quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

UM FIO DE LIBERDADE

 

                                         One generation goes,

                                         another generation comes

                                         And the Sun also rises…

 

                                                     Ernest Hemingway

 

 

   Lisboa, vinte anos depois as guitarras voltaram a subir ao céu. No Campo Pequeno. Casa cheia para acolher um dos mais originais e virtuosos projectos musicais resultante das décadas de 80 e 90. “Resistência”, sinónimo de perseverança, dignidade, Liberdade.

As guitarras voltaram a fazer-se ouvir junto com as múltiplas vozes que recuperaram palavras e músicas de vários tempos e lhes juntaram alguns originais. Herdeiros assumidos de José Afonso e de uma corrente libertária que atravessa todos os tempos e envolve todas as gerações, esta geração agora na casa dos 40 a cair para os 50, voltou a apresentar-se perante um público entusiástico de várias idades que não regateou aplausos, que não hesitou em entoar as baladas tocadas, que elevou aos céus esta mensagem de Liberdade e Soberania que provou mais uma vez ser intemporal. Esta geração que quase não tem representantes no parlamento, que só existiu nas estatísticas, esta “marcha de desalinhados” que cedo percebeu o logro onde estava a cair e que não se cansou de o dizer, veio outra vez relembrar as queixas dos derrotados, dos esquecidos, voltou a cantar os hinos dos homens livres. Sonoridades típicas do cancioneiro português, tocadas pelas eternas guitarras da tradição ibérica, palavras desenhando os poemas de uma condição humana que não tem idade mas que sempre sofreu as mesmas consequências, que sempre teve que pagar o preço mais alto por afirmar a Liberdade, esta raça de Et’s reuniu-se na nave do Campo Pequeno para perceber que a vida é uma só e que a luta pela dignidade do ser humano é eterna. Sintonizaram-se tempos, afinaram-se circuitos, acertaram-se sincronias. As lições do passado são as apreensões do presente, os temas antigos continuam actuais. Por isso a tarefa nunca está acabada. A geração que nunca existiu, aquela que não quis “entrar no jogo a perder” voltou para dizer que não muda um milímetro àquilo que sempre disse, que não se desvia nem por um momento da linha que traçou. A geração que não existe, provavelmente amanhã já não estará aqui, mas fica contente porque o seu trabalho terá sempre continuidade, Desprezará a vida enquanto um jogo de simulações e egoísmos, ganâncias e hipocrisias. Nunca fará parte dela. Descende dos “filhos da madrugada” que também não se renderam, de Mário de Sá Carneiro e do seu grito contra toda a conformação ao estado das coisas. Recusa qualquer solução que não seja absoluta para toda a Humanidade, qualquer solução que deixe seja quem for do lado de fora. Canta a utopia como uma das maiores santas desta nova religião que transforma os concertos nas suas missas, nos seus actos de comunhão com a música. A música que liberta e sintoniza, a música herdada desde os tempos mais remotos da tradição trovadoresca. A música, única porta para a Liberdade e a Solidariedade entre os homens. Gerações vêm e vão, mas, como diz Hemingway no princípio desta crónica, “o Sol vai continuar a nascer”. E de facto, assim é, o Sol volta a nascer todos os dias. Essa Luz imensa de Liberdade e comunhão que cada geração constrói em todas as eras com o seu sacrifício e criatividade. Cada geração, cada fio de luz dessa imensidão solar que nunca se apaga. Cada fio de luz que no fundo é apenas um fio de Liberdade. RESISTÊNCIA SEMPRE!!!

 

Artur


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