sexta-feira, 27 de março de 2009

PARIS E O CINEMA – PARTE I

Há cidades que se transformam naturalmente num espaço ideal para filmar. Nova Iorque, Londres, Barcelona, Roma, Paris, todas se enamoram da câmara num bailado sedutor através do qual se apresentam ao resto do mundo. Hoje escolhi Paris para vos apresentar três filmes das décadas de 80 e 90, exemplos paradigmáticos de como se transforma uma realidade urbana num objecto de arte






DIVA
Jean-Jacques Beinix
França, 1981

Não tendo sido este o primeiro filme que me fez apaixonar de forma irremediável pelo Cinema, foi sem dúvida um dos que mais me marcou em toda a minha formação. A primeira lição que aprendi com o filme de estreia de Beinix foi que era possível filmar um poema. Uma realidade que a minha mente de adolescente nunca teria conseguido sequer vislumbrar nem nas noites de maior percepção imaginativa. Porque é disso que se trata. Um poema de cores, formas e sons que nos agarra desde o primeiro instante e nos atira para dentro de um universo único de sonho e emoção.
Em DIVA, a história é o que menos interessa na medida em que toda a nossa atenção é sempre pouca para nos apercebermos da beleza das imagens e do objecto filmado. Um jovem carteiro de Paris encontra-se de repente a ser perseguido por uns orientais mafiosos quando estes se apercebem que gravou clandestinamente uma bobine magnética num recital de uma famosa cantora lírica americana que se recusa a gravar discos. Tudo que se passa a seguir é uma série de peripécias que, excepcionalmente, enquadram a beleza das imagens ou a explosão dos sentidos. Desde a alucinante perseguição no Metro, à explosão do modelo Citroen anos 30 branco novinho em folha, há ainda um farol idílico e um “puzzle” gigantesco que só se consegue decifrar já mesmo no fim. Sobre tudo isto uma área da ópera “La Wally” de Catalani, interpretada pela famosa soprano americana Whilhemenia Fernandez.
O compasso entre a beleza do canto lírico e a rusticidade dos mafiosos só se interrompe com a inocência do jovem carteiro, bem como dos seus companheiros de aventura onde se inclui um alucinado ex-combatente da Argélia.
Os anos 80 estavam a começar no rescaldo do “punk” e a necessidade de inventar o mundo era a prioridade de quem caia de cabeça no início da vida. Uma prioridade que depressa se desvaneceu para se transformar num existir com mais ou menos sabedoria, com mais ou menos sorte. Como quem se atira para uma tarde de chuva a pensar que inventou a impermeabilidade.
DIVA é a muitos níveis um poema sobre o vazio das nossas vidas. Mas é também um convite à imaginação e à obrigação de construir algo belo num espaço onde apenas estamos de passagem.

ARTUR

1 comentário:

Carlos Lopes disse...

É um poema, sem dúvida! Um filme deslumbrante.