrar e a sair da nossa mente em círculos. Um rato que corre dentro de uma roda maior que ele. E então, caminhamos perto do mar, a paisagem mais parecida com o universo que nos é permitido conhecer neste mundo. Seguramos uma pedra na mão. Uma pedra cujo musgo se transforma em pelo, umas patas que dela começam a sair. De repente essa pedra funde-se com a mão e esse bicho repugnante somos nós. A náusea sobe por mim acima. Na biblioteca há mais um tipo a ler, sôfrego de conhecimento. Um puto autodidacta que anda de bicicleta e prende as pernas das calças com molas da roupa. Que me cumprimenta levantando a mão do guiador, quando nos cruzamos.. Fecha-se na biblioteca ao fim da tarde, depois de sair das obras. Está lá agora. Fascinado com aquilo que se consegue aprender. Eu estou na praia, ajoelhado sobre a minha dor. Vomito para cima das ondas. Choro observando o mar. Rogo-lhe que me adopte como seu filho…

Artur

sábado, 12 de março de 2011

QUE FORÇA É ESSA


(Foto Alberto Frias)

Vi-te a trabalhar o dia inteiro
construir as cidades pr´ós outros
carregar pedras, desperdiçar
muita força p´ra pouco dinheiro
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Muita força p´ra pouco dinheiro

Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo

Não me digas que não me compr´endes
quando os dias se tornam azedos
não me digas que nunca sentiste
uma força a crescer-te nos dedos
e uma raiva a nascer-te nos dentes
Não me digas que não me compr´endes

(Que força...)

(Vi-te a trabalhar...)

Que força é essa
que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros
e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo
Que força é essa, amigo


Sergio Godinho

REPORTER X – II PARTE


( O TAXI 9297)
O CINEMA

O universo de Reinaldo Ferreira não se esgotou no papel, isto é, os livros não foram conteúdo suficiente para formalizar a sua torrente criativa. Escrevendo para teatro, o cinema seguiu-se sem grande admiração enquanto argumentista e realizador. Estreia-se em 1923 com O GROOM DO RITZ, adaptação da obra “El Botones del Ritz”, e estreou em Julho do ano seguinte no Salão Central. Tratava-se de uma aventura de policias e ladrões, envolta em peripécias de espionagem, protagonizada pelo pequeno “groom” de um hotel chique.
Quatro anos depois é fundada no Porto a Repórter X Film com financiamento do comerciante Joaquim Alves Barbosa. Mais três títulos serão rodados nesse ano, sendo O TAXI 9297 o mais emblemático desse grupo. Rodado nos antigos estúdios da Invicta Film, conta com argumento e realização de Reinaldo Ferreira e é inspirado no misterioso assassinato da actriz Maria Alves ocorrido anos antes. Na qualidade de profissional da imprensa especializado em temas policiais, Reinaldo Ferreira havia participado no acompanhamento das investigações desta tragédia que emocionou a opinião pública. Por fim, a surpreendente descoberta de que o assassino era nem mais nem menos do que Augusto Gomes, o empresário e amante da actriz, ampliou ainda mais o clima de consternação e horror na sociedade. Num enredo empolgante, ainda hoje é notória alguma sátira social. A excelente definição de tipos humanos, bem compostos ao nível de protagonistas, fazem deste filme um exemplo invulgar e isolado na cinematografia da época.
Ainda em 1927, roda-se RITA OU RITO, uma comédia onde um namorado se apresenta enquanto mulher para iludir a vigilância de um paizinho severo. Segue-se VIGÁRIO FOOT-BALL CLUB, uma colagem de quadros humorísticos em torno do mundo do desporto. Uma crítica aos meandros da corrupção no futebol onde não falta um guarda-redes anão. Ainda do mesmo ano, pela Repórter X Film, filmado na antiga Invicta, Reinaldo Ferreira roda HIPNOTISMO AO DOMICÍLIO, uma série de peripécias sonâmbulas e sobrenaturais, inspiradas pelas farsas americanas. Infelizmente, destes dois últimos títulos não existe nenhum registo de filme que tenha chegado aos nossos dias.
Reinaldo Ferreira ainda realiza o documentário ENTREVISTAS CINEMATOGRÁFICAS COM ESCRITORES E JORNALISTAS DE LISBOA, uma rara oportunidade de ver na tela homens como Norberto de Araújo, Rocha Martins ou Norberto Lopes.

(REPORTER X - Cartaz do filme)
Nos anos 80, José Nascimento realizou REPORTER X, uma homenagem a Reinaldo Ferreira, que nos tenta situar no ambiente do imaginário modernista em que ele viveu. É um filme interessante com actores como Joaquim de Almeida no papel principal, e participações de Fernando Heitor, Anamar, Suzana Borges, Isabel Branco e Edgar Caramelo. Na sequência da abertura social e cultural provocada pela revolução republicana, o ambiente de Reinaldo Ferreira, a obra e o espírito do tempo acabam por se resumir num mesmo tema, o da coabitação do imaginário com a realidade, do fantástico com o quotidiano.

Artur

sexta-feira, 11 de março de 2011

REINALDO FERREIRA - REPORTER X



Há pessoas que, não estando em nenhum lado conseguem estar em toda a parte, acordando nos outros a mais escondida porção de imaginação adormecida. Pessoas que se deslocam muito confortavelmente entre a realidade e a ficção, entre este mundo e outros, sem se sentir obrigados a estabelecer barreiras entre eles .Reinaldo Ferreira (1897 – 1935), também conhecido como Repórter X, era um desses raros exemplos. O seu mito nasce de um erro do tipógrafo do jornal “A Tarde”. Confundindo “repórter” com Reinaldo, e “X” com um arabesco que pretendia dizer “Ferreira”, uma série de artigos sobre a ditadura de Primo de Rivera em Espanha, perfaz o baptismo jornalístico.
Demasiado condicionado no trabalho de repórter e demasiado limitado num país provinciano de interesses, Reinaldo Ferreira começa a inventar reportagens sensacionais, misturando o real com o fantástico, limitando a realidade objectiva ao ponto de partida para sucessivas e intermináveis vagas de imaginação. O que o público tomava por audaciosas reportagens era afinal fruto da imaginação de Reinaldo Ferreira, que no aconchego do gabinete ou na cama compunha as mais prodigiosas criações novelescas. Inventa entrevistas (Conan Doyle, Mata Hari), escreve crónicas de lugares onde não se encontrava, projecta o futuro em Lisboa e no Porto no ano de 2000, contribui para a criação de mitos a partir do nada. O seu mais relevante exemplo será a “recolha” das ultimas palavras do Presidente Sidónio Pais, assassinado na estação do Rossio no final de 1918: “Morro bem, salvem a Pátria”. Ora o que acontece é que nem Reinaldo Ferreira presenciou o sucedido, nem o Presidente teve tempo para dizer nada depois de alvejado duas vezes no peito. O que é certo é que ainda hoje há muita gente que tem como reais as tais palavras que o presidente moribundo nunca chegou a pronunciar. Estas invenções, ou distorções da realidade, à medida que começam a ser percebidas chegam mesmo a criar um termo próprio para aquilo que era ficção: “reinaldices”. Ao que Reinaldo Ferreira responde com a desculpa que “estava a reporterxizar”.
Trabalhando em praticamente todos os jornais mais importantes do seu tempo, desde “O Século” até ao “Primeiro de Janeiro”, passando pela “Capital”, Reinaldo Ferreira era acima de tudo, o mais importante criador de literatura policial e de aventuras do seu tempo. Acompanhando o mundo em capitais como Paris, acabou por desenvolver um estilo novelístico povoado de seres extraordinários em cenários fantásticos para grande deleite dos seus leitores. Homem dos “sete instrumentos”, a sua vida passa também pela criação teatral e pela realização cinematográfica enquanto argumentista e realizador. Consumidor confesso de drogas (essencialmente ópio e morfina), Reinaldo Ferreira morre prematuramente aos 38 anos, deixando para trás uma vasta colecção de títulos, crónicas e peças de teatro, reveladores do génio imaginativo permanentemente inquieto. Rever a sua obra é também entrar no espírito dos anos “20” do século passado, num tempo tão agitado e tão propenso à criação de universos fantásticos, como era a mente agitada do Repórter X.

Artur

quinta-feira, 10 de março de 2011

SITIADOS - NOITE



Esta é a versão original, anos mais tarde celebrizada pelos RESISTÊNCIA. É sempre um prazer voltar a ter a visita do João Aguardela neste blog. Génio discreto, criador tranquilo.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Elogio da lentidão I

O que é que mensagens de texto, e-mails, Facebook, telemóveis, Myspace, Youtube, a Internet, televisão por cabo e a maior parte da produção norte-americana contemporâneo têm em comum ? Ou, para apontar numa outra direcção, como Milan Kundera pergunta na obra "A Lentidão", de 1995, "Porque é que o prazer da lentidão desapareceu ?", concluindo que "A velocidade é a forma de êxtase que a revolução técnica utiliza para suplantar o homem". De facto, o ritmo de vida na Europa, América e parte do restante mundo acelerou exponencialmente devido ao crescente número de "gadgets" tecnológicos disponíveis e à variedade de "écrans" que nos permitem utilizar. A resultante fragmentação do tempo também despedaça a nossa experiência do lugar, onde quer que estejamos, e do espaço, quer interno quer externo.

Alguns cineastas - os melhores, aqueles que levaram a experiência do cinema como arte ao zénite comparável à grande pintura, à grande música ou à grande literatura - consciente, consistente e criativamente produzem filmes que lutam pela manutenção dos prazeres da lentidão : Theo Angelopoulos, Manoel de Oliveira, Bela Tarr, por exemplo. Tais obras ajudam-nos a experimentar e apreciar melhor um exclusivo sentido do tempo e do espaço, um sentido abrangente do passado, do presente, do futuro e de um tempo mítico, no qual as suas personagens - e por isso os seus espectadores - habitam.

Quarta-feira de cinzas

Hoje é quarta-feira de cinzas. Cavaco toma posse como Presidente da República

sexta-feira, 4 de março de 2011

Todd Hannigan - FLOWERS

quarta-feira, 2 de março de 2011

SOMBRAS


Estamos e não estamos, somos e não somos. Somam-se rastos acumulados nos espaços ilusoriamente ocupados, esbatem-se silhuetas, as formas ficam distorcidas, escapa a lucidez de um desenho, a verdadeira imagem de um perfil bem desenhado. Para aqui andamos sem saber andar, à espera de qualquer coisa que tarda em chegar. Qualquer coisa que não se vê, que não se imagina. Qualquer coisa, enfim…

Artur

(Foto de Sofia P.Coelho)