Estupefacção, surpresa, admiração, espanto, desorientação em
geral. Este tem sido um ano de mudanças vertiginosas, umas atrás das outras, um
ano em que nada acontece como era suposto acontecer. Primeiro o Brexit e a
saída do Reino Unido da União Europeia e agora a eleição de Donald Trump para
Presidente dos Estados Unidos. Digamos que, de um modo geral, foram feitas as
escolhas erradas pelas razões certas. Não que estas referidas mudanças venham a
mudar grande coisa no panorama habitual da vida de cada um. O que é novidade é
que, a pouco e pouco as populações vão dando corpo a uma enorme frustração e,
ao mesmo tempo, a transmitir uma crescente repulsa pelo modo como as coisas
funcionam, um aviso sério a um sistema político e económico que está esgotado e
que vai perdendo de dia para dia a sua credibilidade. Pessoalmente não acredito
que Donald Trump venha mudar seja o que for. Será obrigado a ler e a seguir a
pauta que lhe será apresentada como todos os outros antes dele. Se se desviar
será afastado…de uma maneira ou de outra. O que não anula a intenção de milhões
de pessoas de ter votado muito mais contra um estado de coisas do que
propriamente na mensagem e nas ideias de um candidato.
De forma consciente ou não, a maioria das pessoas orientou
as suas escolhas tendo em conta as consequências de uma forma de fazer política
que dura há décadas e que veio gradualmente a asfixiar as suas vidas, a matar
as suas esperanças, a enterrar os seus sonhos. Um mundo onde a política se
submeteu à economia que por sua vez sucumbiu aos ditames do poder financeiro,
sem rosto, silencioso mas tremendamente actuante e eficaz. Uma política de
permanente invenção de um inimigo novo a cada dez anos, de grupos terroristas
que nascem do dia para a noite, de
atentados que eliminam homens comuns a caminho do trabalho, a assistir a um
espectáculo ou que simplesmente se sentam numa esplanada a beber um café.
Atentados que nunca deixam de acontecer e cuja única reacção é reduzir os
direitos de liberdade e circulação em nome do reforço da segurança. Uma obsessão
cantada a toda a hora de crescimento económico onde as grandes corporações são
os únicos beneficiados. Um mundo onde a evolução da tecnologia em vez de
aliviar a pressão do trabalho apenas amplia o desequilíbrio da sociedade e a
escravatura ao crédito por mais que se venda a ideia de liberdade individual
através de todo o tipo de maquinetas.
Basicamente, vendendo até ao enjoo o conceito do mercado
livre, do egocentrismo tecnológico, dos direitos das minorias, do “politicamente
correcto”, aquilo que realmente se promove é a transferência de riqueza do
indivíduo para as grandes corporações, a dependência económica dos bancos para
conseguir seja o que for para viver, a desagregação de todas as dimensões
comunitárias de solidariedade e coexistência pacífica, o enfraquecimento da
identidade colectiva. Numa palavra, a cobro de uma sociedade mais justa e mais
livre aquilo que temos é um asilo de alienados, uma multidão de miseráveis que
se vão odiando mutuamente num espaço cada vez mais controlado e cada vez menos
livre. A liberdade de expressão, a capacidade de discordar, a liberdade de
pensamento, tudo isso é diariamente combatido, diminuído, posto a ridículo a um
ponto em que qualquer ser livre comece a sentir vergonha e medo de o ser. Estas
são as linhas gerais da actuação de um sistema que nos tem governado nas
ultimas décadas. De forma consciente ou inconsciente as populações aproveitam o
seu ultimo espaço de liberdade (o voto) e começam a passar uma mensagem
importante. Já nem toda a gente está disposta a continuar assim, a colaborar
com todos os ditames, a acreditar em toda a propaganda, a ser escravizada
pacificamente. Donald Trump não será a resposta nem o agente que virá liderar a
mudança. Será mais um clone de um política impiedosa, gananciosa, sem rosto,
exterminadora da raça humana. No entanto o que importa é este sinal em que as
pessoas ignoraram a propaganda e votaram contra. Terão sido as escolhas erradas
embora pelas razões certas. E essas têm que ver com a Humanidade e a sua
vontade de viver livre e em paz. De não odiar só porque lhe dizem para o fazer.
De aceitar o outro e a diferença como uma parte do seu enriquecimento em vez de
medo pela sua extinção. Será um começo indefinido e tímido mas é seguramente o
arranque para qualquer coisa, um movimento numa nova direcção. O que sabemos é
que este sistema começa a ter os dias contados, esgotou os seus recursos e
aproxima-se do fim. O que virá depois é uma incógnita. O que é importante é as
lições que retiraremos com a mudança.
Aguardemos…
Artur