sexta-feira, 18 de março de 2011

OS MORTOS NÃO FALAM




Os mortos, é sabido, não falam. Partem para os cantos mais distantes da memória e ali ficam em silêncio, com a expressão de quem já cumpriu a sua parte, de quem ocupa o espaço merecido de silêncio e descanso. Os mortos de uma guerra são como fotografias colectivas de jovens, mensagens de vida interrompida, imagens finalizadas antes do tempo. Aos que ficam exige-se respeito. Homenagear os que morreram no esforço colectivo de uma guerra é também respeitar pais, filhos e viúvas, famílias devastadas pelo sofrimento e pela dor. Infelizmente a sociedade portuguesa ainda não interiorizou no seu “inconsciente colectivo” esta realidade mínima de entendimento. O lado conservador aproveita a guerra do antigo ultramar para exibir um saudosismo passadista e branquear uma série de erros e de injustiças que acompanharam as ultimas décadas do antigo regime. O lado do suposto equilíbrio central faz de conta que não vê, não comenta, espera que se esqueça depressa a guerra e que os veteranos vão morrendo. A esquerda mais radical utiliza a guerra como argumentação ingénua para fazer valer o absolutismo da sua orientação ideológica, passando por cima de todo e qualquer aspecto que não favoreça as suas posições.
A posição que se pode exigir de um Presidente de um país democrático é a de, pairando sobre todo e qualquer tipo de radicalismo, dar à sociedade civil uma lição de patriotismo na hora de homenagear os que deram o sacrifício supremo em nome do colectivo. Não foi o que Cavaco fez. Cavaco, mais uma vez, não perdeu a oportunidade para explicar de que lado é que se encontra. Ao apontar às novas gerações o exemplo da geração sacrificada na guerra colonial, Cavaco compara o que não é comparável, juntando tempos históricos completamente distintos e antagónicos, aconselhando submissão e conformismo uma semana depois de apelar ao sobressalto cívico e ao protesto da juventude. Este Presidente é o mesmo Primeiro-ministro que ordenou cargas policiais sobre estudantes que protestavam contra o aumento das propinas, que aprovou pensões de reforma a antigos agentes da PIDE e a recusou à viúva de Salgueiro Maia, o mesmo Primeiro-ministro que chefiava o governo quando Saramago partiu para Espanha e nem na sua morte teve a dignidade da sua presença apesar de ter sido um dos dois únicos Prémios Nobel que este país conseguiu. Sobre o lado da ideologia em que Cavaco se encontra nunca houve espaço para dúvidas. O que se lhe poderia e deveria exigir enquanto Presidente da República era elevação, isenção e rigor.
Homenagear os mortos da guerra colonial é sempre de louvar. Mas dentro do estrito espaço de dignidade e respeito que eles e o país que sofreu merecem. O tempo deles foi outro. A maioria esmagadora participou na guerra porque foi obrigada. A fundamentação ideológica para a sua participação numa guerra era nula. Dos quatro cantos deste Portugal partiram jovens para lugares que vagamente sabiam que existiam, combateram e morreram. Morreram por um país que os obrigou a partir. O mesmo país que hoje é chefiado por um desses jovens. Cavaco pertence àquele grupo ideológico que, não sendo democrático, pactua com a democracia. O 25 de Abril poderia nunca ter existido que não lhes faria diferença nenhuma. Manter-se-iam disciplinadamente submissos até chegar a sua vez de ser ditadores.
Quanto à esquerda mais radical, infelizmente, também pouco ou nada quer ter a ver com a Democracia. A sua irreverência e radicalismo começam a cheirar a mofo, a obtusidade intelectual, a fogueira de vaidades. Na guerra estiveram homens de carne e osso. Muito para além de concordarmos ou não com ela, o sacrifício da morte é por si só, razão de respeito. E a distância temporal a que estamos de um facto histórico ocorrido há 50 anos é por si só razão suficiente para arrumar a memória e construir o futuro evitando repetir erros do passado.
Os mortos, esses não falam…

Artur

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