(Desde os ecos até ao muro)
No início dos anos 70 a cena psicadélica começa a
ficar para trás no caminho dos Pink Floyd e a sua sonoridade torna-se algo
estranho e difícil de classificar. A banda alcançava a maturidade inaugurando a
sua própria marca. David Gilmour, Roger Waters e Richard Wright conseguem
encaixar individualidades, estilos e desempenhos numa sonoridade única. É a
grande explosão criativa que contém duas das mais belas obras-primas da
história da música ( The Dark Side of The Moon (73) e Wish
You Were Here (75)). Com o empenho e a colaboração de todos os membros da
banda o som resultou muito mais elaborado com letras mais filosóficas a vestir
o estilo único de uma guitarra de blues
de Gilmour, enquadrada por sonoridades mais evidentes do baixo de Waters, tudo
conjugado numa extensa harmonia de melodias e teclados de Right. Em estilo de
pontuação os coros femininos e o saxofone de Dick Parry. O máximo da perfeição para toda esta mudança
foi atingido com “Echoes", uma canção épica de 23 minutos ocupando todo o lado B
do álbum (Meddle (71)),onde longos
solos de guitarra e teclado se combinam com mistura de órgãos e sintetizadores.
A faixa “Fearless”é prenunciadora do sentimento melancólico que acompanhará os
próximos três álbuns da banda. Recebido de forma entusiástica por público e
crítica no reino Unido, Meddle é ainda hoje considerado um dos trabalhos mais
aclamados da banda.
Obscured by Clouds foi lançado em 72 enquanto banda sonora para o
filme de Barbet Schroeder LA VALLÉE. Embora pouco defendido pela crítica
englobava alguns aspectos temáticos que se repetiriam nos álbuns seguintes
como, por exemplo, a passagem do tempo, a morte, a vida e a morte do pai Waters
na II Guerra Mundial.
Em 1973 acontece o maior sucesso
da banda, o álbum que os coloca definitivamente no panteão universal. The Dark Side of the Moon é apenas um instituição só por si que bateu e
ainda hoje continua abater recordes de vendas por todo o mundo. Revelação e identificação
para várias gerações, as canções do álbum revestem tentativas de alinhamento da
condição humana com os diferentes tipos de pressões que nos assolam no
quotidiano. Um conceito concebido por Waters quando numa reunião com a banda em
que todos foram desafiados a colocar uma lista de temas sobre a mesa, lista
essa a que regressariam várias vezes para compor trabalhos posteriores. A
violência e a futilidade da guerra (“Us and Them), a insanidade e as neuroses a
relembrar o estado de Syd Barrett (“Brain Damage”), a passagem do tempo (“Time”)
são alguns dos pontos altos deste trabalho que conta também com efeitos sonoros
incidentais e partes de entrevistas onde se ouve Waters fazer perguntas como :
“quando foi a ultima vez que foste violento?”; “tinhas razão?”; “tens medo de
morrer?”. A fidelidade do som adquire parâmetros de elevada exigência com o
trabalho meticuloso e preciso de Alan Parsons, o engenheiro de som do álbum,
enriquecendo a imagem de marca da banda para futuros trabalhos. No colégio
interno onde andava houve alguém que teve a ideia de nos acordar às sete da
manhã utilizando a instalação sonora onde normalmente soava um cornetim com
temas deste álbum. Ainda hoje tenho arrepios e não consigo ouvir até ao fim
temas como “Time” e “Money”. Por outro lado, a capa do álbum representava a
refracção da luz. Através de um triângulo a luz entra num raio único
e branco transformando-se à saída num arco-íris, a mesma imagem que poderia ser
observada num livro de Física do meu 3º (actual 7º ano). É também por essa
época que as tardes de Sábado apresentam uma das mais revolucionárias equipas
de humor britânico, os Monty Python, que se apresentaram com a sua série da
BBC, “Monty Python Flying Circus”. Para os jovens daquele tempo era uma hora
sagrada de nonsense e boa disposição. No final dos anos 60 os Pink Floyd
paravam as gravações para assistir ao programa. Mais tarde (75) na sua primeira
aventura de longa metragem para o cinema MONTY PYTHON AND THE HOLY GRAIL, os
Monty contaram com uma preciosa ajuda à produção de bandas como os Led Zeppelin,
os Genesis e os Pink Floyd.
Num esforço para rentabilizar a
sua recente chegada à fama a banda lança uma colectânea intitulada A Nice Pair , uma mistura de temas dos
dois primeiro álbuns. Foi também nesse período de tempo (72) que o realizador
Adrian Maben lançou o primeiro filme concerto dos Pink Floyd, LIVE AT POMPEI. A
montagem original para cinema apresentava a banda a tocar em 1971 num
anfiteatro em Pompeia sem ninguém presente além dos elementos da banda e a
equipa de filmagens. A esta rodagem foram acrescentadas imagens gravadas nos
bastidores da banda durante as sessões de gravação de The
Dark Side of The Moon nos estúdios de Abbey Road. Esta última recolha de
imagens acabou por integrar futuros lançamentos de LIVE AT POMPEI. É também no
meu 3ºano (actual 7º) que com 12/13 anos de idade despertei para a idade adulta
e uma das minhas primeiras paixões foi a arqueologia. No espaço das actividades
circum-escolares, entre várias imagens de monumentos paleolíticos, ruínas
romanas e do Antigo Egipto, as que mais me chamaram a atenção foram as das
escavações da cidade de Pompeia destruída em 79 DC por uma erupção do vulcão do
Monte Vesúvio. A circunstância de surpresa geral que levou a população a ser
apanhada e petrificada pela lava e pelas cinzas marcou-me profundamente. Em
contraste, os Pink Floyd tocaram para um anfiteatro vazio de público. Uma
comparação fascinante.
Depois do sucesso de Dark Side a
banda tinha dúvidas em relação ao rumo a tomar. Numa tentativa de regresso ao
experimentalismo começam a trabalhar num novo projecto intitulado Household Objects , que consistia em
canções tocadas literalmente em objectos caseiros. No entanto o planeamento do
álbum foi posto de lado e decide-se voltar aos instrumentos tradicionais.
Apesar de não existir nenhuma gravação final deste trabalho, alguns efeitos
foram usados no álbum seguinte, Wish You
Were Here (75). Comecemos pelo grande instrumental “Shine On You Crazy
Diamond”, um tributo a Barrett onde as letras ilustram bem o seu declínio.
Regressam os solos de saxofone, a fusão de jazz com uma slide guitar agressiva,
sintetizadores. Seguem-se faixas como “Welcome to the Machine” e “Have a Cigar”
em jeito de críticas profundas à industria discográfica, tendo a ultima sido
cantada pelo cantor folk Roy Harper. Trata-se do terceiro album dos Pink Floyd
a alcançar o primeiro lugar nos tops tanto do Reino Unido como dos Estados
Unidos. Tal como o anterior ,The Dark Side
of The Moon, o êxito junto da crítica foi retumbante. A partir de 1973 a influência de Waters
vai-se instalando ao ponto de se tornar a linha dominante da banda.
UM HOMEM RAPADO E CARECA
Numa história mais ou menos
conhecida, um homem com cabeça e sobrancelhas integralmente rapadas andou pelo
estúdio enquanto a banda procedia às misturas de “Shine On you Crazy Diamond”.
Por algum tempo ninguém o reconheceu até que alguém percebeu tratar-se de Syd
Barrett. Quando lhe perguntaram como é que tinha ficado assim, rapado e obeso,
ele respondeu que tinha uma frigideira na cozinha e que comia bastante carne de
porco. Numa entrevista em 2001 para um documentário da BBC, SYD BARRETT: CRAZY
DIAMOND (posteriormente lançado em DVD como THE PINK FLOYD STORY AND SYD
BARRETT STORY) este episódio é relatado na íntegra. Rick Right diz: “Uma coisa
que nunca mais esquecerei. Vinha para as sessões de gravação. Passei pelo
estúdio e vi este tipo sentado lá ao fundo. Não o reconheci. Perguntei a alguém
quem era ele. Disseram-me que era o Syd. Não queria acreditar. Tinha rapado o
cabelo todo…sobrancelhas, tudo…andava aos saltos para cima e para baixo, foi
horrível. Acho que o Roger estava a chorar, todos nós estávamos perturbados.
Sete anos sem nenhum contacto, e de repente quando vamos gravar aquela faixa,
ele aparece. Carma, coincidência? Não sei, mas aquilo foi muito poderoso”.
No mesmo documentário, Nick
Mason: “Quando me lembro disso, ainda me consigo lembrar dos olhos dele,
mas…tudo o resto estava diferente”.
Roger Waters: “ Eu não tinha
ideia de quem seria ele durante algum tempo…”
E por fim David Gilmour: “ Nenhum
de nós o reconheceu. Rapado…careca e bastante gordo”. Na versão definitiva de
2006 do documentário, as entrevistas estão em formato completo sem cortes. Aí
podemos apreciar muito mais detalhes dos sentimentos e acções dos antigos
companheiros de Barrett. A figura ficou de tal maneira inscrita nas suas
memórias que voltaria a ser repetida no filme de Alan Parker THE WALL,
interpretado por Bob Geldorf.
ANIMALS
Influenciado pelo trabalho do
escritor britânico George Orwell (“Animal Farm”/ “O Triunfo dos Porcos”), Animals (77) apresenta desde logo duas
novidades. Em primeiro lugar o facto de ter sido gravado num novo estúdio , o
Britannia Row. Em segundo lugar, e muito provavelmente pela influência do punk rock , encontra-se muito mais
centrado na sonoridade da guitarra. Para trás ficam as passagens de saxofone e
os corais femininos utilizados nos dois álbuns anteriores. O resultado acaba
por dar um trabalho de hard rock enquadrado entre duas partes de uma peça
acústica. Os temas, influenciados pela obra de Orwell, são reflexos humanos,
metáforas da sociedade contemporânea. Cães, porcos e ovelhas ocupam as suas
funções na estrutura dentro da qual todos vivem. A crítica não conviveu muito
bem com o álbum, chegando mesmo a classificá-lo de entediante e vazio. A capa
inicial era para ser uma imagem de um porco gigante insuflável a voar entre as
torres da estação energética de Battersea Power Station. No entanto o vento
acabou por atrapalhar os planos de controlar o balão. O porco acabou por se
tornar um dos mais memoráveis símbolos dos Pink Floyd sendo mais tarde muito
utilizado nos seus concertos.
Seguir-se-ia The Wall, mais uma obra prima tão vasta e tão rica que só por si
justifica um artigo inteiro.
EU E OS PINK, LONDRES E O MEU TIO
A minha tia mais nova emigrou no
início dos anos 70 para Inglaterra, onde ainda hoje vive. No ano em que nasceu
o meu primo (74) passei o primeiro de vários natais na casa dos meus tios. O
meu tio Frank, quando o conheci tinha uma loja de discos. Era fã de musica
clássica mas deitava uma breve olhadela à música contemporânea sempre que
entendesse necessário. Vários dos meus primeiros discos/cassettes foram-me
dados por ele. Guiava um Austin Woody com frisos exteriores de madeira com Maltesers lá dentro perdidos no chão que
rolavam para a frente sempre que travava. Comecei a gostar mais de Pink Floyd
por causa dele. Ao Domingo depois do jantar costumávamos ir para o seu
escritório ver o resumo da jornada do futebol (fui sócio correspondente do
Liverpool durante três anos por causa dele). No berço o meu primo dormia
embalado e na aparelhagem, muito baixinho, ouvia-se Pink Floyd.
“Se Bach ou Beethoven fossem
vivos nos dias de hoje, a música que eles fariam seria muito parecida com a dos
Pink Floyd” – dizia-me enquanto bebia o seu sherry.
No Natal de 78 a sua prenda para mim foram
duas caixas com seis álbuns dos Pink Floyd e dois posters. Um deles, as
pirâmides de Gizé retratadas com uma lente azul, esteve anos na parede do meu
quarto. A obra quase toda à excepção dos dois primeiros álbuns. Apesar de
gostar bastante dos Floyd o Punk atraía-me mais, tinha mais movimento. O
movimento e a agitação são característicos de um jovem adolescente. Os Floyd
ficavam para tempos mais calmos. Voltaria a Inglaterra, voltaria aos Pink Floyd
e à casa dos meus tios. Por mais que me afastasse, por mais que não ligasse ou
não quisesse saber, os Pink Floy acabavam sempre a bater à minha porta. Por
todas as razões e mais uma.
Artur Carvalho