quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A CIDADE SEM LÁGRIMAS



A noite vai escorrendo entre as sombras e as luzes da cidade, arrepiada de frio, molhada nas poças que os carros vão espalhando ao acaso. Um homem sentado no café olha lá para fora depois de um café duplo e um folhado seco que lhe serviram de jantar. Agarra no telefone e ensaia uma mensagem mas arrepende-se de imediato e volta a olhar através da vitrina. Uma mulher arruma o pano da louça numa cozinha iluminada por uma luz fraca. O filho saiu para a faculdade e a casa ficou vazia, silenciosa. Senta-se na sala indiferente à televisão, pega num livro, lê duas frases e põe-no de lado. Um sem abrigo procura um lugar seco e abrigado para poder passar a noite, levando debaixo do braço um molho de cartões que lhe servirão de cama. Parece que pensa por vezes, mas não pensa nada, não espera nada, caminha apenas em busca de um lugar para passar a noite. O homem do café brinca distraído com o isqueiro, puxa a gola do casaco para cima antes de enfrentar a rua. Outra mulher fixa-se na internet, atenta a novidades, a frases novas que possa comentar.
Amanhã será…qualquer coisa. Qualquer coisa que se escapa entre sombras e luzes de uma noite que amanhece. Amanhã será mais um dia a caminho de lado nenhum. Os sonhos morreram espalhados no vazio pelas rodas da vida de todos os dias. O sonhos foram ontem quando tudo era possível, na idade em que era permitido sonhar. O homem do café, a mulher que acabou de arrumar a cozinha, o sem abrigo, a mulher da internet, já todos foram rostos, já foram corpos cheios de energia e esperança. Estiveram todos juntos numa noite como a de hoje, indiferentes ao frio. Foram actores numa pequena peça teatral, num pequeno filme onde se ouvia música que parecia vinda directamente do paraíso. Foram amantes insaciáveis em noites sem cansaço, criadores de sonhos e de esperança. Jantaram entusiasmados mal tendo tempo para se ouvir no meio da algazarra de estudantes. Hoje limitam-se a observar a cidade com o olhar vazio, esvaziados de ambições. Umas vezes por escolha própria, outras por escolha do tempo, ou da sobrevivência. Caíram e levantaram-se muitas vezes, caíram e levantaram-se vezes demais. Agora empurram os corpos em busca de uma noite, de um sono redentor que os liberte desta cidade sem nome. Não esperam nada, não querem nada, e por mais lágrimas que imaginem já não as conseguem produzir. Esqueceram-se como era chorar. Esqueceram quase tudo. Agora vivem indiferentes, empurrados pela lógica dos dias a caminho de nada.

A cidade vai escorrendo a noite por entre sombras e luzes fugidias, permanente, indiferente, implacável. Os homens e as mulheres que nela habitam vão-se arrastando a caminho de mais um dia. A cidade não lhes pertence. Só a solidão é deles e as lágrimas que querem chorar, não choram porque se esqueceram de como se faz.

 

Artur

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