domingo, 13 de março de 2011

VOLTANDO ATRÁS

Voltando atrás, lembro-me de ser ainda adolescente e de ter lido um livro onde havia dois ou três personagens que tinham em comum a solidão. Enquanto um se enfiava na biblioteca a ler livros por ordem alfabética, outro chegava ao grau de consciência em que conhecia a repulsa de si próprio. Segurando uma pedra na mão à beira mar, umas patas começam a crescer dela, a mão que a segura torna-se o mesmo ser e, uma náusea insuportável começa a subir por ele acima, estimulando o vómito.
O autodidacta, sem orientação intelectual visível, ia tranquilamente na letra “C” (não me lembro se seguia títulos ou autores,) o intelectual deprimido ia-se enojando de si próprio, perdendo pelo caminho todas as razões de conforto para se manter vivo, para justificar o acordar de mais um dia. Ambos habitavam numa localidade perto do mar, ambos sentiam no correr dos dias o desperdício existencial da condição humana.
Principalmente porque no essencial, nada muda, porque ninguém aprende com os erros do passado, porque as tragédias humanas insistem em se repetir e sacrificar as sucessivas gerações que vão nascendo. Para lá do brilhante resultado narrativo do pensamento de um filósofo, com o passar do tempo, tanto o Autodidacta como o jovem pensador tornam-se o mesmo homem, coabitando o mesmo corpo em momentos diferentes. A sede de conhecimento de um jovem, a necessidade de compreender a vida e o mundo são suficientes para entreter, até mesmo adiar a constatação, a conclusão final sobre a maldição da condição humana. Amontoam-se livros, lê-se sempre mais e mais porque se quer saber, conhecer, os outros e nós mesmos. Depois o tempo vai passando até que um dia, contemplando a enormidade de uma biblioteca, tentando inventar mais espaço para mais livros, alguma coisa acontece. Alguma coisa que nos diz que seria melhor pegar naqueles livros todos e oferecê-los, deitá-los ao lixo. Porque não nos serviram, ou não nos servem para nada. Conhecer a miséria, ter consciência da desgraça, saber que outros sofreram o que nós vamos sofrendo, e nada poder fazer para alterar o curso das coisas, é frustrante. Tanto conhecimento para tudo ficar na mesma. O Tempo a entrar e a sair da nossa mente em círculos. Um rato que corre dentro de uma roda maior que ele. E então, caminhamos perto do mar, a paisagem mais parecida com o universo que nos é permitido conhecer neste mundo. Seguramos uma pedra na mão. Uma pedra cujo musgo se transforma em pelo, umas patas que dela começam a sair. De repente essa pedra funde-se com a mão e esse bicho repugnante somos nós. A náusea sobe por mim acima. Na biblioteca há mais um tipo a ler, sôfrego de conhecimento. Um puto autodidacta que anda de bicicleta e prende as pernas das calças com molas da roupa. Que me cumprimenta levantando a mão do guiador, quando nos cruzamos.. Fecha-se na biblioteca ao fim da tarde, depois de sair das obras. Está lá agora. Fascinado com aquilo que se consegue aprender. Eu estou na praia, ajoelhado sobre a minha dor. Vomito para cima das ondas. Choro observando o mar. Rogo-lhe que me adopte como seu filho…

Artur

3 comentários:

elbett disse...

E és!

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado por me lembrares Elsa. Bjs

elbett disse...

Fica dificil...depois mais fácil...depois dificil, outra vez...
Temos que nos ir lembrando!! Uns aos outros!! Para que nenhum de nós se esqueça!!
Bjss