sexta-feira, 25 de junho de 2010

GLORY


GLORY

Edward Zwick

EUA, 1989


Sendo de uma simplicidade narrativa evidente, GLORY é um filme de múltiplas leituras, uma estrutura composta por vários níveis de entendimento ao atravessar a breve história de um grupo de homens durante a Guerra Civil Americana (1861-1865). Sendo uma lenda épica de sacrifício e coragem que escreveu uma das mais exaltantes páginas daquele período histórico, é ao mesmo tempo um testemunho de eternidade, considerando a luta dos homens pela sua liberdade e dignidade uma batalha de todos os dias.
Baseado na correspondência do Coronel Robert Gould Shaw (Mathew Broderick), o filme mostra-nos como foi formado o primeiro agrupamento do exército regular composto exclusivamente por soldados americanos de ascendência africana (afro-americanos). Shaw, oriundo de uma família abolicionista de Boston, propõe a formação do 54º Regimento de Voluntários de Infantaria do Massachussetts, sendo o seu primeiro comandante. Rapidamente o nº de voluntários vai aumentando à medida que enfrenta uma série de obstáculos. Primeiro é preciso formar, disciplinar e preparar para o combate, transformando um bando de homens com boa vontade mas pouco desembaraçados numa força de guerra. Ultrapassada a primeira etapa, Shaw vai ter de combater uma série de preconceitos, tanto do lado inimigo (que tem ordens para abater os oficiais comandantes de negros) como do seu próprio lado (relutante em os deixar combater, falhando na atribuição do equipamento, em suma, discriminando). Ao 54º chegam homens como Thomas Searles (André Brougher), um negro rico e educado do Norte, companheiro de escola de Shaw e Trip (Denzel Washington), um escravo foragido. O conflito “Classe & Cultura” emerge naturalmente entre eles os dois, afastando a questão da cor da pele para bem longe.
Finalmente o 54º consegue o seu lugar no cenário de guerra, acabando por se impor como força importante da manobra do Exército da União. Numa missão final, o coronel Shaw oferece-se para uma operação praticamente suicida, a do assalto a Fort Wagner, uma fortificação extremamente bem entrincheirada entre o mar e a terra. Ao amanhecer o 54º avança pela praia massacrado pelas explosões dos canhões inimigos. Mesmo na frente, o coronel Shaw é atingido mortalmente. O Regimento hesita, fica perdido por instantes. É então que Trip agarra a bandeira do coronel e arranca e direcção ao forte, gesto que incendeia de novo a moral dos seus camaradas de armas. Na cena seguinte vemos a bandeira da União a ser içada no Forte, sinal de que o esforço dos homens do54º não terá sido em vão. Na vala comum são enterrados os mortos daquele dia. Por um acaso do destino, os corpos de Shaw e de Trip acabam por cair e ficar juntos.
O 54ª ficará na história enquanto símbolo de um povo que lutou por si próprio, pela sua liberdade e que não deixou essa tarefa para mãos alheias (os afro-americanos). Resgatando a Liberdade, conquistaram a dignidade, a força de se chamarem entre si cidadãos, parte integrante do mundo onde viviam. Sendo o primeiro regimento totalmente composto por negros no exército regular americano, a saga discriminatória dos negros nas fileiras não terminou aqui. Trinta e sete anos depois do assalto a Fort Wagner, o sargento William Carney foi o primeiro negro a receber a medalha do Congresso pela sua participação nessa etapa decisiva da guerra. As unidades mistas (negros e brancos) só começaram a ser uma realidade a partir da guerra da Coreia nos anos 50, quase cem anos depois.
(Memorial a Robert G. Shaw em Boston)
Para a história ficou a memória da visão e dos ideais de Robert Shaw, eternizados num baixo relevo em Boston Commons, o parque mais antigo da cidade de Boston, na esquina entre as ruas Beacon e Park, do outro lado da estrada do palácio e sede do Governo da Commonwealth of Massachussetts.
No ano em que se estreou, o filme recebeu 3 oscares da Academia de Hollywood (Melhor Actor Secundário, Melhor Cinematografia e Melhor mistura de Som) em cinco nomeações (Direcção artística e Montagem ficaram pelo caminho).
Um filme de guerra onde os caminhos dos homens se vão encontrar num lugar onde as suas existências se transcendem numa causa comum. Um sacrifício que devolve significado à vida comum. A certeza que os mais altos ideias são aqueles que dizem respeito a todos os homens, à sua dignidade, à sua Liberdade.

Artur

2 comentários:

García disse...

Parabenizo pelo trabalho. Agora, é bom retificar que o 54º pertencia ao Exército da União e não ao Exército Confederado. Além disso, as forças unionistas nunca conseguiram tomar o Fort Wagner, como apresenta o filme no final.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Amigo Garcia,
Muito obrigado pelo seu comentário e correcção. De facto, por distracção minha confundi o Exército da União com o da Confederação. Foi corrigido. Quanto à tomada final de Fort Wagner, limitei-me a acreditar no roteiro do filme. Obrigado pela sua visita, volte sempre, comente sempre. 1 abraço
Artur