"Quando o leão está ferido, até os cães e as hienas lhe mordem os calcanhares"
Provérbio africano
Os incêndios doeram, doeram mesmo muito. São como uma gangrena no tecido natural, moral, social e económico do país. Não creio que no tempo que me resta de vida volte a ver algumas das paisagens deslumbrantes que, felizmente, me foram dadas a ver em muitos recantos portugueses, aqueles mesmos que os chacais que pululam nas televisões agora lamentam e choram, sem nunca lá terem posto os pés, como se fossem eles os poetas de uma Arcádia que nunca existiu, fingindo serem os arautos de um bucolismo que os aterroriza e que não compreendem. Nunca compreenderam, nem sequer quando redigiam aquelas redacções manhosas e mal enjorcadas que, na 4ª classe, se faziam acompanhar de líricas bordaduras de florzinhas, árvorezinhas e uma vaquinhas pastando no seu sossego. Isso, antes de enjoarem com a leitura de Sá de Miranda (os que o leram) e torcerem o nariz enojado ao Torga (o Torgão, como eles dizem, rindo-se muito da muita graça da pilhéria).
Para além desta dor, uma outra, moral e ética se vem infiltrar, não me deixando sossegado: a dor de assistir à bancada do Governo, um conjunto de pessoas decentes e honestas, qual leão ferido, a ser açulado e enxovalhado pelos cães, babecos e hienas da oposição. Para continuar com a metáfora e as analogias zoológicas, é confrangedor ver a cristas e o soares, coadjuvados por aquele do cabelo oleoso (agora não me lembro do nome dele, mas é um que dizia que "todas as crianças devem ter um pai e uma mãe" - a propósito da lei da co-adopção, recusando-se ele próprio a reconhecer um filho natural), pelo outro que, numa só noite e depois de o governo a que pertencia já estar demitido, assinou 300 despachos como ministro do ambiente, incluindo aquele que autorizava o abate de centenas de sobreiros e um outro que autorizava um colega de partido a edificar uma casa no parque natural da Serra da Arrábida, por aquele monte de banha que já foi de um partido de extrema-direita, pelo duartinho de Mação e por todos os outros e outras que, se tivessem um pingo de vergonha na cara se voltariam a esconder debaixo daquela pedra a que chamam "lar doce lar", de onde saíram a rastejar para virem ocupar o lugar de de-puta-dozinhos e abarbatarem as sinecuras e as merdomias que lhes estão garantidas só por abanarem a cabeça para cima e para baixo, à ordem do líder, como aqueles cãezinhos que antigamente povoavam as traseiras dos carros. Pelo que se vê, por mais voltas que demos, voltamos sempre à zoologia e aos seus avatares. A esta hora estão eles na Assembleia da República a cacarejar, grunhir, zurrar, ladrar, mugir como animais dementes ou doentes de cio. O que nos leva à segunda parte do título deste texto: cansa tanta pornografia, aborrece tanta obscenidade, nauseia tanta falta de respeito e de auto-respeito. Acolitados por uma escumalha de pulhas, canalhas e vendidos com carteira de jornalista que lhes transformam os grunhidos em maviosos gemidos de virgem em noite de núpcias (daquelas que a indústria pornográfica tanto gosta de mostrar) a corja exulta, enquanto escorrega com prazer no unto da vulgaridade. Parafraseando o título do último disco dos The National: SLEEP WELL BEASTS.