Se estivéssemos na Idade Média, o
cronista de serviço poderia ter começado um artigo com a frase: “Um jornalista
chama palhaço ao Presidente da República e logo se levantaram as multidões
ruidosas contra, a favor e uma terceira, aquela que se mete em todas as
contendas não para esclarecer mas para desfilar, exibir-se, provar que está
viva.” O episódio vale o que vale, ou seja, muito pouco, comparativamente aos
problemas, esses sim reais e bastante graves que assolam a vida das pessoas, que
as levam ao desespero, à fome e ao suicídio, que as levam a perder dia após dia
as réstias da sua dignidade humana. O episódio, de uma banalidade
confrangedora, pretende tornar sério e eficaz a dignidade de uma instituição
cujo actual titular tudo fez para a desprestigiar, para a vulgarizar até valer
nada aos olhos da população. Por outro lado, o cronista detentor da ofensa
acaba de lançar um livro novo e este episódio calha que nem ginjas na
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Convenhamos, ambos os
protagonistas fazem parte da mesma elite, tomam as refeições na mesma cantina,
são actores da mesma peça de teatro que há décadas anda a ser representada ao
pagode. Teatro que é o único e que não permite que outros teatros se ergam, que
outras peças se representem. Ninguém entra no corpo de actores sem passar pelo filtro
da companhia instalada. Experimentem discordar publicamente com o jornalista em
questão e vão encontrar a reacção de um menino mimado que nunca se engana, não
admite contraditório e que se for preciso, em vez de recuar não hesita em
humilhar e ridicularizar o seu oponente. Já alguém o viu retratar-se no que
quer que seja?
Palhaços somos nós que, quando
soa a trombeta para o espectáculo largamos tudo o que estamos a fazer e vamos a
correr ver a nova peça. Palhaços somos nós que continuamos a dançar as músicas
todas que esta raça de caciques disfarçada de democratas nos vai tocando todos
os dias. Palhaços somos nós em aceitar fazer parte desse mundo que nos exclui,
roubando-nos todos os dias. Palhaços somos nós a vociferar e a mostrar os
dentes atrás de bandeiras de clubes de futebol, a odiar cidades e regiões só
porque alguns caciques a isso nos instigam. Palhaços somos nós a apontar com
facilidade o dedo ao outro, ao diferente, aquele que quer viver de outra
maneira que não nos afecta. Palhaços somos nós a dançar a música da idolatria,
que com o tempo se transferiu das religiões para os programas de televisão de
manhã, a seguir todos os passos de meia dúzia de papalvos que se pavoneiam em
festas e revistas e vivem de expedientes, a espreitar morbidamente as tragédias
e as desgraças alheias babados de curiosidade. Palhaços somos nós que
continuamos a exercer o direito de voto sempre nos mesmos convencidos que
estamos a escolher alguma coisa, mas no fundo a manter o mesmo estado de
coisas. Palhaços somos nós que permitimos que não se esclareçam uma série de
escândalos como a Lei de financiamento dos partidos, as manobras financeiras de
resgate dos bancos, as estupidamente altas taxas de energia e tantos, tantos
outros actos inúteis desta trágica e absurda peça teatral que nos representam
todos os dias. Palhaços somos nós, palhaços tristes que saltam da ponte abaixo,
que se atiram à linha do comboio, que dão um tiro nos cornos porque já não têm
mais nada para perder a não ser o direito de respirar. Sim meus amigos, no pior
e mais trágico sentido do termo…palhaços somos nós.
Artur
3 comentários:
Artur, estava para escrever um texto sobre isto. Sei que não ia sair tão bom, como este porque o subscrevo integralmente.
Se eu fosse palhaço andava muito chateado com isto tudo e já tinha feito um pedido de análise à PGR. Uma coisa é uma coisa digna (a profissão de palhaço). E a outra coisa é outra coisa.
Se eu fosse palhaço não gostava que me chamassem cavaco. Antes lagosta, ou quando muito, lagostim!
Abraço.
Gostei muito Artur. A pergunta que se faz é a de sempre. Até quando?
Vou partilhar.
Abraço
Obrigado Hélder, obrigado Young. Foi um momento de raiva que tomou conta de mim. Abraços
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