sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Emcursivoconvulsivo ou O Albergue do Fim §1

De convulsivo contorno. O mar e as terras. As gentes, pouco. Atentai. De convulsivo contorno. As gentes de tal catadura. Apito. Hei, hei, vezes nove. Disto tudo, e é pouco e é muito. Apito. Atentai, ouvi que não são. Pouco. As gentes e terras e mar e sargaço. Apito, fundo. O mar. É vasto o sonho e assim não chega. Quanto baste. O tempo, aquele de chuva ou essoutro de tic-tac, o dos. Apito, vezes. Cinco. Serão? Ainda, ainda, ainda. Olhai, finalmente. O mar e as terras e as gentes são muitas. E. De quanta vasta Natureza. O animal do recolhimento. Não direcciona. Apito. Quanto, ainda? O mar. Sonho. Vezes. São. O animal do acolhimento. Rosas, tantas. Às quantas. Todo um mar a que chamais jardim. Mas, de proverbial, espinho. Coroa. Também. O mar e as terras. Dizei que sou louco. Vá, dizei. A mim que m'importa? O mar e as terras. Jardim-pomar d'espinhos. O tempo? Calai, por fim. E. As gentes? São tantas, são muitas. Pode haver? Oxigénio. E. tempo. Cada uma se fere. Cada uma. Consome. Fim? Nunca, nunca, nunca, nunca. Chegaremos. É tanto. O mar e as terras. As gentes. São duas. Arquetípificadas. Vá, vá lá, afirmai que sou pouco. Não vos ouço. Nem posso querer. Jamais. Querer. Eis, a virtude. Hei, hei, vezes nove. Vezes. Nunca, nunca, nunca. As gentes. O mar e as terras. Dizei. Apito. Falai, quero ouvir. Tão-só. Inspirar. Se gasto o tempo, s'agasto o tempo a mim me concerne. O mar e as terras, tudo. Uma única pessoa. Consome. Tudo é nada e eu, acima de tudo. Coisa nenhuma. Pensai. Que. Não, não era para ser. Queria não ser. Queria nunca ter sido. Queria lavar a memória mesma de ser. Ter. Sido. Do mar e das terras. Quantos errores. Jesus, Senhor. Quantos errores. Apito. Vezes. O mar e as terras e. As gentes. São tantas? Nenhuma. Ninguém existe. Ninguém sobrevive e a gota. Dessa água não beberei. Mesmo s'em deserto existe. Talvez. Nunca, jamais, jamais. O mar. As terras são poucas. O mar é tudo. Quem vem lá. Dizei, serei louco? Tudo existe. Sim. Tantas vezes quantas palavras houver. O mar. Apito. Dizei, que vos já não ouço.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ETERNIDADE

Nós… Sempre nós, na despedida e no reencontro, na alegria de um dia de Sol, na solidão de uma tarde cinzenta de chuva. Nós. Nas viagens uterinas revisitadas em cada mulher, na procura desenfreada de uma perfeição despida de memórias. Fantasma de vazio pousado na prateleira dos instintos. Nós, a fabricar uma vida. Mas sempre Nós.
Na carcaça de um brinquedo perdido na maré vazia do rio, meio enterrado em passagens de felicidade de bibe e panamá na cabeça. Somos nós na caixa esquecida no sótão da casa eterna, das cartas e dos discos, dos postais sobreviventes às cíclicas arrumações da primavera. As juras de amor e os primeiros poemas nos cadernos do liceu. A força desesperada de fazer valer os valores como rochas, de os querer continuamente fortes e eternos, desfeitos na preia-mar do tempo.
A lágrima do pranto sofrido e a canção exaltada do recomeço que tudo levanta do chão. Somos Nós.
Na vida e na morte, na força do acordar das manhãs e no frio do que não conseguimos compreender quando alguém nos escapa. São nossos os passos que se perdem, são nossos os choros das partidas, são nossos os risos que pairam sobre a existência ridicularizada. Somos Nós.
Uma mota que flutua sozinha de noite sobre uma estrada sem iluminação. Um pendura que a comanda sem ver o caminho e um condutor que apenas balança com as curvas à força de pernas. Esses sim, somos Nós. Não a existência, não a puta da vida. Sendo nós, somos a Eternidade. A Liberdade de Ser e sentir e amar a Humanidade toda num sopro. Sofrer com cada um e estender a mão. Gritar contra a barbárie, a exploração e a ganância que nos matam literalmente todos os dias. Essa é a vida… mas não somos Nós.
Uma onda cavalgada na perfeição do equilíbrio, a sintonia perfeita com a Natureza. Somos Nós.
Somos Nós, não as almas danadas, não os espíritos desesperados, apenas Seres no exílio. Doutro lado viemos para aqui penar ou aprender ou passar um tempo que é importante na nossa construção. No mundo vivemos sem a ele pertencer. Como sombras fugazes, círios no escuro de duração limitada. Nas religiões, nas políticas, na ganância dos negócios, na martirização, na massificação da linguagem e do embrutecimento constante da espécie está uma espécie qualquer que vive, onde por vezes somos obrigados a viver…mas não somos Nós.
É importante não nos esquecermos de quem somos, do que fomos, do que poderemos ainda fazer. Porque por mais que nos apaguem a memória, enquanto por aqui andarmos temos de continuar a ser NÓS.
Uma realidade imensa que ultrapassa o ontem e o amanhã e nos converte um permanente HOJE.
No abraço solidário ao companheiro(a) em sofrimento, no amor que todos os dias devemos demonstrar aos que amamos, aos que nos amam. Aí sim, estaremos nós. Não as inúmeras tentativas de nos separarem com cores e bandeiras de rebanhos antagónicos que querem dizer exactamente a mesma coisa. Não quando nos colocam uma fronteira de ódio entre nós e os que adoram um deus com outro nome. Não quando se inventam todos os dias conceitos diferentes, razões de ódio para melhor nos poderem controlar. Raciais, religiosas, regionais, partidárias, tudo e mais alguma coisa serve e tem servido o propósito de melhor nos controlarem, de melhor aproveitar as nossas energias em seu benefício. Não, embora tendo-o alimentado durante séculos, nesse cenário não estamos Nós. Porque a certa altura do caminho deixámos de ter medo. Porque em determinada curva da rua nos apercebemos que a rua continua. Não terminamos na morte, mudamos apenas de forma de existir. Há que não ter medo em aceitar a eternidade na nossa consciência. Há que não ter medo de tantos bichos que inventam para nos atemorizar. Há que acordar e procurar as raízes das coisas através do conhecimento que não nos é entregue de mão beijada. Há que ir ao fundo do Ser, voltar acima e dizer: Estes somos Nós…


ARTUR

JOY DIVISION

DON'T WALK AWAY IN SILENCE

Desenhos de um Diário Informal: #27 (“Mi Capitain”)


sexta-feira, 24 de outubro de 2008

DON'T COME KNOCKING


ESTRELA SOLITÁRIA, Wim Wenders, França / Alemanha / EUA, M/ 12, 2005, 122’

Estrela Solitária marca o regresso da colaboração entre Wim Wenders, realizador alemão com uma longa e notável carreira, e o escritor e argumentista Sam Shepard, mais de vinte anos depois de assinarem juntos um dos mais belos filmes do cinema contemporâneo: Paris.Texas, Mostrou nesse filme a sua capacidade para registar as características de certa parcela do povo americano e do ambiente muito peculiar de determinadas zonas do Sul dos Estados Unidos. Em Estrela Solitária retoma um tanto o mesmo rumo, através de um conto de sua autoria muito bem trabalhado para argumento cinematográfico com a colaboração de Sam Shepard, que em paralelo desempenha o principal papel.

Desenhos de um Diário Informal: #22 (“A Companhia”)


quinta-feira, 23 de outubro de 2008

ROBERT CAPA


Morte de um Miliciano


Refugiados espanhóis a caminho de um campo


Montblanc/ Tarragona 1938

Robert Capa nasceu em Budapeste em 22 de Outubro de 1913. André Friedman de baptismo, estudou Ciências Políticas na Universidade de Berlim entre 1931 e 1933. Foi fotógrafo autoditacta, tendo começado a trabalhar como assistente de um laboratório fotográfico na Ullstein (editora). Em 1933, emigrou para Paris onde, para escapar à perseguição nazi, mudou o nome para Robert Capa e começou a trabalhar como fotógrafo independente. As suas fotografias da Guerra Civil de Espanha atraíram a atenção para o seu nome em Paris. A partir daí dedicou-se a ser fotógrafo de guerra. Trabalhou na China, Itália, França, Alemanha e Israel. O seu talento para transmitir de forma penetrante os sentimentos e sofrimento das pessoas nas guerras civis ou rebeliões numa só fotografia, valeu-lhe grande admiração e fama internacional. A sua obsessão pelo trabalho fez dele o mais célebre dos correspondentes de guerra do século XX. Mas Capa não se limitou a criar um modelo e a desempenhar um trabalho exemplar. A sua obra é um manifesto contra a guerra, a injustiça e a opressão. No dia 25 de Maio de 1954 foi fatalmente ferido em Thai-Binh, no Vietname. A sua morte foi a consequência trágica do seu próprio lema: «Se as fotografias não são suficientemente boas, é porque não se está suficientemente perto.»

Garatujas #7 (Uma Marta)


terça-feira, 21 de outubro de 2008

Cancioneiro D'Érebo §4 (Negatio)

Estes os últimos dias. Da hora primeva, de primordial e manante virtude. Não resta nada nem nexo, ainda, subsiste.
Mas, como é assim se todo o efeito é efeito de uma causa e se toda a causa é causa de outra causa, em infinda concatenação de efeitos e causas e de causas e efeitos, a ponto de nada parecer subtraído ou subtraível a quanta série?
Pois bem e aqui o digo e afirmo, embora vós, melhor do que eu, o soubessem: é por já nada haver que seja por concluir que finalmente – e, por Zeus, depois de tantos trabalhos – chegámos, a final e finalmente, ao fim.
Ora, por um irreprimível, férreo, sentido de simetria, acrescentamos ao supraexposto dizendo, tão-só, em desenvolvimento da tese implícita que se o princípio foi princípio, por ser causa não antecipadamente precedida por outra causa, então, também, o inevitável fim será efeito, não postecipadamente sucedido por outro ainda.
Porém, aqui, um grande óbice.
Se algo fosse em reserva do tempo primeiro, o derradeiro efeito seria, a fortiori, também nóvel causa e, por conseguinte, jamais final. Por essa angustiosa razão, compreendei o fundo imbróglio: por uma banda, tal momento terminal s'afigura não-possível, por outro desavindo caminho, já nada há a acrescentar ao ominoso rol d'agravamentos imputável a este desatinado cosmo e, em particular, na parte que nos toca e, consternadamente, concerne, aos afanosos desenganos da cansada humanidade. Pelo que serei forçado – e vós comigo – a concluir e aceitar a absoluta singularidade desse fim-final, a saber, o momento derradeiro ao populoso universo a ele, em rigor, não pertence.
Não obstante, nos não quedamos por aqui pois, se assim é – e como negá-lo? - constatareis que o último instante de tudo, por não pertencer à banal série causal, tem, na verdade, um penúltimo que, dessa peculiar concatenação, é veramente o último. Mas, tal apenas significa a novação de um derradeiro momento e, por necessária iteração de todo presente raciocínio tal será, por igual reiterado, às arrecuas, até chegarmos, primo, ao nascimento originário de tudo quanto existe e, secundo, sem grande mora, ao nada. Como tanto é ferido d'impossível, se tanto aqui escrevo o que vós ledes, seremos, mais do que forçados a concluir haver, a penas, um sonho por ninguém sonhado e, na vertigem de o sabermos, nem aqui estar este que vos diz nem aí estardes vós que ora, decerto perplexos e contrafeitos, começais a sumir-se em fumos. Em fumos.

A SILENCIOSA DANÇA DAS SOMBRAS

As conversas, dizem, são como as cerejas. As histórias também. O ponto que cada um acrescenta ao conto que ouve quando o repete a alguém, é no fundo a mais interessante e antiga das actividades humanas. Como se, partilhando uma história espantássemos a solidão e abríssemos a porta para uma sala ampla e confortável onde todos cabemos porque todos a ela pertencemos…
Às vezes sento-me aqui no meio da sala às escuras e deixo a casa respirar. Melhor, ouço o que a casa tem para me dizer. - A ausência de um toque que uma mão ocupou não sei onde. - O protesto da madeira dos móveis em breves estalidos anuncia a abertura de uma pequena sinfonia de comunicação. As sombras… As danças que as luzes da rua obrigam a parede a executar, o rasto rectilíneo dos faróis dos automóveis que me adormecia em pequeno. – A mão que segurava a minha no escuro e… -
E continuo a ouvir adormecendo a minha sede com um cognac antigo que me queima por dentro sem que isso me importe.
A casa está vazia, ausente de ruídos, e no entanto ela respira, conta histórias através de gemidos de ausências, de recordações. Fala-me do canto sobre aquela mesa redonda onde pousam retratos de gente antiga que aqui morou. Altivos uns, sorridentes outros, ali estão, prontos para sinalizar a sua parte de advertência, de incentivo ou de censura. – Ia jurar que vi ali o toque da mão que… - Bigodes bem aparados a decorar uniformes, toucas de passeio, óculos de cientista, marcos da estrada da família. Uns conhecidos, lembrados. Outros, que não conhecendo aprendi a respeitar.
Um som escapa-se de uma canalização a precisar de reforma. É a casa que se queixa como um velho: “Apanha-me esta parte toda aqui deste lado. Vê?” – como se estivesse a falar com o médico.
O soalho que range de tantas em tantas passadas. – A tua mão que abraçou a minha muito pequena e me disse que “ Hoje vamos acabar com o medo”, e assim foi. Apagámos as luzes e caminhámos pela sala às escuras contigo a fazer de cicerone ao meu tacto hesitante. “Isto é a mesa da sala, aquilo o móvel dos livros”- E tudo se encaixava numa nova ordem sem iluminação e o escuro não tinha razões nenhumas para não gostar de mim, para me assustar. Era mais uma coisa que
Sento-me outra vez no sofá a relembrar o toque da tua mão e a tranquilidade da tua lógica que me matou o medo a partir desse dia.
A mesa esgotada de cadeiras, a algazarra das noites de Natal, os brinquedos, um cão excitado de contente por ver o contentamento dos donos. A mesa, com uma cadeira a menos de ocupação nuns dias, e noutros a entrada de pequenas mãos que apareciam preenchendo esses vazios que ficavam.
As sombras sobre a silhueta dançante de um aparador que ninguém se lembra desde quando é que vive aqui. A jarra em espasmos de contorcionista com as flores paradas dentro dela. O toque da tua mão e de tantas mãos espalhadas ao acaso sobre aquela mesa ali do canto, tapadas pelo vidro da moldura.
A sala, as alegrias e as tristezas, as saudades do tempo ausente, os reencontros, sombras balançadas na parede ao som da música do néon lá de fora. Bailarico
Os olhares dos retratos, as mensagens cifradas, as parecenças comigo. Os livros, aparentemente imóveis mas prontos para se revelarem em histórias sem fim, lengalengas de emoções, filmes de reconstituição.
A casa respira se a soubermos ouvir. E fala-nos de si, de nós. A casa fala e continuará falando mesmo quando for a minha vez de posar ao lado dos retratos espalhados sobre a mesa do canto. Alguém dirá em silêncio: “Aquele ali…” indicando qualquer coisa, talvez um tempo, uma poltrona usada, a garrafa de cognac, um carrinho de brincar.
Aquele ali, dirá a casa, e estas dores que me apanham esta parte toda…
E as sombras a saltar sobre o aparador a alegria do movimento, fazendo inveja às flores imóveis dentro da jarra.
E nós de novo a juntar as mãos em cima da mesa do canto, retratos como os outros, a enviar advertências ou incentivo ou censuras aos que se sentarem na outra mesa maior. E o teu toque outra vez, o teu toque seguro que me guia por entre as sombras que dançam. O teu toque que me explica que não há nada a temer. A tua mão a apresentar-me a bigodes bem aparados sobre uniformes altivos, toucas de passeio, óculos de cientista… - O meu filho…
E eu para o soalho que range, para os móveis que estalam uma vez por outra. Eu para as canalizações queixosas de artrites da humidade, para o aparador, para as sombras que dançam em silêncio. Eu para a casa que aprendi a ouvir respirar : “ A minha Mãe…


ARTUR

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Cancioneiro D'Érebo §3

Das faculdades superiores dest'alimária (aquela que vós bem sabeis, bípede sem penas) melhor se diria – em desencantado coro e corifeu com o famigerado barbeiro de Russell – que não há bela sem Zenão.

domingo, 19 de outubro de 2008

Cancioneiro D'Érebo §2

O que é, então, o Inferno senão as plúrimas formas d'incompreensão?
Assim, primo, a unidade em teratológico conjunto delas; secundo, as suas – desavindas – relações recíprocas; e, tertio, um mais fundo & profundo adensar de pavor quando, pelo desventuroso contrário, nem qual íntima convivência com o eu de nós outros parece possível.

sábado, 18 de outubro de 2008

AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO


Miguel Gomes,
Portugal, 2007

No coração do Portugal profundo,serrano, no meio de bailaricos nasce um filme, entre o documentário e a ficção, onde uma equipa de filmagem procura actores, e ao mesmo tempo transforma-se num elemento activo da acção. Amor e música, em sintonia com histórias de vidas mais ou menos estigmatizadas pela interioridade. Aquele Querido Mês de Agosto”, o único filme português presente em Cannes, incluído na Quinzena dos Realizadores, é um objecto cinematográfico aliciante.

BALAOU


BALAOU,
Gonçalo Tocha
Portugal, 2007
Sete meses depois da morte da mãe, um homem regressa à terra da sua família, em São Miguel, nos Açores. Entre os mais recentes membros da família encontra-se com a tia-avó, de 91 anos, que espera… a morte. À noite a família reúne-se e conversa sobre Deus e sobre a morte. Durante o dia ele nada no mar daquela ilha vulcânica. Um dia encontra Florence e Beru, um casal francês, que está a cruzar o Oceano Atlântico num barco chamado Balaou. Dividido em três momentos e oito lições, Balaou é uma viagem através da inevitável efemeridade das coisas… Um dos mais brilhantes e premiados documentários portugueses dos últimos anos.

Cancioneiro D'Érebo §1

Imaginai mundo sem fundo.
E, por tanto, de ténebra umbrado.
Não que o dilecto leitor s'apavore antes de tempo e, assí mesmo, só se fora obra do demo (opus postumum pois – não sabiam?- o daninho feneceu e finou em meio de tanto negrume) que d'humana creatura.
Esta que só quere e pretende, humanamente, diversão em jogo. Ofertando, de vero, com franca tenção, a quem seja d'apreciar - & queiram as lídimas potestades – íntimo, benfazejo brinquedo.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

VI FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DOCUMENTAL

Programação doclisboa 2008


Programa dia-a-dia

5ª 6ª S D 2ª 3ª 4ª
16 17 18 19 20 21 22
23 24 25 26
Bilhetes

Os bilhetes já estão à venda nas bilheteiras da Culturgest, Cinema Londres, Cinema São Jorge, Museu do Oriente e Ticketline. Mais info > Programa

Programaçao em formato pdf >


Secções do Festival

Competição Internacional CI
Selecção de filmes – longas e curtas metragens – de todo o mundo, produzidas em 2007 ou 2008.

Investigações I
Secção competitiva com uma selecção de filmes de todo o mundo, explorando em profundidade temas da actualidade social ou política.

Competição Nacional CN
Secção competitiva com filmes de produção e/ou realização nacional, concluídos em 2007 ou 2008.
Sessões Especiais SE
· Sessão de abertura
· Sessão de encerramento
· Outras sessões

Retrospectiva Frederick Wiseman RW
mostra retrospectiva (11 filmes) e masterclass
Wiseman é por excelência o cineasta que questiona as instituições públicas e cujo olhar acutilante valoriza a reflexão sobre o sistema político. A programação Wiseman no doclisboa, elaborada em colaboração com José Manuel Costa (que coordenou a 1ª retrospectiva Wiseman na Cinemateca Portuguesa no início dos anos 90) será debatida e comentada filme a filme pelo realizador, presente em Lisboa.

Riscos e Ensaios R&E
Selecção de filmes : Augusto M. Seabra
Secção regular não competitiva que tem como objectivo revelar obras arriscadas, que se situam na fronteira entre o documentário e a ficção.

Diários filmados e Autoretratos DF
Comissário : Augusto M. Seabra
A segunda parte e conclusão da retrospectiva de "Diários Filmados e Auto-Retratos" visa não só apresentar autores que não foi possível incluir no ano passado, dos quais um fundamental, o francês "Mémoires d'un juif tropical" de Joseph Morder, como também e sobretudo considerar este tipo de obras na perspectiva mais geral de mestres do documentarismo, que em filmes finais fizeram balanços pessoais - Joris Ivens com "Une histoire du vent", Johan van der Keuken com "As Férias Grandes" - e a relação com o trabalho fotográfico como registo também do trajecto pessoal – Raymond Depardon, Robert Frank ou Nan Goldin.

Novas famílias, novas identidades NF, NI
Comissários : João de Pina Cabral / Sérgio Tréfaut
Os padrões jurídicos que definem a família, o casamento, a identidade e o género sofreram alterações significativas nas últimas décadas em diversos países do mundo ocidental. Hoje a família não tem necessariamente por único modelo «o presépio», com as suas hierarquias tradicionais. A família, a identidade e a definição de género conquistaram publicamente parâmetros mais largos (que sempre existiram a nível minoritário), e permitem novas formas de liberdade. Esta transformação dos costumes é muitas vezes razão de confronto e dá origem a uma abundante produção documental, particularmente rica em testemunhos e material para reflexão.

Made in China MC
Comissário : Chen Zhi-Heng
Nos últimos 15 anos a China produziu milhares de documentários. De todo este mar de filmes, alguns realizadores destacaram-se, tornando-se estrelas dos maiores festivais internacionais: Zhang Yuang, Jia Zhang-ke e Huang Wenhai, por exemplo. Esta secção pretende traçar, através do olhar destes recentes autores, um retrato da China profunda (de 1994 até hoje), focando em particular as relações do indivíduo com a sociedade.

Heart Beat (Programa Musical) HB
Heart Beat é uma nova secção não competitiva do doclisboa dedicada à relação da humanidade com a música. Não se trata de exibir os últimos musicais do ano, mas sim um conjunto de filmes, históricos ou recentes, em que a música e o seu universo (incluindo todos os géneros musicais).
Permitem-nos conhecer de forma mais profunda os seres humanos e as sociedades em que vivem. Apresentaremos, por exemplo: “Lágrimas Negras”, de Sónia Herman Dolz e “Il Baccio di Tosca”, de Daniel Schmid.

Moçambique! M

Curtas Polacas CP

Maratonadoc MD
Este ano repete-se no Cinema São Jorge a programação especial do último dia do doclisboa, dedicada exclusivamente a filmes com mais de três horas… Para apaixonados do documentário.

Docs 4 kids Docs 4 Kids
Também é no Cinema São Jorge que tem lugar a nova programação infantil do festival.

Docfestas São Jorge
Associadas à programação musical HEART BEAT, terão lugar no Cinema São Jorge as principais festas do doclisboa.

Captain Kirk


MixwitMixwit make a mixtapeMixwit mixtapes


1. Miss Kittin & The Hacker - Frank Sinatra
2. Kraftwerk - Das Model
3. Moloko - Fun for Me
4. Miss Kittin - Kittin_is_High
5. Towa Tei - Technova (O-Dubnova Edit)
6. Moloko - Sing It Back
7. Tom Waits - We're All Mad Here
8. Madness - One Step Beyond
9. KRAFTWERK - Pocket Calculator
10. Miss Kittin - Pollution Of The Mind
11. Cibo Matto - Know Your Chicken
12. United Future Organization - United Future Airlines
13. Cibo Matto - White Pepper Ice Cream
14. WamdueProject - King Of My Castle
15. the all seeing i - beat goes on
16. Talking Heads - Burning Down the House
17. The Stranglers - Golden Brown

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Tempo

"Time is out of joints" - William Shakespeare - Hamlet


Ou, para dizer de outro modo dizendo do mesmo modo, o tempo está fora dos eixos. Shakespeare e outros da mesma seita viram tudo antes do tempo, previram, no verdadeiro sentido da palavra. Não conseguiram, no entanto, antever este tempo na sua plenitude esquizofrénica, absurda, malévola. Não conseguiram, por exemplo, antever a televisão e o modo como aliena, fazendo acreditar que uma passagem de modas, as cheias na Índia, a falência dos bancos, a ruína das famílias e a exposição canina se equivalem, já que tudo é apresentado num simulacro do mesmo plano temporal, mascarando assim as desconexões de que o tempo contemporâneo é feito, ou seja, do Caos (assim mesmo, com maiúscula). Para os Gregos antigos (quem ????), o Caos primordial era um receptáculo a partir do qual qualquer coisa poderia ser criada. Para esses homens longínquos e magníficos, que viviam num tempo de heróis e deuses, o Nada não podia ser concebido, nem imaginado. O homem moderno vive num Caos que não é receptáculo, não cria nada e tudo absorve como um buraco negro: energias, esforços, talentos, sonhos e ambições, ou uma imensa máquina trituradora de ossos, músculos, sangue e carne. Dito de outro modo, um imenso Nada. Transformar o Caos em Nada não é tarefa fácil. Pelo contrário, exige um enorme talento, uma energia monstruosa e diabólica, eu diria mesmo, correndo o risco de ser redundante, mefistofélica no sentido em que esse espírito é aquele que tudo nega, que tudo denega, que nada deixa sem punição e cruelmente se apropria dos restos, das cinzas, dos dejectos que permanecem depois de tudo o resto ter desaparecido. De facto, o Capitalismo chegou ao fim: tornou-se tão perfeito que é impossível melhorá-lo.
Assim, e parafraseando o título de um livro de Slavoj Zizek, "Bemvindos ao deserto do real"

"INVERTER A PEGADA DO TEMPO"

“Eu acho que o Dr. Paulo Portas, pelo perfil que tem, pela cultura que tem, pelo mundo que conhece, podia ser o nosso Malraux. Tive sempre esse sonho. Penso que Portugal precisa de alguém que seja em Portugal o que Malraux foi em França. Creio que isso poderia mudar muito o País !”

Dr. Luís Nobre Guedes, vice-presidente do CDS-PP e Ministro do Ambiente, Diário de Notícias, 28 de Janeiro de 2005


Relembremos, brevemente, os factos da vida de André Malraux: Em 1925, depois de ter estudado línguas e culturas orientais, parte para a Indochina, tendo explorado alguns templos da antiga cultura khmer no Cambodja. Depois de um processo obscuro, muda-se para o Vietname onde funda dois jornais que denunciam as práticas do colonialismo francês e a exploração dos indígenas, juntando-se ao movimento Jeune Annam A sua carreira começa com uma aura de mistério com essa deslocação, o desaparecimento de baixos-relevos dos templos , um curto período na prisão e um mergulho na política do Extremo Oriente. Os detalhes desses acontecimentos permaneceram para sempre obscuros, mas é a sua ressonância que conta. Com a sua zona de sombra e incerteza, sugerem a pureza da aventura. Malraux entrou na consciência europeia, não como um escritor, mas como um acontecimento, uma figura simbólica que, de certo modo, combina as qualidades mágicas da juventude e do heroísmo com o sentido de uma promessa ilimitada. Ainda nessa década parte para Xangai e Cantão onde acompanha o Kuomintang e assiste Borodine no processo revolucionário em curso na China. O seu primeiro livro importante, intitulado “A Tentação do Ocidente” (1926), explora os paralelos entre a cultura ocidental e a oriental.
De regresso a Paris, nos anos 30, Malraux trabalhou como editor de arte na Gallimard e participou em expedições arqueológicas no Irão e Afeganistão. A sua exploração aeronáutica da Arábia conduziu à descoberta daquela que se supõe ser a cidade da Rainha de Sabá. Em 1933 escreve “A Condição Humana”, que lhe confere o prémio Goncourt e estabelece a sua reputação internacional: As personagens desse romance, para aqueles que o não leram, encontram um sentido de solidariedade humana e de dignidade na acção e na morte “O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância". Em 1935 funda, com Louis Aragon, a Associação Internacional de Escritores para a Defesa da Cultura” e publica a obra “Le Temps du Mépris”. Nesses anos, é o “compagnon de route” de Aragon, André Gide, Picasso, Max Jacob, Paul Éluard, Paul Valéry, Jean Paulhan, André Breton, Man Ray e muitos outros, com quem se bate por inúmeras causas, distinguindo-se pela defesa intransigente da liberdade e da democracia. Como consequência dessa militância, vem a chefiar a Aviação Internacional que combateu o levantamento franquista na Guerra Civil Espanhola. Dessa experiência resultou a obra “L’Espoir”, que ele próprio viria a adaptar ao cinema em 1938. Depois do bombardeamento de Guernica, e enquanto Pablo Picasso pintava o célebre quadro, Malraux seria uma das únicas pessoas que o pintor admitia na sua presença, enquanto o pintava. Durante a Segunda Guerra Mundial rompeu com o Comunismo, não tendo aceite o pacto germano-soviético, e dedicou-se a escrever ensaios. Essa actividade foi interrompida com o seu alistamento numa unidade de tanques. Tendo sido ferido e capturado em 1940, fugiu do campo de concentração e juntou-se à Resistência, tendo conhecido nessa altura o General Charles De Gaulle. Foi capturado pela Gestapo em 1944, evadindo-se pela segunda vez em 1944. Tornou-se, então, o Coronel Berger, Comandante da Brigada Alsácia-Lorena, que se distinguiu na libertação de Estrasburgo e Metz, bem como na ocupação de Estugarda. Os seus serviços militares foram distinguidos com a Médaille de la Résistance, a Cruz de Guerra de 1ª Classe e a British Distinguished Service Order. Depois da II Guerra Mundial viria a ser o porta-voz da política gaullista e Ministro da Informação em 1945-1946. Nesses anos, bem como na década de 50, escreveu as suas obras mais importantes no domínio da estética e da história da arte: “As Vozes Do Silêncio”, “A Psicologia da Arte”, “O Museu Imaginário”. Nelas declarava que a arte constitui a revolta do Homem contra o seu destino e como meio de transcendência “A Arte é um anti-destino”. De 1959 a 1969 foi Ministro de Estado para os Assuntos Culturais nos sucessivos governos do General De Gaulle. Já no fim da sua carreira pública, depois de De Gaulle ter abandonado o poder, da morte dos seus dois filhos num acidente de automóvel e do falecimento de Louise de Vilmorin, ofereceu-se para lutar pela liberdade no Bangla-Desh. A morte haveria de impedir esse último combate. Note-se que esta listagem de factos está longe de ser exaustiva.

É, portanto, a este homem que o Dr. Luís Nobre Guedes compara o Dr. Paulo Portas, essa espécie de peralvilho grandiloquente, o Paulinho das Feiras, directamente saído dos bancos da Faculdade para o jornal “O Independente”, daí para a liderança do CDS-PP, com passagem pelo Ministério da Defesa. É a André Malraux que Guedes compara Portas, o homem dos fatos ás riscas com pinta de vendedor de automóveis em segunda mão, o líder da Direita mais estúpida da Europa, o homenzinho que se põe em bicos de pé para falar para as televisões, que faz do mais pequeno acto um grande assunto de Estado, que assume a pose do Ministro para proclamar em nome do povo português os ideais ultra-montanos de um mundo de fantasias maurrasianas, vestindo a farda de almirante de doca-seca por cima do fatinho do populismo, de olhinhos em alvo e prece ao canto da boca, inchado de verdades e lugares-comuns, banalidades e grandes declarações ocas e solenes, para esconder o imenso vazio no qual passeia a sua mal-disfarçada arrogância e sobranceria. Mas a qual dos Malraux é que Guedes compara Portas ? Ao grande escritor e ensaísta ? Ao revolucionário e combatente pela liberdade ? Ao resistente, ao Coronel Berger, ao aviador da Guerra Civil Espanhola ? Ao Ministro da Cultura do General De Gaulle ? A inconsciência desta gente é absolutamente alucinante e dá arrepios. Será que este Nobre Guedes pertence a uma nova raça de idiotas, ainda não catalogada nem estudada ? O afã e o frenesim de louvaminhar o chefe obscurece-lhe o sentido crítico e a proporção do ridículo. Ou será que, sem o saber, é um sartriano, caído num buraco negro do Tempo e da História, lutando desesperadamente para não perecer nesta espécie de não-sentido em que se tornou a vida pública e política portuguesa, onde todas as declarações se equivalem, sem que saibamos exactamente destrinçar onde começam as verdadeiras convicções (que a Direita não se cansa nunca de reclamar como património seu, indestrutível e inalienável) e o puro delírio povoado de fantasmas de glória , ambições de poder e puro desejo (no sentido erótico) de engolir sem mastigar uma abundante fatia de eternidade.
De qualquer modo, e a título gracioso, forneço ao Dr. Nobre Guedes um curso acelerado de pensamento sartriano, cuja primeira e única lição se intitula:

COMO SER SARTRIANO, HOJE, EM LISBOA, BUJUMBURA, NOVA IORQUE, PARIS, BAIXA DA BANHEIRA E SERRA DA ARRÁBIDA:

A palavra de Sartre que, para a opinião comum e, provavelmente menos comum, resume a sua filosofia e a que eu próprio, a certa altura da minha humilde vida, dei tanta importância (pecados de juventude…), essa espécie de certeza ancorada, repetida tantas vezes e sob tantas formas, que um homem não é o que é, mas aquilo que faz, que não tem “natureza” mas uma “existência, esta definição laboriosa e, em sentido puro, poética de uma humanidade arrancada – e ainda bem ! – à fatalidade de “l’être et de l’étance”, ou de “l’être et le néant”, ou a qualquer outra fórmula que Sartre ou outro “Maître á penser” francês queira inventar, ou ter inventado na inquietude majestosa da margem esquerda do Sena, quer dizer, queiramos ou não, de raiz e de raça (?), esta ideia, ainda recentemente repetida por um veemente primeiro-ministro português, de que um homem não é o que ele esconde, mas ainda e sempre o que ele faz – que peso tem perante estes homens e estas mulheres que não fazem nada, limitando-se a ser o que são e ainda outras coisas, que não são, ou que são sem saberem, ou ainda, que querem ser, sabendo que esse desejo, essa paixão, nunca será uma realidade palpável. Se Portas é o Malraux português, Malraux – lui même – pode ter sido o Portas francês, muito antes de o nosso André ter vindo a existir, prefigurando um destino por interposta pessoa, legitimando o pressuposto de que o Paulinho das feiras e dos bonés à caçador ainda espera o seu General De Gaulle e aguarda ainda a catapulta para a glória adiada. Mas não será que a glória de gente como o Dr. Paulo Portas e o Dr. Luís Nobre Guedes é apenas esse não sentido de que falava atrás: uma miserável quantidade de segredos, de vaidades e de buracos negros ? Dito de outro modo, se se é o que se faz, se ser-se é produzir-se, se o que caracteriza a singularidade não é ser, mas realizar-se, se cada um de nós se resume à modalidade do seu ser no mundo e da sua inscrição activa nele, se, ao contrário do que acreditam, ou querem acreditar, os eternalistas, não temos essência que preceda a nossa existência, a não ser aquela que produzimos pelo fazer, qualquer aspiração à glória e à eternidade é vã em pessoas como o nosso Paulinho, tal como a “vã glória de mandar”. Termino com outra citação do Padre António Vieira : “paciência de cegos, imobilidade de cadáveres”. Percebeu Dr. Luís Nobre Guedes ? Se calhar, é melhor mandar-lhe o desenho…

Entretanto, desde que comecei a escrever estas notas e o dia de hoje, um ciclone político varreu Portugal; os Drs. Luís Nobre Guedes e Paulo Portas foram remetidos à travessia de um deserto onde esperamos que se percam para sempre. Ficarão como notas de rodapé na História do Portugal do séc. XXI. O primeiro, grande moralizador, ficará conhecido como o ministro que quis demolir as casas ilegais da Serra da Arrábida, isentando a sua própria construção ilegal da sanha demolidora. O outro ficará para sempre conhecido como o salvador das OGMA e dos Estaleiros de Viana do Castelo, altos feitos com que martelou exaustivamente os nossos ouvidos cansados. Antevejo o futuro: aos 70 anos o Dr. Paulo Portas escreverá o I Tomo memorialista, intitulado muito a propósito: “Como salvei as OGMA e os Estaleiros de Viana do Castelo”. O Dr. Luís Nobre Guedes, retirado no Lar de Idosos As Florzinhas do Restelo declarará ,em entrevista ao DN, que a obra, pela sua qualidade literária, pela dimensão universal e pela riqueza da experiência nela vertida, se compara sem desprimor às “Antimémoires”. Aos 80 anos o Dr. Paulo Portas publica o II Volume das suas memórias, intitulado “As OGMA e os Estaleiros de Viana do Castelo Revisitados”, entregando a sua alma ao Criador poucos meses depois. O Dr. Luís Nobre Guedes, entretanto transladado para o Lar de Idosos Os Anjinhos da Ajuda, declara em entrevista ao DN on-line que será necessário construir um novo Panteão Nacional, dada a sobrelotação do primeiro, a fim de albergar os restos mortais do insigne português, que repousará para a Eternidade ao lado de D. Afonso Henriques, Afonso De Albuquerque, Camões, Jesus Cristo, a Irmã Lúcia e…André Malraux.
A propósito de André Malraux, devo dizer o seguinte: Em 1935 escrevia no prefácio de “Le Temps du Mépris” : “É difícil ser um homem. Mas ainda é mais difícil tornar-se um homem aprofundando a comunhão e cultivando a diferença – e se a primeira sustenta tanto como a segunda aquilo que é ser homem, é por ela que o homem se transcende, cria, inventa ou se concebe”
Esta frase, a mais próxima do projecto revolucionário de Malraux, não coloca em causa a existência, nem mesmo o primado do homem: propõe apenas um projecto ético que, sabemo-lo hoje, é uma utopia moral



Arnaldo Mesquita

ENTÃO PÁ!? TÁS BOM ?

Antes de me despedir de ti gostava que soubesses que não faço a mais pequena ideia de quem é que esteve presente na missa de corpo presente nem no funeral, nem que tempo fazia quando te enterraram num cemitério descampado nos arredores da terra dos teus pais. Lembro-me do negro dos teus olhos desde que te conheci há mais de dez anos, e de como esse brilho se foi apagando ao longo do tempo. Lembro-me que era vivo e intenso no princípio, capaz de beber a vida numa noite como quando temos 20 anos e de como foi ficando progressivamente baço e indiferente pela idade adulta fora até chegar àquela incerteza perdida entre o medo e a resignação com que te encontrei prostrado na cama do hospital. Lembro-me de uma farra em que já ninguém se lembrava como é que se chamava e que o Aniceto resolveu beber à tua saúde. Lembro-me de ele dizer qualquer coisa que terminava em... “ porque ele é um senhor..” e lembro-me da tua cara etilizada de desdém que respondeu como que falando sozinha. “ Pois, sou um senhor, sou um senhor e depois ninguém me vai ao cu...” Pouco me recordo do teu fim mas tenho ainda hoje na memória os teus olhos e aquela Quarta –Feira de chuva em que apareceste no café com uma auréola negra à volta de um deles. É evidente que quando nos explicaste que tinhas caído, toda a malta pensou que o latagão do bombeiro com quem vivias na altura te tinha dado nos cornos. O que tu não sabes é que três dias depois, eu e o Rodrigo fizemos uma espera ao bombeiro com uma manta e uma tranca de madeira e lhe demos um enxerto até nos cansarmos. No fim avisámos o bombeiro. “Se voltas a tocar no rapaz, matamos-te.” Desculpa termos interferido na tua vida privada mas nem tu foste nunca um tipo violento nem nós podíamos admitir que um amigo nosso fosse vítima seja de quem for. Á boa maneira machista... foste vingado. Como se tratou de um acto demasiado macho... nunca te dissemos. Digo-te agora. Gostava de te poder dizer também que compreendo. Compreendo o apagar progressivo dos dois faróis negros que eram o teu olhar; compreendo a tua descrença, a diminuição da vontade, o enfraquecimento do querer e tantas outras coisas que aos poucos te fizeram querer afastar da vida ; a desilusão e a previsibilidade da fraqueza das pessoas e a forma como foi correndo todo esse processo, da alegria ao desamor, da loucura da paixão até à indiferença sobre o destino. Compreendo mas não deixo de o lamentar , numa noite de copos,em que a língua afiada e a tua capacidade de observação me faziam rir. Compreendo mas não consegui evitar as lágrimas no peso da dor de partires. Porque ainda te sinto a falta e porque a quebra da ligação entre dois seres que se amam é como uma amputação dolorosa naquele que fica...
ARTUR

E-Book #1: Iluminarium



virar as páginas com o rato

terça-feira, 14 de outubro de 2008

THE WIND THAT SHAKES THE BARLEY



KEN LOACH

(BRISA DE MUDANÇA)

Reino Unido/ Irlanda / Alemanha /Espanha / Itália (2006)

Irlanda, 1916 - 1920. Os irlandeses pegam em armas, formam milícias e dão início a um levantamento popular para expulsar os ingleses do seu território; ao fim de algum tempo e de duras negociações, irlandeses e ingleses chegam a um acordo; esse acordo é considerado insuficiente por alguns sectores irlandeses e, em breves instantes a jovem nação irlandesa deixa uma guerra de libertação para mergulhar directamente numa guerra civil. Eis de forma sucinta o enquadramento do último filme de Ken Loach.
No ano de 1920, voluntários irlandeses e forças de ocupação (personalizadas pelos Black and Tans , tropas de elite enviadas de Inglaterra) enfrentam-se numa guerra de guerrilha destinada a libertar a Irlanda e torná-la independente. Damien, um jovem médico com ideais socialistas desiste de embarcar para Londres e decide juntar-se ao seu irmão Teddy no combate aos ingleses, após testemunhar um episódio de extrema brutalidade da parte dos Black and Tans . Pressionado para revelar a sua posição, Chris acaba por denunciar os dois irmãos. Na prisão Teddy é torturado e Damien conhece Dan, também defensor dos ideais socialistas. Dan e Teddy conseguem evadir-se com a ajuda de um soldado da prisão, envolvendo-se de seguida no sequestro do delator Chris e do seu patrão, Sir John Hamilton, numa tentativa desesperada para negociar a libertação de companheiros condenados ao fuzilamento.
A escalada dos voluntários irlandeses aumenta de expressão no teatro de operações obrigando os ingleses a declarar uma trégua. O Sinn Fein acaba por assinar um tratado com o governo inglês, do qual resulta uma situação de independência parcial para o território da Irlanda. Damien e outros voluntários insistem em continuar a guerrilha até à libertação total. Teddy apoia o novo tratado e a formação do novo estado irlandês. A hostilidades entre partidários contra e a favor do tratado rebentam e instala-se a guerra civil. Quando os homens de Teddy (agora incorporados no exército regular da República da Irlanda) se confrontam com um grupo de guerrilheiros anti-tratado, Damien e Dan são apanhados no meio do combate. Dan morre e Damien é executado.
A por demais evidente alegoria familiar do destino irlandês leva-nos a atravessar o princípio conturbado do nascimento de uma nação através da divisão e subsequente conflito entre irmãos. Para quem já viu MICHAEL COLLINS diríamos tratar-se de revisões da matéria dada. A existência individual no contexto do processo histórico, tema aberto a eternos debates, joga aqui mais uma vez um papel decisivo. Na vida e na morte das nações, os homens são a um tempo vítimas ou carrascos das suas decisões por um lado, mas são também folhas esvoaçantes aos caprichos dos ventos da História. Para além da vontade e do tempo, fundamentalmente, o que importa em filmes como este é a aproximação tanto quanto possível à verdade dos factos. A Inglaterra era uma força de ocupação do território irlandês e reagiu com a brutalidade típica de uma potência colonizadora perante o levantamento em armas dos voluntários. Uma vez assinado um tratado de paz, duas facções de irlandeses enfrentaram-se numa guerra civil. Por respeito pelas mortes e pelos sacrifícios… a memória é uma chama que deve ser alimentada pelas sucessivas gerações.

ARTUR GUILHERME CARVALHO

Desenhos de um Diário Informal: #20 (“Doctor Livingstone I Presume”)


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

UNS SENHORES CATITAS

Exmo.snr:

Dirigimo-nos a si cientes da sua incansável pulsão para ajudar os outros, para dar largas ao seu instinto solidário em qualquer hora de aflição. Fazemos parte de um grupo de senhores muito respeitados que se passeiam nuns fatos catitas, um grupo de pessoas que ninguém conhece mas a quem todos obedecem porque, já lá diz o ditado, o respeitinho é muito bonito. Discrição acima de tudo. E, além disso, se alguma coisa correr mal, não estaremos cá para responder. Não existimos por uns tempos até assentar a poeira... Abordamos hoje o meu estimado amigo para lhe continuar a pedir a sua colaboração na construção deste futuro radiante, deste progresso sem limites, deste paraíso na terra, condomínio no qual só nós habitamos.Em cheque, dinheiro fresco,impostos,empréstimos, anuidades, seja o que fôr.
De facto a nossa tarefa em engrandecer a Humanidade, de tão nobres e excelsas intenções, não deixa de ter os seus contratempos. Para poder comprar primeiros-ministros temos que abdicar de dois, às vezes três depósitos atestados das nossas magníficas lanchas, o que nos causa um enorme transtorno nas viagens às nossas propriedades em off-shore. Para poder vender os nossos magníficos medicamentos e próteses temos de pagar ordenados chorudos a generais do terceiro mundo para que façam lá as guerras deles, silenciar cientistas mais diligentes que se põem a descobrir curas para doenças sem a nossa supervisão autorizada, e espiões renegados que nos atrapalham a inexorável marcha da História com intrigas que não podem ser publicadas nos grandes meios de comunicação, que por acaso também controlamos. Ou o meu amigo nunca ouviu dizer que a opinião pública é a opinião que se publica? São sucessivos fins-de-semana sem pôr os pés no green para conseguir fechar várias fábricas que custam ordenados exorbitantes para as poder reabrir na China ou nas Filipinas ou onde raio for que se possa poupar mais uns tostões com trabalho escravo, infantil, exploratório em geral. Os ambientalistas, a quem temos que empregar com ordenados elevados para os poder retirar do estatuto de inconveniência em que se transformam, impedindo o progresso das nossas grandes indústrias poluidoras que nos pagam as belas mansões escondidas por esse mundo fora com heliportos.
O meu amigo faz lá a mínima ideia do esforço e da despesa que é preciso inventar todos os dias através de uma equipa de especialistas credenciados, as mil e uma maneiras de o convencer a comprar as mil e uma tretas de que não precisa mas que nós fazemos o favor de lhe disponibilizar no mercado? E a quantidade de políticos, legisladores e palhaços afins a quem temos de explicar que peça de teatro é que devem exibir para manter o equilíbrio social permanentemente desequilibrado em nome do progresso, da economia, de NÓS? E as políticas de educação e embrutecimento para transformar 90% da população em trolhas, caixas de supermercado, mulheres-a-dias e funcionários menores em geral, mal pagos, subservientes, anulados de consciência social e caladinhos? Julga que é fácil? Engana-se meu amigo. Por isso lhe escrevemos esta gentil carta relembrando-lhe, agora que comprou o que não podia comprar e não consegue pagar o que pediu emprestado, que nos deve continuar a contemplar com o seu donativo para que o progresso do mundo possa continuar no rumo de sempre. Porque se formos bem a ver as coisas, não podemos ser todos ricos, não é assim? Não podemos todos dividir o planeta em partes iguais, principalmente porque a maioria dos habitantes com um bocado de terra nunca saberia o que fazer com ela. Nós sim! Sabemos pegar em qualquer coisa por mais inútil que seja, e transformá-la em riqueza, A NOSSA riqueza, que o meu amigo acaba por pagar de uma maneira ou de outra. E assim continuaremos aquilo que sempre foi e assim é que está bem. Continuamos a contar com o seu donativo, voluntário ou não, como sempre contámos.
Teríamos todo o gosto em lhe passar um recibo, mas, pensando melhor, não o vamos fazer.
OS SENHORES CATITAS

Desenhos de um Diário Informal: #14 (“A Raposa & As Uvas”)


sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Low Tech / High Tech

Ou

O elogio dos livros
Ou (ainda)

Decálogo bibliófilo

Olhemos os livros como objectos técnicos:

1. Os livros são extremamente eficientes do ponto de vista da economia energética (não necessitam de fonte própria de energia para poderem funcionar).

2. A sua matéria-prima é iminentemente reciclável.

3. Não emitem radiação, nem contêm produtos tóxicos, pelo que são saudáveis, inclusive recomendáveis a crianças.
Ou seja, os livros são ecológicos e não prejudiciais à saúde.

4. São produtos estáveis; não se avariam, não estão sujeitos a vírus, a ataques de hackers ou erro de programação.

5. São resistentes, podendo durar alguns séculos e, por vezes, até milénios, algo que o suporte informático, diga-se em abono da verdade, ainda não teve possibilidade de demonstrar.

6. O livro tem por base uma tecnologia estável. Não há o risco de se tornar inoperacional (o que seria uma forma de obsolescência) com o surgimento de outras tecnologias (como consultar, hoje, algo que esteja registado numa fita perfurada?).

7. É user friendly: basta saber ler.

8. O livro é, em geral, relativamente barato para o utilizador final; pelo menos no sentido em que este não tem de adquirir hardware específico e prévio à consulta dos conteúdos.

9. O livro leva ao extremo as capacidades da ideia de plug and play: depois de adquirido... basta abri-lo (e já está a funcionar).

10. Por último, tem largas vantagens nas possibilidades de personalização (sempre evitámos a palavra «costumização»): com outra tecnologia de apoio também com grandes vantagens no eixo eficiência, economia de meios, preço e facilidade de utilização - "o lápis" - podem-se acrescentar todo o tipo de informações ao produto de base - "o livro" - mediante anotações interlineares, laterais ou notas de rodapé.

MEMÓRIAS TROPEÇADAS II

One generation goes,
Another generation comes
And the Sun also rises…
Ernest Hemingway




Esta é a história de um Verão que teve dias de verdadeira eternidade. Esta é a história de um homem que fugia de si próprio sem o saber e, mesmo quando o soube, o continuou a fazer até ao fim. Esta é a história de um Verão londrino na ressaca do fim do punk mas que borbulhava de vida e criatividade e busca da próxima moda. Esta e a história de Tim, Orlando, Miguel e de um patrão indiano chamado Rakesh. Esta é a história de Cynthia e do seu cão Oliver, mas também a história de Eilleen, Gloria e Roberta. Esta é a história de Gordon, Aziz e Achmed, de Jimmy e Andrea. Esta é a história de um bar no Sudoeste de Londres e de uma casa vitoriana com vários quartos independentes e uma casa de banho comum no bairro de Kesington. Esta é a história feita de vários pedaços da história de várias almas que se conheceram durante um Verão e se amaram à chuva ou odiaram à pancada. Esta é a história de um piquenique transformado em fábula campestre num enorme prado verde da Velha Albion.
Esta é a história, ou aquilo que a memória permitiu contar, aqueles minúsculos estilhaços de lembrança explodidos no caos do passado, agarrados a quem os viveu.
Esta é a história…



A minha vida, ao fim de muito tempo, entrava num estado de calma e de vazio ao qual não me conseguia habituar. Depois da tropa dei por mim fora da Faculdade, sem trabalho em época de crise, sem namorada, sem rumo. Um preço justo a pagar para quem tinha acabado de dar dois anos de existência ao serviço da Pátria. O país ia entrando aos poucos na normalidade democrática após um período de agitação inevitável, próprio de uma fase de transição entre dois regimes políticos. Contas fechadas, euforias esgotadas, ilusões enterradas, lá seguia o seu rumo de última carruagem do comboio da Europa. Naquele Verão de 85 a adesão à União Europeia era formalizada com pompa e circunstância numa cerimónia nos Jerónimos, mas na rua o homem comum ainda não dava por nada. Alguns amigos corriam a Europa de comboio e mochila às costas. Outros iam trabalhar nas vindimas para França e para a Suiça. Durante vários dias deixei-me ficar a ver o tempo a passar sem uma ideia acerca do que fazer em relação à minha vida. A maior parte do tempo era ela que me "fazia" a mim, daí que a vontade de me mexer fosse ainda menor. Rasgava umas ondas de dia em Carcavelos e saltitava pelos bares à noite exibindo o “cabedal” de veterano de várias guerras por fazer. Um dia, quando estava a sair da água lembrei-me que tinha conhecido um australiano dois anos antes, a fazer surf. Um tipo engraçado que já vinha de Israel, de um kibutz, e que se preparava para ir para Londres. Nesse espaço de tempo escreveu-me uma carta com a morada nova, dizendo que se alguma vez fosse a Londres podia ficar em casa dele. Já lá tinha ido várias vezes visitar uns tios meus que moravam a 80 Km a Norte. Havia bilhetes baratos de camionete na Av. Casal Ribeiro. Comprei um até Paris. Com o pouco dinheiro que me sobrava da tropa, dava para lá chegar. Depois até Londres teria que inventar. Não era longe.
Era a minha vez de saborear na estrada e no lombo as páginas de Steinbeck e Kerouac em início de carreira. “On The Road” a trabalhar pelo caminho, podia ser um bom tempo de reflexão sobre o que quereria fazer depois com a minha vida. Assim, fiz o saco, vendi a prancha e grunhi uma despedida aos meus pais antes de partir. Três dias depois chegava a Paris ao amanhecer. Pelo caminho fui encontrando várias pessoas com vários destinos. Irlanda para babysitter , França para as vindimas, Holanda para uma curso de Verão na Faculdade, Alemanha para emigrar, etc,etc,. Uma boa maneira de ouvir histórias, desenhar percursos e reunir material para escrever. Sim, escrever. Contar histórias, martelar narrativas, erguer romances do nada da folha em branco. Mas isso, todos me diziam, não servia para nada, não dava dinheiro, não era coisa nenhuma. E era precisamente o que eu achava de mim próprio: que era coisa nenhuma. Uma coisa nenhuma que no entanto caminhava, reflectia, ouvia e registava as histórias dos outros. Uma “coisa nenhuma” em movimento…

ARTUR GUILHERME CARVALHO