segunda-feira, 20 de maio de 2013

HISTÓRIAS DE UM ASSASSINATO - 3


ESPECULAÇÕES

 

Lisboa, 12 de Dezembro de 1918

 

Meu caro amigo Ernesto:

 

Não avistei a pessoa que me preocupa, espero que o encontro será no dia 14, e oxalá possa eu prestar com o meu sacrifício o fim que tantas almas anseiam. Hoje falei com o dr. Magalhães Lima, ele está muito doente receio muito pela sua vida que tão preciosa é a esta nossa tão amada terra. Não me foi possível falar-lhe no mesmo assunto, nem talvez tenha já tempo de o fazer. Deixá-lo depois que façam o que o seu sentimento patriótico lhes designar. Não é tão fácil como me pareceu, a minha Missão, mas com um pouco de arrojo posso consegui-lo. Levo do lado do coração envolto na nossa bandeira a estrofe que te faço cópia. Mandei tirar fotografias grandes no Grandella, não tenho tempo de te enviar uma por isso te recomendo que requisites depois alguma para ofereceres aos nossos camaradas de ideias. Não tenho ninguém comprometido no meu gesto, só eu! Abraça-te o teu amigo

José Júlio da Costa.

 

 

Sidónio Pais, o Presidente-Rei, era visto pela esquerda radical como o ditador cuja acção era a fonte de opressão das classes trabalhadoras e como o traidor que abandonara à sua sorte o Corpo Expedicionário Português que combatera nas trincheiras da I Guerra Mundial, seguindo as suas convicções e simpatias germanófilas. José Júlio da Costa dirigiu-se a Lisboa no intuito de vingar os seus conterrâneos do Vale de Santiago eliminando o Presidente da República. A acção foi cuidadosamente preparada como a sua carta escrita a 12 de Dezembro de 1918 bem o indicia.

Para além da parte em que dá Júlio da Costa como um louco e que, como já tivemos ocasião de ver, pouca ou nenhuma substância encerra, desde aquela época que circulam teses que apontam para o envolvimento da Maçonaria na preparação do atentado. Embora atravessando um período de forte perseguição por parte dos circuitos mais conservadores, aquilo que se sabe é que José Júlio da Costa tinha uma grande admiração e simpatia pelo grão-mestre da época, Sebastião de Magalhães Lima. Por outro lado, o próprio Sidónio Pais tinha pertencido à Maçonaria, reforçando-se aqui uma vingança sobre um renegado da organização. Outro dado relevante é o dos tempos políticos que então se viviam.

 Dias antes da sua morte Sidónio Pais tinha escapado a outro atentado. Em 5 de Dezembro, na altura da imposição de uma condecoração aos marinheiros do NRP Augusto de Castilho. Os apoiantes do sidonismo rapidamente imputaram a autoria do atentado falhado à Maçonaria, organização fulcral na construção da república e dos seus ideais, ideais esses agora traídos e reprimidos pelo novo presidente. No dia seguinte a sede do Grande Oriente Lusitano Unido foi invadida e saqueada.

José Júlio da Costa não era exactamente um louco que executou um acto casual. Era um homem determinado, que planeou e concretizou um objectivo determinado. A sua admiração pelo Grão Mestre da Maçonaria não implica nem que a organização estivesse por trás da sua acção nem sequer que José Júlio da Costa fosse maçon. Até porque na época dificilmente um militar de baixa patente poderia figurar nas fileiras de uma organização tradicionalmente elitista e urbana. A Carbonária seria provavelmente uma organização onde o seu perfil melhor se conseguiria encaixar.

Mas tudo indica, como se lê na carta escrita pelo seu próprio punho, que a decisão de executar o presidente de república foi uma escolha e uma opção exclusivamente individual. Uma vingança sobre a falta de palavra das autoridades, um acto desesperado de salvação dos valores democráticos e republicanos, um sacrifício em nome de um povo e de uma pátria.

Infelizmente nunca saberemos o fim desta história. José Júlio da Costa morreu em 1946 com 52 anos no Hospital Miguel Bombarda sem nunca ter sido julgado.

 

Artur

4 comentários:

Hélder disse...

Será um assassino um monstro, ou alguém a quem a sua própria sensibilidade o impele a sacrificar-se em nome da sociedade, por aquilo que julga ser um bem maior?

Artur Guilherme Carvalho disse...

Se fosse um fanático religioso seria um mártir.

A.Teixeira disse...

Boa série de textos, Artur.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado António.