TABU
Miguel Gomes
Portugal, 2012
Antes de mais nada, TABU é um
filme belo. Desde a sua concepção formal até ao modelo narrativo utilizado,
passando pela atmosfera deixada, pelo rasto das suas imagens, o filme consegue
surpreender, sobressaltar, preencher as lacunas mais exigentes do espectador
mais treinado. Dividido em duas partes, começa por nos introduzir a um bairro
cinzento de Lisboa onde vive Aurora, uma octogenária temperamental e excêntrica
acompanhada pela criada cabo-verdiana, Santa. Aurora tem o vício do jogo e,
sempre que pode, gasta tudo o que tem no casino. Fala de uma filha que vive no
Canadá mas que pouco ou nada quer saber dela. Além de Santa, a sua única amiga
é Pilar, a vizinha, mulher de meia-idade profundamente católica envolvida em movimentos
sociais. Aurora faz várias vezes referência a um episódio trágico protagonizado
por si nos tempos da juventude em África mas nunca revela os seus contornos. Á
beira da morte manda chamar um amigo, Gian Luca Ventura, um idoso estacionado
num lar e que, dizem, já não regula muito bem da cabeça. É depois do funeral de
Aurora que Gian Luca contará o terrível segredo a que Aurora se referia. O
filme salta então para a segunda parte, para uma África antiga habitada por
brancos ricos, loucos e errantes que se encaixam naquela magnífica paisagem,
embora nunca dela venham a fazer parte. Aurora era filha de fazendeiros e
casada com um estrangeiro. Gian Luca, um aventureiro sem poiso fixo que acaba
por ir lá parar, formar uma banda e apaixonar-se por ela.
E é na sequência desta paixão,
deste amor impossível que a tragédia se acabará por precipitar, ainda que nunca
da maneira mais previsível. O desfecho fatal terminará com um morto (um amigo
deles que os surpreende juntos), uma criança (a filha de Aurora e do marido) e
o fim de um época no continente africano.
Para além da fotografia a preto e
branco, a rara beleza deste filme prende-se com pequenos pormenores que, em
conjunto, concorrem para uma atmosfera idílica de nostalgia, paixão e tragédia.
Em primeiro lugar, o som. Na segunda parte é utilizado em exclusivo o OFF, ou
seja, tudo nos é relatado pela voz do narrador enquanto os actores se
confrontam, falam entre si, mas sem serem ouvidos. A única excepção vai para a
entrada das músicas, breves pausas narrativas que aliviam o peso do passado.
Depois temos a ausência total de referências ao espaço e ao tempo. Sabemos
vagamente que estamos em África mas desconhecemos por completo em que região
(talvez Moçambique por uma matrícula de carro e um volante à direita); sabemos
que estamos no passado, mas, a única certeza que temos é a de estar na segunda
metade do séc. XX porque a guerra colonial está a dar os primeiros passos. De
certo temos as personagens, os seus sonhos e sentimentos, as suas angústias e
as suas dúvidas. A história delas percorre esse vago conceito espácio-temporal
ignorando-o quase por completo. Um circuito fechado que se basta a si próprio
para existir, ser digno de memória, indiferente ao “onde” e ao “quando”. Quando
Aurora e Gian Luca se refugiam numa cabana próximo da fronteira ( com que país,
nunca saberemos) , acabam por ser surpreendidos por um amigo que os tenta
dissuadir da sua loucura. Ele e Gian Luca pegam-se à pancada, ela ergue um
revólver e dispara. Logo de imediato entra em trabalho de parto. Desesperado
Gian Luca manda chamar o marido. Este chega e leva consigo Aurora, a filha
recém-nascida e o cadáver do amigo. Gian Luca fica para trás. Nunca mais
voltará a estar com ela, mesmo após a morte do marido. Aurora decide pagar pelo
seu crime afastando para sempre o grande amor da sua vida. A morte daquele
branco acaba por ser misteriosamente reivindicada por um grupo de libertação.
Quadro final e alegoria absoluta:
no jipe seguem Aurora, o marido e a filha na cabine. Atrás, na caixa, o corpo do
amigo assassinado por ela. No rádio o movimento de libertação apropria-se da
execução de um branco, acusando-o de andar a fazer espionagem das suas
actividades e movimentações. Portugal em África. Uma história de amor e morte,
errância, abandono, uma nova vida que começa e um sem fim de equívocos e
situações mal esclarecidas.
Premiado em vários certames
internacionais (Berlim, Paris, Las Palmas, Zadar (Croácia) e Gant (Bélgica),
TABU concorre ao título do melhor filme deste ano em qualquer categoria. Um filme
original, surpreendente, extraordinário. Um filme BELO…
Artur
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