quinta-feira, 25 de julho de 2013

A JANGADA DE CACA



O que Portugal precisa mesmo é de desaparecer, viajar para outra galáxia, mudar de dimensão, extinguir-se. Trata-se de uma bela ideia que correu mal ao criador por maldição, falta de manutenção, ausência de acompanhamento, etc. Para além do caos político, financeiro e social, para além deste enorme atoleiro em que chafurdamos sem vislumbrar uma margem, um galho seco a que nos agarrarmos, é o conceito, o ideal que morre todos os dias. Não há país que aguente tanta atrocidade, não há nação que sobreviva a tanta estupidez. Se o problema fosse só de uma classe, de um tipo de gente ou de um bando de malfeitores a solução seria fácil. Trabalhosa mas fácil. A restante comunidade eliminaria a raiz do mal e voltaria a restaurar a organização. Mas, infelizmente não. Uma nação morre quando ninguém quer saber dela para nada e a deixa atrofiar dia após dia limitando-se a cumprir as suas funções mais básicas e mais essenciais de bicho. Foram gerações atrás de gerações empenhadas nesta árdua tarefa de enterrar o passado glorioso, as memórias agradáveis, os sacrifícios dos antepassados. Uma após outra, o seu objectivo é instalar-se no poder, alimentar a canalha sem rosto que sempre viveu à grande e apertar o triste, roubar o trabalhador, pisar o desgraçado, numa espiral de mediocridade que acabaria inevitavelmente com qualquer conceito de nação. No séc. XX, só para não andar muito para trás, nos anos setenta uma geração de fascistas foi assaltada por outra de românticos revolucionários e idealistas que não passaram de uma espécie de fascistas “modernaços” mais preocupados em deitar as mãos à travessa do que distribuir a comida. Instalaram-se, serviram-se e dominaram para que hoje outra geração venha tomar conta da mesa. Uma geração sem uma ideia a que possa chamar sua, sem uma personalidade orientada por uma coluna vertebral, um perfeito vazio. Mas altamente eficaz em cumprir as ordens e as orientações recebidas no aviário das jotas, extremamente empenhada em pagar todas as facturas para se poder manter no poder. Assim vai avançando a espiral com o Algarve a meter mais um “l” para ser melhor compreensível aos camónes, assim se apaga completamente a memória de um passado que, mal ou bom, é o que temos e de onde descendemos, esmaga-se a cultura aos níveis mais baixos e mais absurdos a que a criação cultural alguma vez chegou, inventam-se acordos ortográficos de secretaria para destruir a personalidade da língua, baixa-se a espinha a tudo e a todos os que estão lá fora (aos poderosos dizendo sempre que sim, às ex-colónias pedindo muita desculpa pelo ocorrido há séculos, aceitando todo o tipo de desaforo e atrevimento sem reagir), aceitam-se todas as ordens, cumprem-se todas as regras sem discutir. Sem registo de memória, sem personalidade diplomática, sem dinheiro e sem dignidade, estamos mais perto de um país ocupado por uma potência invasora do que de outra coisa qualquer.

E por outro lado que dizer deste povão cobarde e malcheiroso, esperto mas falho de inteligência, manhoso e ignorante? Este povo que tudo aceita por medo, que só tem coragem no café com os amigos, que finge que acredita em tudo não acreditando em nada? Um povo que acha normal explorar os novos, desprezar os velhos e abandonar os seus animais é um povo de merda, um povo que se despreza a si mesmo e que, como tal, assina a declaração da sua inutilidade comunitária. Onde poderá estar o sentido comunitário de um povo que se despreza a si próprio? De um povo alienado e carneiro sem vontade própria que se deixa explorar e ainda que quase agradece no fim?

   Há 20/30 anos atrás o escritor José Saramago lembrou-se de escrever um romance em que a Península Ibérica se separava da Europa pela parte dos Pirinéus e vagueava pelo Atlântico fora. Outros tempos, outras mentalidades. A Literatura tende a embelezar a realidade dando-lhe o menos cruel dos aspectos. Como dizia atrás ao iniciar esta crónica, Portugal precisa de desaparecer. Corrijo: Portugal já desapareceu, é um conceito vago, perdido, nebuloso que já não se consegue vislumbrar muito menos definir. Vagueia perdido pelas várias e possíveis dimensões do espaço à espera que alguma lhe abra a porta e lhe faça o favor de o deixar entrar. Nós, os que aqui estamos não passamos de espectros, fantasmas teimosos que não querem aceitar a realidade, memórias vazias de um tempo que terminou e que não vai continuar nunca mais. Por culpa de todos, sem dúvida. Portugal acabou por mais que continuemos a insistir que isso não é verdade. Só que em vez de se separar da Península Ibérica e vaguear pelo oceano Atlântico como um navio fantasma antes se foi dissolvendo lentamente enquanto boiava fingindo existir, iludido com a sua ideia que afinal não era ideia nenhuma. Portugal acabou, desapareceu como uma jangada de caca.

 

Artur

1 comentário:

Hélder disse...

Como dizia Almada: «Isto não é um País, é um sítio. E ainda por cima mal frequentado.»