domingo, 18 de novembro de 2012

O FUTURO É UM PLANETA DISTANTE

Tal como as famílias grandes que muitas vezes só se conseguem encontrar em casamentos ou funerais, por mais contactos e promessas de encontros trocadas, a minha familia de amigos só consegue registar um numero elevado (completo é impossível) de presenças no mesmo local em ocasiões especiais. Por exemplo, num aniversário. Desta forma regressamos ao tempo em que tínhamos 20 anos e nos víamos todos praticamente todos os dias. Revivemos o passado de forma intermitente. E já vamos cheios de sorte...a de ainda cá estar para o fazer. Da última vez calhou sentar-me ao lado de um antigo colega de trabalho do aniversariante. Um tipo que muito estimo, reformado há já alguns anos, a caminho dos 70. Não tenho nem nunca tive grande simpatia pela sua geração ( a dos meus pais). No entanto há nela, afinal como em tudo, excepções, gente que nunca se limitou a viver nas fronteiras etárias, geográficas e temporais do ano em que nasceu, gente que usou o seu estatuto de antiguidade para ajudar, ensinar, ser solidário com os mais novos, em vez de os usar como subalternos temporais, prestadores de serviços para satisfação de frustrações antigas. Falámos dos tempos que vão correndo, das perspectivas e possibilidades que o futuro desenha. Ele relembrou que o grande obstáculo do seu tempo tinha sido a guerra colonial. Ou se ia ou não se ia, e quando se ia, ou se voltava ou se ficava lá. Depois de tudo isso passado a vida correu com normalidade até à reforma. O grande obstáculo da minha geração ( que anda pelo fim dos 40 a caír para os 50) foi o começo de vida. Trabalho escasso e parcial, obrigação de viver fora do local em que crescemos por especulação imobiliária, drogas, tirania dos partidos a interferir em todos os aspectos da vida social e a secar toda a originalidade à sua volta. Não levámos com uma guerra mas travámos duras batalhas, contabilizámos as nossas baixas. Agora a geração dos nossos filhos (alguns já entrados na casa dos 20) a deparar-se com mais um cenário de guerra. No fundo todos acabam por entrar em combate, mas para poderem sobreviver, para ter direito a uma vida. E quem se recusa a aceitar a ordem que lhe é imposta, mais obstáculos encontra pelo caminho. Recordo uma discussão acalorada com o meu pai em que insistia na ideia de que tinha sido roubado o futuro à minha geração. Ele olhou para mim e perguntou-me: "Hás-de me dizer qual foi a geração a quem não foi roubado o futuro..." Não lhe consegui responder. Hoje compreendo o que ele queria dizer. Todas as gerações são despojadas de futuro, de esperança. Para alimentar as mais antigas, para manter no poder quem já lá se encontra. Qualquer acto de rebeldia será severamente punido, qualquer atitude de não alinhamento receberá o ostracismo, qualquer originalidade será ignorada. É assim que um geração entra no mundo e na vida, à força, em guerra e pelo direito a um espaço, um pedaço de vida. Falo obviamente daqueles que tendo personalidade se recusam a alinhar com o jogo já existente, daqueles que resistem, daqueles que se tentam manter dignos e não se importam com o preço a pagar.

Na segunda parte da conversa falámos das reformas, do posicionamento das nossas idades em relação às modas que se instalam. Ele ainda goza da sua reforma, eu provavelmente terei uma miséria para sobreviver quando fôr velho, os meus filhos de certeza que não terão reforma nenhuma. Dizia-me ele que, tal como vamos vivendo sem pensar na morte, não nos conseguimos convencer que a vida é uma sucessão de ciclos, um contrato de aluguer a termo certo. Um dia será a nossa vez de saír de cena e mais vale aceitar essa ideia do que pensar que ela nunca chegará. Quem vier atrás que apague as luzes. A nossa cena tem um tempo para acontecer e depois outro grupo tomará conta do palco. Despojados de futuro e de esperança os sobreviventes acabam por construir qualquer coisa, dar alguma forma às suas vidas. A peça que interpretamos não faz sentido nenhum...nunca fez. Daí mais uma razão para sermos dignos de nós próprios, mais uma razão para darmos a mão ao "outro" em vez de a fechar sobre a sua cara. Mais uma razão para promover o bem estar geral e aliviar tanto quanto possível o peso esmagador deste absurdo que nos governa. Porquê? Se calhar porque nos amamos uns aos outros sem o sabermos, porque a nossa tendência pende mais para o Espírito do que para a animalidade. Porque a maior, a única vitória certa da nossa existência é a de sabermos que não vamos ficar cá para sempre. E isso dá-nos uma felicidade, uma alegria sussurrada que nada nem ninguém poderá roubar...



Artur

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