A única coisa que faz sentido é uma música enquanto é
tocada/cantada; a única coisa que faz sentido é um livro enquanto é lido, um
filme enquanto está a ser visionado. Nada mais. Só interessa amar enquanto se
ama. Quando nos pomos a falar sobre isso, já o amor deixou a sala e foi lá para
fora há muito tempo. Em miúdos os nossos pais, os professores, os adultos em
geral, diziam sempre a mesma coisa : “façam-se à vida…” E nós fazíamo-nos, ela
é que nunca se quis fazer a nós. Por isso pegámos na força bruta da nossa
juventude e atirámo-nos à estrada a querer saber, viver, beber a vida toda num
dia só porque o amanhã era um ser tão distante, tão longínquo das nossas
preocupações que provavelmente nem sequer existia. E correu-se estrada fora,
ouvindo o vento, falando com as árvores, rindo com o mar. A vida que tinham
para nos dar era demasiado pequena, demasiado absurda, demasiado cruel para
sequer conseguir ter uma conversa com ela. Depois havia a arte, havia a
capacidade de criar mundos fora deste mundo, sonhar, recordar outra coisa
qualquer que, à força de a querermos tinha forçosamente que existir. E existiu,
e aconteceu, pelo menos enquanto a tentávamos desenhar com uma guitarra, com um
papel e uma caneta, com uma câmara de filmar. Novos mundos eram construídos e
era durante essa construção que estavam vivos, era durante esse desempenho que
se tornavam reais. Continuava-se vivo para voltar sempre ao sonho, a esse lugar
agradável onde não fazia frio nem cheirava mal. Onde livres eram os seres e infinitas
as suas possibilidades. Onde o gajo do lado era uma mão estendida que ajudava, um
cigarro dividido, uma ideia partilhada, um braço que protegia, pedia ajuda. E
nós ajudávamos.
Estrada percorrida, muitos foram os que ficaram para trás,
por culpas de tudo e de todos mesmo das suas vontades. Não houve acusações, nem
julgamentos, nem sequer a raiva da ausência. Era apenas o absurdo gigantesco
desta vida a cumprir-se sobre as nossas existências. Mais tarde adultos mas
sempre com a mesma curiosidade, o espírito de entre ajuda, observando as novas
gerações e a continuar tentar perceber. Ouvi-los, pedir-lhes emprestados por
instantes os seus óculos para ver o seu olhar. Ser porque é, estar porque sim,
morrer porque tem de ser. Fez-se o que se podia fazer, ou o que foi deixado
fazer ou o resultado de uma luta eterna entre a Liberdade e a estupidez humana.
A vida não faz sentido nenhum…nunca fez. O problema dos
homens livres é aperceberem-se disso ainda jovens. É como uma maldição que
nunca mais nos deixa vestida de lágrimas e feridas para lamber ao fim do dia. Por
isso quando morremos estamos apenas a
seguir esse guião horroroso e mal escrito que nunca quisemos aceitar mas que
nos condena a todas as horas pelo crime de estarmos vivos, pela ousadia de
querermos viver e continuar. E no fim não continuamos. Transformamo-nos em
memória que alugará um espaço no coração daqueles que amámos. E aí o Amor volta
a fazer sentido. Não por que se fale dele mas porque dá continuação ao acto de
amar. E só assim ele consegue existir.
Artur