quinta-feira, 7 de novembro de 2013

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE ALBERT CAMUS




No dia 7 de Novembro de 1913, Albert Camus nasce em Mondovi, Argélia francesa, no seio de uma humilde família pied-noir. O pai ( Lucien Camus), morto na batalha do Marne durante a I Guerra Mundial era descendente de uma família francesa oriunda de Bordéus que compunha um primeiro grupo de colonos a estabelecer-se na Argélia. A mãe, meio surda, pertencia a uma família de ascendência espanhola (os Sintés) vinda de Minorca. Com a partida do pai para a guerra a família muda-se com o irmão e a mãe para a casa da avó materna em Argel onde, no espaço de três divisões sem água corrente nem electricidade, viviam mais dois irmãos de Catherine Camus.

Graças aos esforços de dois professores decisivos na sua existência, Albert Camus consegue escapar a uma vida de pobreza e desse modo contrariar a sina das suas modestas origens. Durante a escola primária é o seu professor Louis Germain que lhe reconhece capacidades para continuar os seus estudos liceais, fazendo-o trabalhar horas extras contrariando a orientação da avó que o queria a trabalhar o mais cedo possível. Em 1923 Camus é admitido no liceu onde tem consciência pela primeira vez do seu estatuto de pobreza. Até aí (escola primária) eram todos pobres, portanto não havia termos de comparação. Em 1930, já na Universidade de Argel, o jovem estudante de Filosofia vê-se confrontado com outro elemento trágico na sua curta vida. No hospital Mustapha (“o hospital de um bairro pobre”) é-lhe diagnosticada uma tuberculose pulmonar. Esta doença, que na época significava uma inequívoca ameaça de morte obrigá-lo-á a desistir de uma actividade que praticava com paixão, o futebol. De facto, e até ao fim da sua vida, Albert Camus será sempre um fervoroso adepto do Racing Universitaire de Argel, onde era guarda-redes. O futebol ficará sempre guardado num lugar especial do seu coração.Nesse mesmo ano prepara a licença em Filosofia, com Jean Grenier, uma personalidade absolutamente decisiva na sua vida: faz-lhe descobrir Friedrich Nietzsche. Permanecerá para sempre fiel a esse homem e aos seus ensinamentos.

A miséria que acompanha os seus primeiros passos associada à aparição prematura da ideia de morte na sua vida condicionarão definitivamente a construção da sua obra futura. Pela miséria identificam-se as dimensões e os desequilíbrios que o poder causa nas sociedades bem como a enorme injustiça que as constrói. Revoltado e incapaz de aceitar esta perversão da condição humana encontra o nihilismo. Talvez por ser oriundo de um mundo humilde e ter conseguido o acesso à instrução e á cultura após enorme esforço pessoal não se contenta em ser um artista Procura fazer do mundo uma visão coerente onde se poderá inscrever alguma regra de vida, uma moral. Se numa primeira análise é levado a descobrir o conceito do “absurdo”, esse é apenas um ponto de partida para encontrar uma saída, um caminho que o conduzirá através da revolta e do amor.

Ameaçado de morte em plena juventude eis outra poderosa manifestação do conceito de “absurdo”, um dos mais importantes a desenvolver no início da sua obra.

   Quando recebe o Prémio Nobel de Literatura (1957) Camus explica a estrutura da sua obra.


    “ Tinha um plano preciso quando comecei a minha obra: em primeiro lugar queria exprimir a negação sob três formatos. Romanesco ( “O Estrangeiro”) ; Dramatúrgico (“Calígula”, “O Equívoco”); Ideológico (“O Mito de Sísifo”). Em seguida antevia o aspecto positivo ainda sob três formatos: Romanesco (“A Peste”) ; Dramatúrgico (“Estado de Sítio” , “Les Justes”); Ideológico (“O Homem Revoltado”). Antevejo uma terceira fase em torno do tema do amor.”




A POLÍTICA


Em termos políticos ou de carreira política Camus milita várias propostas de esquerda, propostas essas que nunca o conseguirão preencher na totalidade espalhando críticas e coleccionando dissabores nessa mesma esquerda. Desde a sua ambígua posição em relação à independência da Argélia até às ferozes críticas ao regime soviético Camus manteve-se unicamente fiel a si mesmo, alheio a modas ou conjunturas. Em 1935 inscreve-se no PC francês vendo nele um meio de “sanar as desigualdades entre europeus e nativos argelinos”. Nunca se afirmando marxista nem que tivesse lido “Das Kapital” não deixava de se sentir entusiasmado pelas possibilidades abertas pelo movimento comunista à Humanidade. Em 1936 é fundado o Partido Comunista Argelino. Camus colabora nas actividades do Parti du Peuple Algérien valendo-lhe desentendimentos e desaprovação dos seus camaradas comunistas. Na sequência dessa atitude em 1937 é denunciado como trotskista e expulso do patido. A partir daí Camus vai-se aproximar do movimento anarquista francês. Escreve para publicações anarquistas como Le Libertaire, La révolution Proletarienne e Solidariedad Obrera ( da central sindical CNT).  Aliou-se aos anarquistas no apoio aos levantamentos na Alemanha Oriental em 53, em 56 na Polónia e, nesse mesmo ano, solidarizando-se com a revolução na Hungria.

Em relação à guerra da Argélia (54) as suas posições, entendidas como demasiado ambíguas, mais não faziam do que revestir um dilema moral. Camus era favorável a uma autonomia do território defendendo que os que nasceram na Argélia, independentemente das suas origens, deveriam viver e ser livres na sua terra. Chega a defender as acções do governo francês contra a revolta argumentando que o levantamento argelino era parte de uma nova “espécie de imperialismo” liderado pelo Egipto na sequência de uma ofensiva soviética para cercar a Europa e isolar os Estados Unidos.

Durante toda a sua vida Camus foi um forte opositor a todo o tipo de totalitarismo. Sempre activo com a Resistência Francesa durante a ocupação alemã, dirigindo o jornal Combat , é também um dos primeiros a condenar a os excessos da vitória sobre os colaboradores, opondo-se de forma absoluta tanto à intolerância como à pena de morte. É na sequência desta oposição absoluta a todo o tipo de totalitarismo que ocorre a ruptura com Sartre, adepto de um marxismo radical aplicado pela “política das massas”.

Em parte explica a sua posição ao longo do ensaio sobre a Liberdade e a Revolta n’ “O Homem Revoltado”, uma enorme interrogação à “política revolucionária de massas” e uma crítica a um regime soviético totalitário, um estado policial e repressivo.


LITERATURA


Entre o escritor que pensava e o pensador que escrevia, Albert Camus desenvolve uma obra literária privilegiando a criação ao ensaio, o romance ao tratado de filosofia, optando por alargar o seu trabalho ao maior numero de homens em vez de um circulo restrito e académico de interlocutores. Enquanto escrevia a sua tese acerca de Platão e Santo Agostinho, Camus acusou o fascínio e a influência do trabalho destes dois filósofos na sua obra. No seu livro “Confissões”, Santo Agostinho desenvolve a ideia de uma ligação entre Deus e o resto do mundo. Camus defendia que a experiência pessoal do indivíduo poderia tornar-se um ponto de referência para os escritos filosóficos e literários. Mais tarde concluiria que a ausência de crença religiosa pode ser acompanhada pelo desejo de “salvação e significado”. Esta linha de pensamento criava um paradoxo tornando-se uma ameaça para o conceito de “absurdo” na obra de Camus.

O Prémio Nobel de Literatura é-lhe atribuído no ano de 1957 pela “sua importante produção literária que, com grande lucidez, aborda os problemas contemporâneos da consciência humana, bem como pelos escritos contra a pena de morte (“Reflexões Sobre a Guilhotina”) “


A 4 de Janeiro de 1960 Albert Camus e o seu amigo e editor Michel Gallimard morrem num acidente de viação. Após a sua morte foram publicados dois títulos ( “A Morte Feliz” e “O Primeiro Homem”)


Falar da obra de Albert Camus é tentar compreender e sistematizar o pensamento de um dos mais importantes pensadores/escritores da segunda metade do século XX. Ao comemorarmos o centenário do seu nascimento, iremos ao longo deste mês publicar vários textos sobre a sua obra. Mais do que comemorar interessa-nos sobretudo divulgar e debater quais foram as suas influências nos dias de hoje. Obrigado a todos aqueles que quiserem participar ou simplesmente conversar connosco.


Artur  







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