sábado, 15 de dezembro de 2012

UM FILME BELO


TABU

 

Miguel Gomes

 

Portugal, 2012

 

 

Antes de mais nada, TABU é um filme belo. Desde a sua concepção formal até ao modelo narrativo utilizado, passando pela atmosfera deixada, pelo rasto das suas imagens, o filme consegue surpreender, sobressaltar, preencher as lacunas mais exigentes do espectador mais treinado. Dividido em duas partes, começa por nos introduzir a um bairro cinzento de Lisboa onde vive Aurora, uma octogenária temperamental e excêntrica acompanhada pela criada cabo-verdiana, Santa. Aurora tem o vício do jogo e, sempre que pode, gasta tudo o que tem no casino. Fala de uma filha que vive no Canadá mas que pouco ou nada quer saber dela. Além de Santa, a sua única amiga é Pilar, a vizinha, mulher de meia-idade profundamente católica envolvida em movimentos sociais. Aurora faz várias vezes referência a um episódio trágico protagonizado por si nos tempos da juventude em África mas nunca revela os seus contornos. Á beira da morte manda chamar um amigo, Gian Luca Ventura, um idoso estacionado num lar e que, dizem, já não regula muito bem da cabeça. É depois do funeral de Aurora que Gian Luca contará o terrível segredo a que Aurora se referia. O filme salta então para a segunda parte, para uma África antiga habitada por brancos ricos, loucos e errantes que se encaixam naquela magnífica paisagem, embora nunca dela venham a fazer parte. Aurora era filha de fazendeiros e casada com um estrangeiro. Gian Luca, um aventureiro sem poiso fixo que acaba por ir lá parar, formar uma banda e apaixonar-se por ela.

E é na sequência desta paixão, deste amor impossível que a tragédia se acabará por precipitar, ainda que nunca da maneira mais previsível. O desfecho fatal terminará com um morto (um amigo deles que os surpreende juntos), uma criança (a filha de Aurora e do marido) e o fim de um época no continente africano.

Para além da fotografia a preto e branco, a rara beleza deste filme prende-se com pequenos pormenores que, em conjunto, concorrem para uma atmosfera idílica de nostalgia, paixão e tragédia. Em primeiro lugar, o som. Na segunda parte é utilizado em exclusivo o OFF, ou seja, tudo nos é relatado pela voz do narrador enquanto os actores se confrontam, falam entre si, mas sem serem ouvidos. A única excepção vai para a entrada das músicas, breves pausas narrativas que aliviam o peso do passado. Depois temos a ausência total de referências ao espaço e ao tempo. Sabemos vagamente que estamos em África mas desconhecemos por completo em que região (talvez Moçambique por uma matrícula de carro e um volante à direita); sabemos que estamos no passado, mas, a única certeza que temos é a de estar na segunda metade do séc. XX porque a guerra colonial está a dar os primeiros passos. De certo temos as personagens, os seus sonhos e sentimentos, as suas angústias e as suas dúvidas. A história delas percorre esse vago conceito espácio-temporal ignorando-o quase por completo. Um circuito fechado que se basta a si próprio para existir, ser digno de memória, indiferente ao “onde” e ao “quando”. Quando Aurora e Gian Luca se refugiam numa cabana próximo da fronteira ( com que país, nunca saberemos) , acabam por ser surpreendidos por um amigo que os tenta dissuadir da sua loucura. Ele e Gian Luca pegam-se à pancada, ela ergue um revólver e dispara. Logo de imediato entra em trabalho de parto. Desesperado Gian Luca manda chamar o marido. Este chega e leva consigo Aurora, a filha recém-nascida e o cadáver do amigo. Gian Luca fica para trás. Nunca mais voltará a estar com ela, mesmo após a morte do marido. Aurora decide pagar pelo seu crime afastando para sempre o grande amor da sua vida. A morte daquele branco acaba por ser misteriosamente reivindicada por um grupo de libertação.

Quadro final e alegoria absoluta: no jipe seguem Aurora, o marido e a filha na cabine. Atrás, na caixa, o corpo do amigo assassinado por ela. No rádio o movimento de libertação apropria-se da execução de um branco, acusando-o de andar a fazer espionagem das suas actividades e movimentações. Portugal em África. Uma história de amor e morte, errância, abandono, uma nova vida que começa e um sem fim de equívocos e situações mal esclarecidas.

Premiado em vários certames internacionais (Berlim, Paris, Las Palmas, Zadar (Croácia) e Gant (Bélgica), TABU concorre ao título do melhor filme deste ano em qualquer categoria. Um filme original, surpreendente, extraordinário. Um filme BELO…

 

Artur

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