No dia 7 de Novembro de 1913,
Albert Camus nasce em Mondovi, Argélia francesa, no seio de uma humilde família
pied-noir. O pai ( Lucien Camus),
morto na batalha do Marne durante a I Guerra Mundial era descendente de uma
família francesa oriunda de Bordéus que compunha um primeiro grupo de colonos a
estabelecer-se na Argélia. A mãe, meio surda, pertencia a uma família de
ascendência espanhola (os Sintés) vinda de Minorca. Com a partida do pai para a
guerra a família muda-se com o irmão e a mãe para a casa da avó materna em
Argel onde, no espaço de três divisões sem água corrente nem electricidade,
viviam mais dois irmãos de Catherine Camus.
Graças aos esforços de dois
professores decisivos na sua existência, Albert Camus consegue escapar a uma
vida de pobreza e desse modo contrariar a sina das suas modestas origens.
Durante a escola primária é o seu professor Louis Germain que lhe reconhece
capacidades para continuar os seus estudos liceais, fazendo-o trabalhar horas extras
contrariando a orientação da avó que o queria a trabalhar o mais cedo possível.
Em 1923 Camus é admitido no liceu onde tem consciência pela primeira vez do seu
estatuto de pobreza. Até aí (escola primária) eram todos pobres, portanto não
havia termos de comparação. Em 1930, já na Universidade de Argel, o jovem
estudante de Filosofia vê-se confrontado com outro elemento trágico na sua
curta vida. No hospital Mustapha (“o hospital de um bairro pobre”) é-lhe
diagnosticada uma tuberculose pulmonar. Esta doença, que na época significava
uma inequívoca ameaça de morte obrigá-lo-á a desistir de uma actividade que
praticava com paixão, o futebol. De facto, e até ao fim da sua vida, Albert
Camus será sempre um fervoroso adepto do Racing Universitaire de Argel, onde
era guarda-redes. O futebol ficará sempre guardado num lugar especial do seu
coração.Nesse mesmo ano
prepara a licença em Filosofia, com Jean Grenier, uma personalidade
absolutamente decisiva na sua vida: faz-lhe descobrir Friedrich Nietzsche.
Permanecerá para sempre fiel a esse homem e aos seus ensinamentos.
A miséria que acompanha os seus
primeiros passos associada à aparição prematura da ideia de morte na sua vida
condicionarão definitivamente a construção da sua obra futura. Pela miséria
identificam-se as dimensões e os desequilíbrios que o poder causa nas
sociedades bem como a enorme injustiça que as constrói. Revoltado e incapaz de
aceitar esta perversão da condição humana encontra o nihilismo. Talvez por ser
oriundo de um mundo humilde e ter conseguido o acesso à instrução e á cultura
após enorme esforço pessoal não se contenta em ser um artista Procura fazer do
mundo uma visão coerente onde se poderá inscrever alguma regra de vida, uma
moral. Se numa primeira análise é levado a descobrir o conceito do “absurdo”,
esse é apenas um ponto de partida para encontrar uma saída, um caminho que o
conduzirá através da revolta e do amor.
Ameaçado de morte em plena
juventude eis outra poderosa manifestação do conceito de “absurdo”, um dos mais
importantes a desenvolver no início da sua obra.
Quando recebe o Prémio Nobel de Literatura (1957) Camus explica a
estrutura da sua obra.
“ Tinha um plano preciso
quando comecei a minha obra: em primeiro lugar queria exprimir a negação sob
três formatos. Romanesco ( “O Estrangeiro”) ; Dramatúrgico (“Calígula”, “O
Equívoco”); Ideológico (“O Mito de Sísifo”). Em seguida antevia o aspecto
positivo ainda sob três formatos: Romanesco (“A Peste”) ; Dramatúrgico (“Estado
de Sítio” , “Les Justes”); Ideológico (“O Homem Revoltado”). Antevejo uma
terceira fase em torno do tema do amor.”
A POLÍTICA
Em termos políticos ou de
carreira política Camus milita várias propostas de esquerda, propostas essas
que nunca o conseguirão preencher na totalidade espalhando críticas e
coleccionando dissabores nessa mesma esquerda. Desde a sua ambígua posição em
relação à independência da Argélia até às ferozes críticas ao regime soviético
Camus manteve-se unicamente fiel a si mesmo, alheio a modas ou conjunturas. Em
1935 inscreve-se no PC francês vendo nele um meio de “sanar as desigualdades
entre europeus e nativos argelinos”. Nunca se afirmando marxista nem que
tivesse lido “Das Kapital” não deixava de se sentir entusiasmado pelas
possibilidades abertas pelo movimento comunista à Humanidade. Em 1936 é fundado
o Partido Comunista Argelino. Camus colabora nas actividades do Parti du Peuple
Algérien valendo-lhe desentendimentos e desaprovação dos seus camaradas
comunistas. Na sequência dessa atitude em 1937 é denunciado como trotskista e
expulso do patido. A partir daí Camus vai-se aproximar do movimento anarquista
francês. Escreve para publicações anarquistas como Le Libertaire, La révolution
Proletarienne e Solidariedad Obrera
( da central sindical CNT). Aliou-se aos
anarquistas no apoio aos levantamentos na Alemanha Oriental em 53, em 56 na
Polónia e, nesse mesmo ano, solidarizando-se com a revolução na Hungria.
Em relação à guerra da Argélia
(54) as suas posições, entendidas como demasiado ambíguas, mais não faziam do
que revestir um dilema moral. Camus era favorável a uma autonomia do território
defendendo que os que nasceram na Argélia, independentemente das suas origens,
deveriam viver e ser livres na sua terra. Chega a defender as acções do governo
francês contra a revolta argumentando que o levantamento argelino era parte de
uma nova “espécie de imperialismo” liderado pelo Egipto na sequência de uma
ofensiva soviética para cercar a Europa e isolar os Estados Unidos.
Durante toda a sua vida Camus foi
um forte opositor a todo o tipo de totalitarismo. Sempre activo com a
Resistência Francesa durante a ocupação alemã, dirigindo o jornal Combat , é também um dos primeiros a
condenar a os excessos da vitória sobre os colaboradores, opondo-se de forma
absoluta tanto à intolerância como à pena de morte. É na sequência desta
oposição absoluta a todo o tipo de totalitarismo que ocorre a ruptura com
Sartre, adepto de um marxismo radical aplicado pela “política das massas”.
Em parte explica a sua posição ao
longo do ensaio sobre a Liberdade e a Revolta n’ “O Homem Revoltado”, uma
enorme interrogação à “política revolucionária de massas” e uma crítica a um
regime soviético totalitário, um estado policial e repressivo.
LITERATURA
Entre o escritor que pensava e o
pensador que escrevia, Albert Camus desenvolve uma obra literária privilegiando
a criação ao ensaio, o romance ao tratado de filosofia, optando por alargar o
seu trabalho ao maior numero de homens em vez de um circulo restrito e
académico de interlocutores. Enquanto escrevia a sua tese acerca de Platão e
Santo Agostinho, Camus acusou o fascínio e a influência do trabalho destes dois
filósofos na sua obra. No seu livro “Confissões”, Santo Agostinho desenvolve a
ideia de uma ligação entre Deus e o resto do mundo. Camus defendia que a
experiência pessoal do indivíduo poderia tornar-se um ponto de referência para
os escritos filosóficos e literários. Mais tarde concluiria que a ausência de
crença religiosa pode ser acompanhada pelo desejo de “salvação e significado”.
Esta linha de pensamento criava um paradoxo tornando-se uma ameaça para o
conceito de “absurdo” na obra de Camus.
O Prémio Nobel de Literatura
é-lhe atribuído no ano de 1957 pela “sua importante produção literária que, com
grande lucidez, aborda os problemas contemporâneos da consciência humana, bem
como pelos escritos contra a pena de morte (“Reflexões Sobre a Guilhotina”) “
A 4 de Janeiro de 1960 Albert
Camus e o seu amigo e editor Michel Gallimard morrem num acidente de viação.
Após a sua morte foram publicados dois títulos ( “A Morte Feliz” e “O Primeiro
Homem”)
Falar da obra de Albert Camus é
tentar compreender e sistematizar o pensamento de um dos mais importantes
pensadores/escritores da segunda metade do século XX. Ao comemorarmos o
centenário do seu nascimento, iremos ao longo deste mês publicar vários textos
sobre a sua obra. Mais do que comemorar interessa-nos sobretudo divulgar e
debater quais foram as suas influências nos dias de hoje. Obrigado a todos
aqueles que quiserem participar ou simplesmente conversar connosco.
Artur
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