sexta-feira, 3 de setembro de 2010

SHUTTER ISLAND - Martin Scorsese 2009


De um ponto de vista estritamente filosófico (e existirão outros ?), Shutter Island é um filme sobre a verdade, o desejo de verdade, ou melhor, da verdade como desejo, o que significa a ilusão, o luto pela verdade. Se a verdade não passa de uma mentira, então triunfa o homem de acção, do qual Daniels é o arquétipo. Agir, então. O indivíduo reduz-se ao que faz, e faz sempre contra (os médicos, a instituição, os vigilantes). Que a sua acção seja depositária da identidade de um homem ancora o filme na língua primitiva do cinema americano, no qual o gesto físico dá forma a um real estruturado pelo jogo de forças contrárias. O corpo de DiCaprio torna-se o centro de gravidade dessa ideia do actor como agente, e os seus gestos confirmam estilisticamente aquilo que a narrativa impõe : o mundo é aquilo que eu faço. No entanto, o drama de Daniels consiste justamente na incapacidade de construir ou refazer o mundo através das suas acções: entre os gestos e os espamos de consciência, a tentativa de domar a Ilha e transformá-la de acordo com a sua vontade, em suma, todas as suas acções, se dirigem para uma ruína anunciada e marcada visivelmente na sua face e no seu corpo: quanto mais tenta forçar o segredo e expôr a maquinação criminosa mais a sua identidade se esvai: a única verdade é a crença na acção, não a acção em si mesma.
À medida que o inquérito se revela como introspecção (conhecimento de si mesmo), à medida que a luz, omnipresente através das figuras da cintilação, do brilho, dos relâmpagos, obscurece, Daniels acaba por se dissolver no meio dos mortos, dos médicos, dos fantasmas... Mesmo a memória que deveria devolver o traço de interioridade e desenhar o retrato inacabado de um ser, vem a tornar-se o local em que o íntimo, em vez de se afirmar, se inventa e fracciona, ao ponto de não ser mais que uma ilhota cortada do aqui e agora. Assim, a experiência dramática, virada de ora em diante para o impasse da interioridade, torna-se menos figura de punição (como, por exemplo, em "Taxi Driver" ou "Casino") e mais a absoluta evidência da culpabilidade: a referência à libertação do campo de concentração de Dachau alarga a falta à totalidade do mundo remtido para uma fantasmagoria mórbida. Nesse sentido Shutter Island afirma que não há nada pior do que uma falta impune e que não podemos senão auto-punir-nos : a insularidade do homem reduzido à fortificação de uma solidão que uiva. Finalmente, a Ilha, isolada e carcerária, revela-se como a alma de cada homem, abandonado aos fantasmas e aos mortos.

3 comentários:

Artur Guilherme Carvalho disse...

Mais um momento de rara beleza neste blog (as usual). Tomei a liberdade de lhe acrescentar um poster, bem como uma referência temática na base do texto. Espero que não te importes. 1 abraço

Anónimo disse...

Good point, though sometimes it's hard to arrive to definite conclusions

Anónimo disse...

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