quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Na Floresta

Dedicado a uma amiga que está no campo

"Quem saberá dizer qual a face do Anticristo ?"
F. Nietzsche

As terríveis imagens de abertura do filme - um bébé que cai por uma janela e morre, enquanto os pais têm relações sexuais - não são a porta para um imenso abismo, mas antes o pretexto para o mais amplo e profundo inquérito sobre as relações entre homens e mulheres que me foi dado ver em imagens cinematográficas. Sob o signo do amor e da morte, da fobia e do desejo, Von Trier procura encontrar os meios de expressar as pulsões avassaladoras, as tensões e as tragédias que se desenrolam dentro de cada ser humano e que a linguagem, na sua insuficiência, não consegue expressar, ou só consegue balbuciar deficientemente. Manejando o seu instrumento expressivo com mestria, o realizador dá literalmente a ver o modo como os seres são conduzidos pelas suas pulsões e os seus medos, numa esfera que está para além dos canônes civilizacionais e dos códigos artísticos que os procuram restituir. Noutros termos, o sistema de representação mostra explicitamente os corpos, o sofrimento, a floresta, os animais carregados de inocência (?), as potências mitológicas e os objectos saturados em extremo, como se procurasse mostrar o lado escondido, tenebroso, nocturno de cada ser confrontado com a sua condição primordial e não condicionada, num sistema de signos exacerbados, um reino onde dominam as leis da selva. No fundo, o que descobrimos na floresta do Éden é o mistério do corpo, do desejo e do prazer feminino e a sua capacidade de funcionar como um reactor nuclear ou de sol negro em fusão, das quais percepcionamos as insuportáveis radiações. E que é precisamente por causa do terror provocado pelas mulheres e pela feminilidade que as sociedades opressoras (em diversos graus, em épocas diversas, todas as sociedades engendram mecanismos de opressão), tomaram a cargo a tarefa de dirigir e controlar o desejo, o excesso vital, ou, como diria Nietzsche, a vontade de poder. Fica dito que ver este filme é uma experiência aterradora a todos os títulos, inebriante de excesso e de angústia, o que equivale a dizer que nada é tão difícil de ver como aquilo mesmo que está diante dos nossos olhos (Wittgenstein dixit) ou, por outras palavras, que tudo aquilo que nos é familiar é afinal aqui que nos é mais estranho e distante.
O filme chama-se "Anticristo" e foi realizado por Lars Von Trier

1 comentário:

José Prates disse...

Excelente ponderação. Obrigado pela partilha.