segunda-feira, 25 de novembro de 2013
O MITO DE SÍSIFO
De acordo com Homero, Sísifo era o mais ajuizado e o mais prudente dos mortais se bem que noutra interpretação tinha tendências para a profissão de bandido. São contraditórias as versões acerca dos motivos que lhe valeram ser o trabalhador inútil dos infernos. Homero diz-nos que Sísifo acorrentou a Morte o que causou grande inquietação a Plutão que não suportou ver o seu império deserto e silencioso. Para resolver o problema enviou Marte que soltou a Morte das mãos do seu vencedor. Quando Sísifo estava quase a morrer pediu á mulher que lançasse o seu corpo sem sepultura no meio da praça pública. Uma vez chegado aos infernos e irritado com uma obediência tão contrária ao amor humano, obteve de Platão permissão para voltar á terra e castigar a mulher garantindo regressar assim que terminasse a tarefa. Mas, uma vez regressado, Sísifo sentiu-se inebriado ao rever o mar a água e o Sol. Apesar dos avisos e da insistência dos deuses para que regressasse ainda conseguiu viver na terra por alguns anos. Mercúrio acabou por vir buscá-lo. Pela sua desobediência os deuses condenaram Sísifo a empurrar sem descanso uma pedra até ao cume de uma montanha. Chegado lá acima a pedra cairia invariavelmente obrigando-o a regressar e a repetir tudo outra vez. Para os deuses não havia castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.
Este é em traços gerais o retrato do herói absurdo. “O seu desprezo pelos deuses, o seu ódio à morte e a sua paixão pela vida valeram-lhe esse suplício indizível em que o seu ser se emprega em nada terminar”. (*)
Albert Camus inicia o seu ensaio “O Mito de Sísifo” com uma questão única. O único problema filosófico verdadeiramente sério é o do suicídio. Descrevendo o absurdo e o seu herói, Camus descreve um mal do espírito sem querer recorrer à metafísica. O absurdo nasce do confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo. Mergulhando a vida num absoluto absurdo, tornando irracional a condição humana, o conceito de suicídio tem que ser afastado na medida em que só poderá destruir a sua vida quem ainda acredita nela. Quem não acredita, continua. E essa continuidade, essa persistência onde se procura erigir a criação, a acção, o corpo, a ternura a nobreza humana, servirá de contraponto à falta de sentido, ao irracionalismo, enfim, ao absurdo.
Socorrendo-se de vários autores, onde se destacam Dostoyevski e Kafka, há também espaço para Melville e a sua personagem central, o capitão Ahab, cujo combate sem esperança de capturar a baleia o tornam parente chegado de Sísifo. “Moby Dick” é pois o primeiro título citado como exemplo de uma obra verdadeiramente absurda”.
Mas Camus dá exemplos de mais homens absurdos. D. Juan, o conquistador, Kirilov e o “suicídio lógico” em “Os Possessos” de Dostoyevski, Kafka e a sua obra.
As ideias místicas são tão legítimas para Camus como qualquer outra atitude mental se bem que o absurdo nele nunca o leve até Deus. Trata-se de um conceito que lhe está vedado conhecer não perdendo tempo a afirmar ou a negar algo que não pode alcançar. A vida não precisa de sentido para ser vivida. O problema da Liberdade também não lhe interessa por conduzir igualmente a Deus. A única realidade é a morte e um homem não é mais do que os objectivos que estão dentro dele. Por isso há que viver ao limite, não o melhor possível mas o máximo possível, acumular o maior número de experiências. O eterno e o divino são as cortinas que ocultam o absurdo. “Este mundo, absurdo e sem Deus, povoa-se de homens que pensam claramente e que nada esperam”. Não há actos culposos, apenas responsáveis. O carácter representativo da existência é esgotar a vida, multiplicar as várias personagens de um só corpo e, por fim, sobreviver o mais tempo que se puder.
A obra de Camus no seu início é considerada um racionalismo do irracional, uma filosofia sombria acerca da luz, como a caracterizou Emmanuel Mounier.
Artur
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