sábado, 14 de abril de 2018

GAIVOTAS AO FIM DA TARDE




    Ao fim da tarde, mais ou menos à mesma hora, quando resolvo ir lá fora fumar um cigarro, é como se houvesse encontro marcado. Elas passam em bando sempre de Sul para Norte em direcção ao mar. São para aí umas vinte gaivotas em formação desordenada. Fazem-se anunciar porque emitem dois tipos de pios, um logo a seguir ao outro. Dois tipos de pio distantes entre si. Julgo que no pelotão compacto há uma, talvez o guia, o "fila guia" para usar uma expressão de cavalaria, que pia primeiro. Responde-lhe outra gaivota (ou outras) mais distante da formação. Como se a primeira quisesse dizer: "Estamos aqui…vamos a passar…junta-te a nós." A outra responde e começa a aproximar-se. Quando já estão todas juntas calam-se e apontam ao mar.
Todas as tardes  mais ou menos à mesma hora elas passam por aqui quando estou lá fora a fumar um cigarro. Como bando organizado e instintivamente conhecedor do seu rumo agrupam-se desenhando várias formas quase geométricas em sucessivas modalidades de formação. Uma esquadrilha da passarada, a voar alto sempre na mesma direcção. Como almas entre encarnações, preocupadas em não deixar ninguém para trás, organizadas de acordo com a variação dos elementos. Há sobre a casa e sobre mim um espectáculo posto em cena pela Natureza que nenhuma mão humana organizou. Como se fosse parte de uma espécie dispensável que se não existisse também não fazia diferença nenhuma para a organização da vida. Ou então elemento de uma harmonia muito maior que a minha espécie, ou a delas, ou mesmo de todas as espécies num gigantesco universo. Nesta actuação sou um simples espectador, função passiva de quem não só se deslumbra como aprende qualquer coisa. Ou então elemento constitutivo de um quadro em que duas realidades se encontram à mesma hora como vizinhos e se cumprimentam fraternalmente. Tudo isso ou coisa nenhuma, que importa?
As gaivotas agrupam-se nos céus escuros do fim da tarde enquanto as observo cá de baixo e tudo pára em espasmos de contemplação e harmonia.
Deito o cigarro fora e aceno. Bom voo. Até amanhã.

Artur