Exmo Sr.
Tem vindo V. Exa. a vituperar veementemente os jornalistas - empregando a difícil relação com a língua materna e o desvario verbal que são suas imagens de marca - acusando-os de patéticos, negligentes, preguiçosos, com falta de estudo e de leitura e carregando-os de crimes e pecados que nem ao Diabo lembrariam. Ou, no dizer popular que V. Exa. tanto aprecia e profusamente utiliza ("para trás mija a burra" permanecerá sempre como o supremo exemplo do afinco com que V. Exa. tem recusado a elitista elegância e o snob aprumo da linguagem em favor da recuperação do linguajar popular, tão saboroso e expressivo) : tem-lhes zurzido nos lombos com afinco. E com toda a razão, acrescento eu que também não aprecio por aí além essa raça de víboras que insiste em denegrir a imagem de V. Exa. e do Governo que tão denodadamente tem servido o País e o tem feito progredir em todas as áreas (o desemprego, a miséria, a exclusão social, o empobrecimento geral, a decadência dos serviços públicos, o enriquecimento ilícito de boys, escritórios de advogados e amigalhaços, para só citar alguns exemplos, têm progredido a olhos vistos). Mas o pior, o péssimo, aquilo que confrange até às lágrimas, é a suprema ingratidão destes escribas: esqueceram rapidamente aqueles lautos almoços para os quais V. Exa. os convidava na altura em que estava desejoso de ir ao pote e lhes matava a fome, servindo na ementa desses famélicos doses massivas de mentiras, asneiras, bacoquices e parvoíces e à sobremesa e ao cafézinho mais umas quantas flores da sua excelsa retórica, e que a canalha já saciada espalhava por redações de jornais, bendizendo o magno e esmoler benfeitor. Na sua bondosa ingenuidade, V. Exa. considerava-os como apóstolos da Boa Nova e em troca recebe agora punhaladas nas costas. Como vê, a máxima crística "faz o bem e não olhes a quem" não tem aplicação universal. Se me permite o conselho, na próxima campanha eleitoral, quando se tratar de ir outra vez ao pote, coloque-se V. Exa. numa excelente tecnoforma e selecione, corte, eleja para os almocinhos lautos apenas aqueles que derem garantias de se manterem fiéis à palavra revelada por V. Exa. e capazes de compreenderem os benefícios da sua acção governativa. Todos os outros podem perecer à fome, ou podem alimentar-se das folhas dos pasquins em que as suas opiniões são vertidas. Além do mais, andam por aí outros escribas a insinuar que um Primeiro Ministro cujo governo conta com o Prof. Dr. Nuno Crato, com a Prof. Dra. Teixeira da Cruz, com o Prof. Dr. Aguiar Branco e com o ilustre Prof. Dr. Rui Machete, além de si mesmo, Prof. Dr. Pedro Manuel Passos Coelho, deveria ter muito cuidado quando chama incompetentes, preguiçosos e ignorantes aos outros. Ou, no linguajar popular que V. Exa. tanto aprecia e tanto tem promovido, deveria "meter a viola no saco". Isto. Exmo Sr., já não é só ingratidão; é aleivosia, maledicência pernóstica e daninha.
Apesar de tudo o que atrás fica dito, permita-me que discorde de V. Exa., uma vez sem exemplo, com toda a humildade e com a testa a roçar no chão que V. Exa. pisa. Não são os jornalistas que recusam continuar a publicar as esmagadoras verdades e pérolas de sabedoria (ou, no linguajar popular que V. Exa. alçou ao estatuto incomparável de discurso governativo, para eles tais verdades e tais perólas são como "manteiga em focinho de cão") que se revelam incompetentes, preguiçosos, patéticos e ignorantes. Não, somos todos nós, este povo que não se revolta, que não se levanta, que não vos agride, insulta e humilha diariamente e se deixa conduzir ao matadouro, bem comportado, manso, tolerante. Ignorante é este povo que não vos cospe em cima onde quer que apareçam e que não vos manda para a puta que vos pariu, assim, com todas as letras do linguajar popular que V. Exa. tanto tem enaltecido. Porque, como dizia um borrabotas chamado Victor Hugo (não, não é o jogador de hóquei, refiro-me a um escritor francês do século XIX, conhecido por ter escrito obras como "Os Miseráveis", "Le Père Goriot", entre outras, e por ter sido um grande humanista): "Entre um governo que faz o mal e o povo que o consente há uma certa cumplicidade vergonhosa".
Com os melhores cumprimentos, etc, etc.
Arnaldo Mesquita