quarta-feira, 8 de outubro de 2008

UNS SENHORES CATITAS

Exmo.snr:

Dirigimo-nos a si cientes da sua incansável pulsão para ajudar os outros, para dar largas ao seu instinto solidário em qualquer hora de aflição. Fazemos parte de um grupo de senhores muito respeitados que se passeiam nuns fatos catitas, um grupo de pessoas que ninguém conhece mas a quem todos obedecem porque, já lá diz o ditado, o respeitinho é muito bonito. Discrição acima de tudo. E, além disso, se alguma coisa correr mal, não estaremos cá para responder. Não existimos por uns tempos até assentar a poeira... Abordamos hoje o meu estimado amigo para lhe continuar a pedir a sua colaboração na construção deste futuro radiante, deste progresso sem limites, deste paraíso na terra, condomínio no qual só nós habitamos.Em cheque, dinheiro fresco,impostos,empréstimos, anuidades, seja o que fôr.
De facto a nossa tarefa em engrandecer a Humanidade, de tão nobres e excelsas intenções, não deixa de ter os seus contratempos. Para poder comprar primeiros-ministros temos que abdicar de dois, às vezes três depósitos atestados das nossas magníficas lanchas, o que nos causa um enorme transtorno nas viagens às nossas propriedades em off-shore. Para poder vender os nossos magníficos medicamentos e próteses temos de pagar ordenados chorudos a generais do terceiro mundo para que façam lá as guerras deles, silenciar cientistas mais diligentes que se põem a descobrir curas para doenças sem a nossa supervisão autorizada, e espiões renegados que nos atrapalham a inexorável marcha da História com intrigas que não podem ser publicadas nos grandes meios de comunicação, que por acaso também controlamos. Ou o meu amigo nunca ouviu dizer que a opinião pública é a opinião que se publica? São sucessivos fins-de-semana sem pôr os pés no green para conseguir fechar várias fábricas que custam ordenados exorbitantes para as poder reabrir na China ou nas Filipinas ou onde raio for que se possa poupar mais uns tostões com trabalho escravo, infantil, exploratório em geral. Os ambientalistas, a quem temos que empregar com ordenados elevados para os poder retirar do estatuto de inconveniência em que se transformam, impedindo o progresso das nossas grandes indústrias poluidoras que nos pagam as belas mansões escondidas por esse mundo fora com heliportos.
O meu amigo faz lá a mínima ideia do esforço e da despesa que é preciso inventar todos os dias através de uma equipa de especialistas credenciados, as mil e uma maneiras de o convencer a comprar as mil e uma tretas de que não precisa mas que nós fazemos o favor de lhe disponibilizar no mercado? E a quantidade de políticos, legisladores e palhaços afins a quem temos de explicar que peça de teatro é que devem exibir para manter o equilíbrio social permanentemente desequilibrado em nome do progresso, da economia, de NÓS? E as políticas de educação e embrutecimento para transformar 90% da população em trolhas, caixas de supermercado, mulheres-a-dias e funcionários menores em geral, mal pagos, subservientes, anulados de consciência social e caladinhos? Julga que é fácil? Engana-se meu amigo. Por isso lhe escrevemos esta gentil carta relembrando-lhe, agora que comprou o que não podia comprar e não consegue pagar o que pediu emprestado, que nos deve continuar a contemplar com o seu donativo para que o progresso do mundo possa continuar no rumo de sempre. Porque se formos bem a ver as coisas, não podemos ser todos ricos, não é assim? Não podemos todos dividir o planeta em partes iguais, principalmente porque a maioria dos habitantes com um bocado de terra nunca saberia o que fazer com ela. Nós sim! Sabemos pegar em qualquer coisa por mais inútil que seja, e transformá-la em riqueza, A NOSSA riqueza, que o meu amigo acaba por pagar de uma maneira ou de outra. E assim continuaremos aquilo que sempre foi e assim é que está bem. Continuamos a contar com o seu donativo, voluntário ou não, como sempre contámos.
Teríamos todo o gosto em lhe passar um recibo, mas, pensando melhor, não o vamos fazer.
OS SENHORES CATITAS

3 comentários:

Vitor disse...

Continuamos a ser os eternos verbos de encher…mas vá lá, ainda nos deixam opinar!
…Texto brilhante!

Abraço.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Vitor: Enquanto houver direito à opinião, cá estaremos. Quando deixar de haver...cá continuaremos a estar. 1 Abraço
ARTUR

J P Matos disse...

Artur

Obrigado por te teres lembrado de mim. Aqui vai o meu mail: escrevinhices@gmail.com

Um grande abraço do João