“Biológica e culturalmente
sou um rafeiro e orgulho-me de ser o produto intelectual e físico de todas as
classes, raças e nações, orgulho-me de não pertencer a uma “raça pura” nem a
uma “classe pura”…
Wilhelm Reich
Quanto mais tempo perdemos em nos dividir e subdividir até à
exaustão, quanto mais tempo gastamos a julgar ou a compararmo-nos com o “outro”,
mais perdemos enquanto espécie, enquanto organização social e, em última
análise, em enfraquecimento do espírito. Qualificar uma etnia como marginal é
repetir comportamentos do passado que terminaram em tragédias colossais. Não
pode ser uma etnia inteira culpada do mesmo comportamento mas vários cidadãos
que a compõem no que à sociedade e à lei diz respeito. A homossexualidade não é
uma anomalia da espécie humana mas apenas uma escolha de prática sexual. A
grande anomalia é a própria espécie humana que em milhares de séculos neste
planeta não conseguiu evoluir alem da destruição do meio ambiente onde vive, resolver
problemas básicos como a fome, o controle demográfico e a própria organização
social para uma dimensão mais justa e equilibrada onde todos os seus membros
pudessem viver em paz. Uma espécie que venera deuses que nunca viu mas não
hesita em destruir a Natureza onde caminha todos os dias e que lhe permite e
faculta o simples fenómeno da vida. Uma espécie muito mais concentrada na
guerra e na destruição do “outro” do que na evolução natural da existência. Uma
espécie alimentada a intolerância, ganância e iniquidade, selvagem e perigosa
para as outras espécies com que divide o espaço onde habita.
Não, não é uma etnia que é toda ela marginal e fora da lei,
serão elementos dessa etnia como de todas as outras. Porque a cidadania é isso
mesmo, o compromisso entre o HOMEM individualizado e a sociedade, os seus
pares. Em termos de infracção das leis só existe um conceito material, o de
CIDADÃO. Tal como o racismo não é argumento para a estupidez, a acção ilegal ou
a incapacidade. Por isso o “politicamente correcto” atingiu dimensões fatais de
afastamento e incompreensão que de nada servem a não ser para continuar a
dividir, continuar a separar. Portanto haverá marginais de todas as cores e
religiões como haverá cidadãos dignos e responsáveis de todas as cores e
religiões. A República e a Democracia foram inventadas para precisamente
unificar a espécie no seu denominador comum. Iguais perante a lei e os seus
pares. Seres humanos. Que um engenheiro troque estes dois conceitos, não sendo
tolerável não é extraordinariamente grave. Agora que um Professor de Direito o
faça, das duas, uma. Ou é um completo ignorante que se doutorou por baixo da
mesa ou, mais grave ainda, é alguém que intelectualmente despreza estes
princípios básicos da Democracia e da República e que se situa ao nível da
ideologia totalitária.
Que um venerando médico com uma vida académica e científica
prestigiada qualifique a homossexualidade como uma anomalia, que dizer então?
Que guardou na gaveta todo o seu capital humanista, que se limitou a ajuizar
através dos seus princípios culturais, que resolveu chamar a atenção? Francamente
não sei. O que sei é que não são as práticas homossexuais que provocam doenças
ou tenham sequer algum risco epidémico que coloque a Humanidade em risco. Deixo
para a diferença de tempos e de valores culturais a frase infeliz.
O que assusta é que quando se começa a perseguir os outros
por isto e por aquilo, em pouco tempo cairemos no tempo de uma só voz, um só
conceito, uma só verdade. E a História está cheia de episódios semelhantes que
terminaram da pior maneira para milhares e milhares de vítimas. O nosso
problema não é a diferença do outro. O nosso problema é como enfraquecer e
exterminar esta condição de escravos de que meia dúzia de espertos consegue
alimentar-se há séculos. O nosso problema é ser roubados todos os dias, passar
fome e frio, morrer em guerras que não são nossas e continuar a apontar o dedo
ao outro, ao “diferente”. O nosso problema é não conseguir viver num ambiente
limpo e saudável porque a economia tem que crescer, a produtividade tem que
aumentar. Mas aumentar para chegar aonde? À nossa melhoria de vida? Depois dos
computadores trabalhamos menos, produzimos menos, somos menos escravos? Não. E
o que é que insistimos em fazer? Apontar o dedo ao “outro”, matar o outro
porque adora um deus diferente do nosso.
Enquanto os grupos políticos e os grupos de interesse
através das suas máquinas de propaganda, vulgo grupos de comunicação, dançam um
fandango colorido acerca de responsabilidades, chafurdice na tragédia e outros
tantos comportamentos inúteis e repetitivos que nos adormecem num sono
alienado, enquanto os fogos ardem e as pessoas morrem sem necessidade, por
outro lado há outro país que se mobiliza e arranca para os lugares fustigados e
transporta consigo comida, roupa e utensílios de todo o género. Há uma vaga de
solidariedade espontânea que se ergueu sem que ninguém lhe pedisse. E são estes
comportamentos que nos interessam, são estas atitudes que valem. As vedetas que
continuem a dançar no aquário e a cantar a cantiga que lhes foi encomendada. Há
muito mais vida do outro lado da vida. E pouco nos interessam as cores, as
religiões ou o politicamente correcto de uma tragédia. O que nos interessa é
sobreviver como um só, contra quem nos quer exterminar, contra quem nos quer a
dormir, contra quem nos engana com divisões. Uma espécie num planeta…é o que
nós somos. E estamos a ser cada vez mais.
Artur