quinta-feira, 29 de março de 2012
quarta-feira, 28 de março de 2012
PÃO, PAZ, POVO E LIBERDADE
Considerando que as grandes estrelas do comentarismo político português - sejam aquelas que opinam nas televisões ou as que opinam nos jornais ou, ainda, aquelas verdadeiras super-estrelas que poluem simultaneamente os dois meios de comunicação - não conseguiram explicar adequadamente a obsessão dos laranjas pelo José Sócrates, bem patente no último Congresso desta agremiação de ranhosos que dá pelo nome de PSD; considerando ainda que nem sequer os reputados politólogos de serviço ao comentário e ao bitaite avulso foram capazes de adiantar o mínimo argumento explicativo do fenómeno; relembrando que um ranhoso que é presidente da Câmara Municipal de Gaia, chamado Luís Filipe Meneses, se babou de gozo com uma piada parva sobre alunos e exames da Sorbonne (felizmente, desta vez não saiu a chorar depois de ter sido pateado e insultado pelos seus pares, a quem tinha acusado de serem liberais, sulistas e elitistas); tudo isto considerado, dizia eu, resolvi republicar um "post" anterior no qual adianto a minha própria teoria explicativa que, a julgar pelo modo como a gentalha laranja acanalhada se atira ao homem, ainda mantém a sua validade científica. Só mais uma nota: se Sócrates se tivesse abarbatado com um valente tacho, bem remunerado, com todos os luxos e mordomias subsequentes, tal como a canalha laranja está habituada a fazer depois de ter estado abancada durante décadas à mangedoura do Estado, beneficiando os amigos para ser depois beneficiada como pagamento pelo esforço desemvolvido na consciente delapidação dos recursos do Estado, em vez de se ter tornado um simples estudante em Paris, os canalhas laranjas lhe tivessem perdoado com o sorriso complacente que significa "Afinal, é um dos nossos..."
Um método muito, muito, perigoso
Não é Freud quem quer, mas quem pode. Ora, eu posso e quero ser o Dr. Freud durante um breve momento e psicanalisar a direita portuguesa. Dir-me-ão: qual a utilidade do exercício ? o que se poderá obter ao analisar a direita mais estúpida da Europa ? o que se alcançará penetrando nesse vazio insondável, nesse deserto sem fim, nessas catacumbas de inanidade ? Pois bem, a esses cépticos eu respondo : a resolução de um persistente enigma, enigma esse que me tem intrigado atrozmente e que passo a enunciar: qual a razão do ódio tenaz que essa gentalha tem votado a José Sócrates (ódio pessoal, não político, entenda-se bem) ? A recente onda de histeria que os agitou até à loucura depois da última aparição pública do recente estudante de Filosofia, onde tem ela a sua origem ? Finalmente, através de uma intuição muito poderosa, consegui chegar a uma resposta, a uma iluminação que estou pronto a partilhar com todos vós: não é o ódio que os agita, mas sim o amor, ou melhor, o desejo animal, primitivo, cavernícola. À menor menção do nome ou ao mais leve traço de aparição iconográfica de Sócrates, logo as hormonas de ministros e ministras, secretários e secretárias de estado, deputados, jotas e demais militantes do CDS e do PSD entram em feroz ebulição e, sem mesmo terem a coragem de o confessarem a si próprios, sentem-se completamente dominados pelo irreprimível desejo de lhe saltarem para cima, destroçarem-lhe as roupas e fornicarem com ele até se derreterem. O impulso masturbatório, logo satisfeito à socapa no recato dos gabinetes, ou na fundura macia dos estofos de couro dos Audi A7 (em Vespas não é possível) ou dos BMW de serviço, provoca-lhes um sentimento de culpa que nem a ida ao confessionário dos muito católicos poderá apaziguar. Nem ida ao confessionário, nem penitências, nem jejuns, nem mesmo a utilização de cilícios poderá apagar esse fogo que os consome e os não deixa sossegar. Só um acontecimento transcendente poderia, enfim, trazer-lhes a paz que agora não alcançam: depois de "comerem" metaforicamente o homem (fornicando-o até à morte) assarem-no lentamente numa grande fogueira e degustarem prazenteiramente o seu corpo, comendo-o agora literalmente, pedaço a pedaço (começando por aquele que todos nós sabemos), até nada restar da orgia canibal senão os corpos suados e lambuzados de sangue e vísceras, finalmente satisfeitos num último estremeção de prazer
Um método muito, muito, perigoso
Não é Freud quem quer, mas quem pode. Ora, eu posso e quero ser o Dr. Freud durante um breve momento e psicanalisar a direita portuguesa. Dir-me-ão: qual a utilidade do exercício ? o que se poderá obter ao analisar a direita mais estúpida da Europa ? o que se alcançará penetrando nesse vazio insondável, nesse deserto sem fim, nessas catacumbas de inanidade ? Pois bem, a esses cépticos eu respondo : a resolução de um persistente enigma, enigma esse que me tem intrigado atrozmente e que passo a enunciar: qual a razão do ódio tenaz que essa gentalha tem votado a José Sócrates (ódio pessoal, não político, entenda-se bem) ? A recente onda de histeria que os agitou até à loucura depois da última aparição pública do recente estudante de Filosofia, onde tem ela a sua origem ? Finalmente, através de uma intuição muito poderosa, consegui chegar a uma resposta, a uma iluminação que estou pronto a partilhar com todos vós: não é o ódio que os agita, mas sim o amor, ou melhor, o desejo animal, primitivo, cavernícola. À menor menção do nome ou ao mais leve traço de aparição iconográfica de Sócrates, logo as hormonas de ministros e ministras, secretários e secretárias de estado, deputados, jotas e demais militantes do CDS e do PSD entram em feroz ebulição e, sem mesmo terem a coragem de o confessarem a si próprios, sentem-se completamente dominados pelo irreprimível desejo de lhe saltarem para cima, destroçarem-lhe as roupas e fornicarem com ele até se derreterem. O impulso masturbatório, logo satisfeito à socapa no recato dos gabinetes, ou na fundura macia dos estofos de couro dos Audi A7 (em Vespas não é possível) ou dos BMW de serviço, provoca-lhes um sentimento de culpa que nem a ida ao confessionário dos muito católicos poderá apaziguar. Nem ida ao confessionário, nem penitências, nem jejuns, nem mesmo a utilização de cilícios poderá apagar esse fogo que os consome e os não deixa sossegar. Só um acontecimento transcendente poderia, enfim, trazer-lhes a paz que agora não alcançam: depois de "comerem" metaforicamente o homem (fornicando-o até à morte) assarem-no lentamente numa grande fogueira e degustarem prazenteiramente o seu corpo, comendo-o agora literalmente, pedaço a pedaço (começando por aquele que todos nós sabemos), até nada restar da orgia canibal senão os corpos suados e lambuzados de sangue e vísceras, finalmente satisfeitos num último estremeção de prazer
terça-feira, 27 de março de 2012
Valor e Coragem
Esta fotografia documenta um momento-chave nos acontecimentos do passado dia 22 de Março: o momento em que um valoroso e corajoso profissional da PSP agride à bastonada uma repórter fotográfica que, carregada de material fotográfico (o género de material que os desordeiros costumam levar para as manifestações e utilizar contra os agentes da polícia), representava uma grave ameaça para a ordem pública em geral e , em particular, para a segurança deste valente. Podemos dormir descansados, o fácies deste bravo é um símbolo da luta anti-crime levada até às últimas consequências: tanta ferocidade contra uma rapariga indefesa, uma mera jornalista no desempenho da sua profissão, podemos imaginá-la quando se tratar de enfrentar ladrões e outros criminosos: aqueles óculos escuros, aquele esgar de leão que solta as garras, aquele empenho em golpear empenhando todo o corpo, se algum forem empregues contra criminosos farão de Portugal o país mais seguro do Mundo.
Ironia à parte, devo dizer que este é um daqueles ranhosos que vi às dezenas quando fui instrutor nos Rangers: muito valentes contra os fracos; muita prosápia nos comboios e nos cafés, borravam-se todos quando tinham que se arriscar a sério, borregando que nem cachorrinhos perante o verdadeiro perigo e chamando pela mamã quando a coisa apertava. Este palerma é um sério candidato a uma comenda no próximo dia 10 de Junho ou, quem sabe, para "nouvel" detentor da gloriosa Torre e Espada.
segunda-feira, 26 de março de 2012
sábado, 24 de março de 2012
sexta-feira, 23 de março de 2012
RESISTÊNCIA – 20 ANOS DEPOIS
A Resistência existe muito aquém do lugar das estrelas,
Muito longe delas…
Cantará sempre…e os sons
Elevar-se-ão aos céus.
Em Lisboa
E as guitarras tocarão para sempre.
Pedro Ayres de Magalhães in “Mano a Mano”, 1992
No final de 1991, uma improvável junção de músicos de várias proveniências, apresenta-se pela primeira vez ao vivo no teatro S. Luiz em Lisboa.” Improvável”, porque elementos de bandas que à primeira vista nada tinham de comum (Tim /Xutos & Pontapés, Miguel Ângelo e Fernando Cunha / Delfins, Pedro Ayres de Magalhães (ex Heróis do Mar e Madre Deus) e Olavo Bilac (Santos e Pecadores), e ainda Fernando Júdice e José Salgueiro (recém-saídos dos Trovante), Alexandre Frazão, Fredo Mergner e Rui Luís Pereira, se envolveram num projecto comum que, ao recuperar temas antigos numa roupagem acústica, quase folk, dava prioridade aos poemas. Cantando as palavras desta nova forma, foi possível trazer ao conhecimento do grande público, alguns temas que haviam passado despercebidos em versão rock na década anterior. A adesão foi praticamente total e imediata e, dessa forma, temas como “Não Sou o Único”e “Nasce Selvagem” transformam-se, com a nova proposta, em hinos de uma geração, de um tempo prodigiosamente criativo.
Para além dos dois álbuns publicados com enorme sucesso de vendas, e aqui reeditados nesta edição comemorativa (“Palavras ao Vento” e Mano a Mano”), ficam para a memória os concertos ao vivo. Para além do já referido concerto de apresentação no teatro s. Luiz, há a destacar o do Armazém 22 em 1992, dando este último um álbum ao vivo. Destaca-se ainda a participação dos “Resistência” no concerto “Portugal ao Vivo” no estádio de Alvalade, onde cerca de 50 mil pessoas celebraram várias bandas e muitas das canções que os “Resistência” também cantavam.
Durando pouco mais de dois anos, o projecto “Resistência” serviu de catálogo do cancioneiro disperso de uma década, mas foi também a marca vincada de uma geração que encontrou na música o seu mais alto e mais significativo elemento de expressão. Assim como um marcador no livro da História. A junção e solidariedade entre várias tendências, provou que era possível ultrapassar o egoísmo sectário de uma sociedade dividida por partidos e construir o futuro. Uma geração que entrou em cena tão depressa como saiu, esquecida dos discursos oficiais do poder.
A celebração dos 20 anos deste projecto musical é uma maneira de celebrar um tempo e uma geração, uma maneira de manter a tocar as guitarras eternas que subiram aos céus…
Artur
quinta-feira, 22 de março de 2012
quarta-feira, 21 de março de 2012
terça-feira, 20 de março de 2012
INQUIETUDE ABSOLUTA
FLORBELA
Vicente Alves do Ó
Portugal, 2012
Uma existência meteórica e repleta de acontecimentos extraordinariamente profundos a todos os níveis. Uma carreira literária que, não só marca definitivamente a sua época como deixa um rasto de influência, uma porta aberta ao trabalho das gerações que se lhe seguem. Uma mulher apaixonada até ao último suspiro, que nunca desistiu de procurar o Amor, dentro de si ou na vida à sua volta. Uma alentejana que fez da paixão a substância e que tudo sacrificou por ela…mesmo a sua própria existência.
Por todas as razões apresentadas, e por muitas mais de que não me consegui lembrar, era urgente uma referência a Florbela Espanca (1894 – 1930) no cinema português. Ela apareceu finalmente pela mão de Vicente Alves do Ó, essencialmente inspirado na correspondência da poetisa. Diga-se já, antes de mais nada, que filmar a vida de um escritor ou de um poeta está longe de ser uma tarefa fácil. A linguagem literária pouco ou nada tem a ver com a linguagem visual, e esse é o grande desafio do argumentista/cineasta: fazer a tradução das palavras, do discurso literário para a evidência das imagens. E FLORBELA não é definitivamente um filme fácil. Nem todos se rendem de imediato ao correr das imagens. E principalmente por se tratar de um filme que paira sobre um estado de espírito, deixando a narrativa correr de forma irregular. A “história” é um elemento que entra e sai do filme mas que não está lá de forma efectiva. Trata-se de uma espécie de complemento que reforça e ajuda a transcrever ou a traduzir o discurso emocional.
Voltando ao concreto, vamos encontrar a poetisa numa fase da sua vida em que se separa do seu segundo marido e se aproxima do terceiro. De imediato ficamos com o quadro completo, no que à estabilidade emocional diz respeito. Florbela assume o seu terceiro casamento em conflito com a família directa, que não lhe perdoa os dois divórcios consecutivos. Mas a normalidade não lhe serve em nenhuma circunstância. Antes a afasta da capacidade criativa, que se encolhe ao ritmo da rotina e de um quotidiano previsível. A licença do irmão em Lisboa serve-lhe de desculpa para sair de Matosinhos e de gatilho libertador. Com Apeles, piloto da aviação naval, Florbela volta ao centro da vida, às festas, aos amigos que anseiam por novos sonetos, ao excesso, ao devorar da vida.
Nessa vontade absoluta de provar todos os sabores da vida, tudo se manifesta no seu sinal mais elevado, seja bom ou mau. Na poesia reflecte-se a feminilidade e o erotismo envolventes, a paixão, o desassossego permanente. Mas, por outro lado, a vida tumultuosa e excessiva conduz também à insatisfação permanente, a um quadro depressivo profundo. A infância e os tempos felizes que passou com o irmão, não voltam. E mesmo esse tempo de aparente felicidade fica manchado pela situação familiar irregular em que nasceu. Florbela e o seu irmão (três anos mais novo) são filhos do seu pai e de uma mulher de classe humilde (Antónia da Conceição Lobo). A mulher de João Maria Espanca, Maria do Carmo Toscano, não podia ter filhos. João Maria registou os filhos como ilegítimos de pai incógnito. Só viria a reconhecer Florbela como sua filha em cartório notarial, dezoito anos após a sua morte. Com este ponto de partida a vida de Florbela tem todos os ingredientes necessários para uma terrível instabilidade emocional. Uma instabilidade que, ao se acrescentar as diversas tragédias (aborto espontâneo, insuficiência pulmonar, três casamentos, a morte do irmão), lhe vão inscrevendo um quadro depressivo cada vez mais dramático que culminará no dia do seu 36º aniversário, à terceira tentativa de suicídio.
O filme paira, como dissemos, sobre um estado de espírito, uma época específica da vida da poetisa. Que parte do fim do seu segundo casamento e termina com o acidente fatal do irmão. Não se centra, a não ser acidentalmente, na sua obra. Para entrar no filme é necessário (exige-se?) alguma cumplicidade prévia, isto é, estar minimamente familiarizado com a vida e a obra da poetisa. Uma opção corajosa que, quanto a mim, correu bem.
Por fim, FLORBELA é um filme de actores, assente numa trilogia fortíssima de expressão (Dalila Carmo, Ivo Canelas e Albano Jerónimo) que resulta em pleno. Qualquer um dos personagens sabe gerir muito bem os espaços sem palavras, trabalhando a expressão e a postura de uma forma não só cúmplice como absoluta.
Veja-se, a este respeito, a cena das fotografias ao pé do hidroavião, entre os dois irmãos.
Um filme a princípio estranho, escondido nos seus próprios segredos, que se deixa ir revelando ao sabor das emoções e estados de alma. A narrativa aparece apenas de vez em quando, para nos guiar por esses caminhos.
Artur
segunda-feira, 19 de março de 2012
sábado, 17 de março de 2012
sexta-feira, 16 de março de 2012
quarta-feira, 14 de março de 2012
NAMÍBIA
domingo, 11 de março de 2012
EUFORIA DO VAZIO
Cheguei ao fim. Finalmente terminei um trabalho longo de anos, um labirinto repleto de alçapões e fundos falsos, paredes duplas e muita informação. Acabei o meu último romance e o estado de espírito imediato é de euforia e imenso vazio. Sensações que nada têm de original, antes já foram repetidas centenas de vezes por centenas de autores antes de mim. Caguei. Neste momento está para inventar aquilo que me conseguirá chatear durante alguns dias. Acabada a última página dá-se o nascimento e a imediata partida para a vida. Agora já não é comigo, é com ele. Agora será ele a tentar convencer editores, a cativar leitores, a cavar o seu próprio espaço no mundo. Em mim ficaram as noites, os personagens e os espaços que me acompanharam durante cerca de mais de dez anos. As memórias do processo em construção, desta vez muito semelhante a um filme. Por se tratar de uma reconstituição histórica foi preciso escolher e montar os cenários, escolher locais de filmagem, contratar actores e figurantes, etc.
Vários personagens, muitos personagens, também não ajudam a despachar a narrativa. Uma vez inventados (invocados?) querem todos contar a sua história, falam ao mesmo tempo numa algazarra que não deixa espaço para pensar. No fim, vai ser deles de quem eu vou sentir mais falta. Muitas vezes o romance não avançava e eu não conseguia perceber porquê. Como se o produtor de repente tivesse parado o financiamento. A equipa ter que ir em desespero à procura de outra fonte. Mas não. Percebi tempos depois. A minha falta de imaginação ou inércia criativa, a minha falta de vontade de continuar tinha apenas uma razão de ser. Habituei-me à companhia destas criaturas, da sua indisciplina coloquial, apaixonei-me por elas. Não queria pensar que um dia teria que me despedir deles. São seres comuns apanhados numa esquina da História, que tentaram viver, mais nada. Foram vítimas e carrascos ao mesmo tempo. Foram inocentes e culpados. E foram, acima de tudo, seres extraordinários que passaram pelas margens da sociedade com a alegria de quem quer ser sempre livre, fiel a si próprio.
Fui-me despedindo deles, um a um. Espero sinceramente ter conseguido traduzir a maior parte das suas histórias, já que não estão inscritas em nenhum compêndio de História. É para isso que servem os romances. Para contar histórias extraordinárias acerca de pessoas comuns. Neste caso em Lisboa nos anos 20, na euforia da República, poucos anos antes de se instalar a ditadura.
Estou satisfeito e aliviado. Não me apetece pensar em mais nada por agora. Para a semana começará a fase dos registos e da solicitação aos editores. Hoje janto com estes seres fantásticos que me acompanharam durante anos. Despeço-me deles com a certeza de que nos voltaremos a ver. Com a certeza de que um dia serei um deles. Um ser suspenso, pronto a ir ter com o narrador que me quiser ouvir. A tentar falar mais alto que os outros ou a querer contar a minha história com todos os detalhes. Até lá, vou continuar deste lado a fazer aquilo que mais gosto de fazer, que é contar histórias. Hoje acabei um romance, amanhã posso morrer em paz.
Artur
Vários personagens, muitos personagens, também não ajudam a despachar a narrativa. Uma vez inventados (invocados?) querem todos contar a sua história, falam ao mesmo tempo numa algazarra que não deixa espaço para pensar. No fim, vai ser deles de quem eu vou sentir mais falta. Muitas vezes o romance não avançava e eu não conseguia perceber porquê. Como se o produtor de repente tivesse parado o financiamento. A equipa ter que ir em desespero à procura de outra fonte. Mas não. Percebi tempos depois. A minha falta de imaginação ou inércia criativa, a minha falta de vontade de continuar tinha apenas uma razão de ser. Habituei-me à companhia destas criaturas, da sua indisciplina coloquial, apaixonei-me por elas. Não queria pensar que um dia teria que me despedir deles. São seres comuns apanhados numa esquina da História, que tentaram viver, mais nada. Foram vítimas e carrascos ao mesmo tempo. Foram inocentes e culpados. E foram, acima de tudo, seres extraordinários que passaram pelas margens da sociedade com a alegria de quem quer ser sempre livre, fiel a si próprio.
Fui-me despedindo deles, um a um. Espero sinceramente ter conseguido traduzir a maior parte das suas histórias, já que não estão inscritas em nenhum compêndio de História. É para isso que servem os romances. Para contar histórias extraordinárias acerca de pessoas comuns. Neste caso em Lisboa nos anos 20, na euforia da República, poucos anos antes de se instalar a ditadura.
Estou satisfeito e aliviado. Não me apetece pensar em mais nada por agora. Para a semana começará a fase dos registos e da solicitação aos editores. Hoje janto com estes seres fantásticos que me acompanharam durante anos. Despeço-me deles com a certeza de que nos voltaremos a ver. Com a certeza de que um dia serei um deles. Um ser suspenso, pronto a ir ter com o narrador que me quiser ouvir. A tentar falar mais alto que os outros ou a querer contar a minha história com todos os detalhes. Até lá, vou continuar deste lado a fazer aquilo que mais gosto de fazer, que é contar histórias. Hoje acabei um romance, amanhã posso morrer em paz.
Artur
sábado, 10 de março de 2012
sexta-feira, 2 de março de 2012
O SONHO SEGUNDO SCORSESE
A INVENÇÃO DE HUGO
Martin Scorsese
EUA, 2011
Através de um plano sequência aéreo sobre os céus de Paris do princípio do séc. XX, vamos dar a uma pequena janela que é afinal um espaço aberto na estrutura de um grande relógio numa estação ferroviária. Atrás dessa janela, um jovem vai observando a vida na grande estação. O policia, acompanhado da estrutura metálica e guinchadora que lhe segura a perna, mais o doberman especializado em encontrar órfãos e vagabundos em geral, a rapariga das flores, alvo desajeitado do seu coração, o homem do quiosque dos jornais e a senhora do café com o seu “lulu” idiota que o mantém à distância, e por fim, o sr. Méliès, dono da loja de brinquedos. Do lado de dentro do relógio, ou do tempo, está Hugo, um órfão que habita clandestinamente os interiores da estação e que, substituindo um tio desaparecido, mantém a estrutura interna dos relógios em funcionamento. O seu maior sonho no entanto, é conseguir pôr em funcionamento um autómato, única herança do pai, tendo para tal que roubar artigos e peças da loja do sr. Méliès.
Adaptado do livro “A Invenção de Hugo Cabret”, escrito e ilustrado por Brian Selznick (2007), o filme realizado por Scorsese marca a estreia do realizador no formato 3D. Um trabalho seguro, muito bem montado, onde a realidade e o sonho se cruzam frequentemente, como anónimos cidadãos numa estação de caminho de ferro. Scorsese regressa ao essencial do cinema, uma reconstrução de um mundo, um convite ao sonho, um percurso agradável na mais nobre dimensão da Sétima Arte. A capacidade de utilização da realidade para o fabrico da fantasia, da realidade cinematográfica enquanto unidade independente. E, acima de tudo, uma homenagem incontornável a uma das mais importantes referências dos primórdios do Cinema, o homem que inventou praticamente tudo, George Méliès.
(George Méliès)
George Méliès (1861 – 1938), passagem obrigatória de qualquer manual básico acerca da História do Cinema, inventa praticamente tudo o que era possível inventar no seu tempo. Desde ser o primeiro a conceber filmes de enredo, até utilizar a exposição múltipla de negativos, passando pela coloração de fotogramas, primeiro a usar o “storyboard” como instrumento de trabalho, a elaborar “sketches”, Méliès deixou um contributo impressionante que as novas gerações de cineastas e teóricos de cinema souberam aproveitar e valorizar nas suas actividades. Proprietário de um teatro em Paris onde trabalhava como ilusionista, Méliès tem o seu primeiro contacto com as imagens em movimento ao assistir a uma sessão dos irmãos Lumiére numa feira. A partir desse momento, o seu fascínio e dedicação pela nova arte vai determinar todo o resto da sua existência. Tenta comprar uma das câmaras dos irmãos Lumiére por dez mil francos, mas sem êxito. Em alternativa vai a Londres onde adquire vários filmes e um Animatógrafo (um projector inventado por Robert W. Paul), que era essencialmente uma cópia do Kinetógrafo de Thomas Edison. A partir de Abril de 1896, o teatro Robert- Houdin passava a exibir filmes diariamente. Méliès utiliza o Animatógrafo como referência para construir uma câmara de filmar com a ajuda dos técnicos Korsten e Reulos. Em Maio de 1896, começava a rodar os seus primeiros filmes, uma actividade intensa que, até 1913 contará com mais de 500 títulos. No início os filmes de Méliès são apenas repetições do que já existia e, essencialmente havia sido feito pelos irmãos Lumiére, ou seja reproduções do quotidiano, como a saída dos operários da fábrica ou a chegada de um comboio a uma estação (sessão recriada no filme de Scorsese). Em 1897 com o evoluir da tecnologia, surgem melhores e mais sofisticados modelos de câmaras produzidos pela Gaumont, Lumiére e Pathé. Méliès abandona o seu protótipo e adquire as novas tecnologias. Assim que começa a sua actividade, inicia também a construção dos seus próprios estúdios em Montreuil , uma propriedade sua nos arredores de Paris. Méliès vai agora passar os próximos anos entre os espectáculos e as exibições cinematográficas no teatro e a rodagem dos filmes no seu estúdio.
(o estúdio de Méliès, todo em vidro para melhor aproveitamento da luz solar)
Uma actividade alucinante onde aborda praticamente todos os géneros possíveis na época ao mesmo tempo que desenvolve uma série de técnicas para “rentabilizar” as possibilidades expressivas da nova arte. E é neste contexto que se considera Georges Méliès o pai dos efeitos especiais. Um estado de graça que começará a entrar em declínio por volta de 1907. Os filmes começam a não provocar no público o impacto de outros tempos, essencialmente pela repetição de fórmulas antigas e pela falta de adaptação às novas tendências da produção, cada vez mais industrializada. As dívidas acumulam-se. O monopólio de Edison, criador da Motion Pictures Patents Company, a que os estúdios de Méliès aderiram, revela-se implacável. A Star Film Company adere ao conglomerado e fica obrigada a produzir mil pés de película por semana, o que deu cerca de 68 filmes no espaço de um ano. Em 1909 Méliès deixa de fazer filmes e cai no anonimato aprofundado pelos acontecimentos da época como a Grande Guerra, as novas tecnologias, as novas exigências do público. No entanto, a partir do início dos anos 20, estudiosos do fenómeno fílmico e novos realizadores voltam a procurá-lo e a reconsiderar a qualidade da sua obra. Em 1931, Méliès recebe a “Legião de Honra”, e alguns anos depois torna-se conservador da “Cinema Sociétè de Films”, uma pré cinemateca francesa onde se conseguiram guardar ainda perto de uma centena de filmes seus, recuperados e restaurados. Méliès vem a morrer de cancro em 1938.
Muitos dos aspectos biográficos de Méliès estão referidos no filme, sendo este essencialmente passado na fase final em que o cineasta volta a ser “recuperado” e reconhecido pelos seus pares. Os planos do autómato encontrados na mão de Hugo servem de rastilho para o resto. De facto, Méliès inventou vários autómatos nas suas produções.
Scorsese salta de forma elegante a parte do monopólio e da pressão industrial americana de Edison , neste caso da MPPC, para se concentrar na parte positiva do contributo de um dos maiores e mais importantes pioneiros no que ao cinema diz respeito. Homenageando Méliès, homenageia o Cinema, a sua capacidade de reinventar, de criar a sua própria expressão num espaço onde convive sonho, fantasia e realidade. Destaque para, além do plano-sequência inicial já referido, para o pesadelo de Hugo quando se vê nos trilhos da linha férrea e com um comboio que corre na sua direcção, que depois acaba por rasgar literalmente a estação. A sequência dos sonhos dessa noite que passa pelo desaparecimento do relógio de bolso pendurado num prego da sua habitação improvisada. A ténue fronteira entre mundos, a capacidade de conseguir encontrar um propósito nessa terra de ninguém, a interpenetração da realidade e da fantasia, tudo isso é obra do Cinema. Um mundo com lógica própria, autónomo de organização e de expressão, um mundo que utiliza a observação, a realidade e a imaginação para construir novos mundos, novas possibilidades. Assim seja.
Artur
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