sábado, 25 de maio de 2013

PALHAÇOS SOMOS NÓS



 

Se estivéssemos na Idade Média, o cronista de serviço poderia ter começado um artigo com a frase: “Um jornalista chama palhaço ao Presidente da República e logo se levantaram as multidões ruidosas contra, a favor e uma terceira, aquela que se mete em todas as contendas não para esclarecer mas para desfilar, exibir-se, provar que está viva.” O episódio vale o que vale, ou seja, muito pouco, comparativamente aos problemas, esses sim reais e bastante graves que assolam a vida das pessoas, que as levam ao desespero, à fome e ao suicídio, que as levam a perder dia após dia as réstias da sua dignidade humana. O episódio, de uma banalidade confrangedora, pretende tornar sério e eficaz a dignidade de uma instituição cujo actual titular tudo fez para a desprestigiar, para a vulgarizar até valer nada aos olhos da população. Por outro lado, o cronista detentor da ofensa acaba de lançar um livro novo e este episódio calha que nem ginjas na publicidade.

Convenhamos, ambos os protagonistas fazem parte da mesma elite, tomam as refeições na mesma cantina, são actores da mesma peça de teatro que há décadas anda a ser representada ao pagode. Teatro que é o único e que não permite que outros teatros se ergam, que outras peças se representem. Ninguém entra no corpo de actores sem passar pelo filtro da companhia instalada. Experimentem discordar publicamente com o jornalista em questão e vão encontrar a reacção de um menino mimado que nunca se engana, não admite contraditório e que se for preciso, em vez de recuar não hesita em humilhar e ridicularizar o seu oponente. Já alguém o viu retratar-se no que quer que seja?

Palhaços somos nós que, quando soa a trombeta para o espectáculo largamos tudo o que estamos a fazer e vamos a correr ver a nova peça. Palhaços somos nós que continuamos a dançar as músicas todas que esta raça de caciques disfarçada de democratas nos vai tocando todos os dias. Palhaços somos nós em aceitar fazer parte desse mundo que nos exclui, roubando-nos todos os dias. Palhaços somos nós a vociferar e a mostrar os dentes atrás de bandeiras de clubes de futebol, a odiar cidades e regiões só porque alguns caciques a isso nos instigam. Palhaços somos nós a apontar com facilidade o dedo ao outro, ao diferente, aquele que quer viver de outra maneira que não nos afecta. Palhaços somos nós a dançar a música da idolatria, que com o tempo se transferiu das religiões para os programas de televisão de manhã, a seguir todos os passos de meia dúzia de papalvos que se pavoneiam em festas e revistas e vivem de expedientes, a espreitar morbidamente as tragédias e as desgraças alheias babados de curiosidade. Palhaços somos nós que continuamos a exercer o direito de voto sempre nos mesmos convencidos que estamos a escolher alguma coisa, mas no fundo a manter o mesmo estado de coisas. Palhaços somos nós que permitimos que não se esclareçam uma série de escândalos como a Lei de financiamento dos partidos, as manobras financeiras de resgate dos bancos, as estupidamente altas taxas de energia e tantos, tantos outros actos inúteis desta trágica e absurda peça teatral que nos representam todos os dias. Palhaços somos nós, palhaços tristes que saltam da ponte abaixo, que se atiram à linha do comboio, que dão um tiro nos cornos porque já não têm mais nada para perder a não ser o direito de respirar. Sim meus amigos, no pior e mais trágico sentido do termo…palhaços somos nós.

 

Artur

3 comentários:

Hélder disse...

Artur, estava para escrever um texto sobre isto. Sei que não ia sair tão bom, como este porque o subscrevo integralmente.
Se eu fosse palhaço andava muito chateado com isto tudo e já tinha feito um pedido de análise à PGR. Uma coisa é uma coisa digna (a profissão de palhaço). E a outra coisa é outra coisa.
Se eu fosse palhaço não gostava que me chamassem cavaco. Antes lagosta, ou quando muito, lagostim!
Abraço.

J.Young disse...

Gostei muito Artur. A pergunta que se faz é a de sempre. Até quando?
Vou partilhar.
Abraço

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado Hélder, obrigado Young. Foi um momento de raiva que tomou conta de mim. Abraços