“O Intrínseco de Manolo”
João Rebocho Pais
Ed. Teorema, 2012
No ambiente de uma aldeia perdida
na imensidão do Alentejo (Cousa Vã), os dias correm sem sobressalto, as vidas
de hoje são iguais às de ontem e voltarão a ser amanhã. Para alternar à viragem
de minis no tasco ao fim da tarde e para abanar a pasmaceira, a aldeia inventa
histórias, cria boatos, tenta imaginar que algo de relevante se passa para
mascarar o “nada” enorme em que se afundam as suas vidas. Indiferente a boatos e
a acusações, Manolo vive a sua vida, socorrendo-se da presença de uma azinheira
para interlocutora dos seus medos, angústias e depressões. Perto dela acaba
sempre por encontrar uma resposta para os seus problemas, mesmo os mais
bicudos. E é precisamente na vida de Manolo que um acontecimento inesperado o
vai fazer reaprender a vida, o amor da sua mulher e o outro amor, até aí
adormecido, pela sua comunidade. Além de Manolo há outros personagens que vão
decorando este pequeno romance, uns mais pitorescos que outros, embelezando o
quadro comunitário, tentando sobreviver, adaptando-se às diversas agruras da
sua condição.
Para além de uma história muito
bem contada, o autor conquista um patamar que outros não conseguem atingir
antes do seu terceiro ou quarto título. Estou-me a referir ao encontro com a
“Voz” interior, o “intrínseco” do autor. Uma espécie de azinheira que habita no
nosso silêncio mas que nem sempre é fácil de ouvir, quanto mais de decifrar.
João Rebocho Pais atinge esse patamar logo na primeira tentativa ao desenvolver
uma linguagem original, muito própria, que consiste em misturar o linguarejar
popular com a profundidade emocional, propondo ao leitor um desafio de prazer e
entretenimento que o leva das lágrimas ao riso sem tréguas. Ler este romance de
estreia do autor é garantidamente a certeza de um tempo bem passado, a alegria
de uma história bem contada, o entusiasmo da intimidade com uma comunidade
perdida a poucos quilómetros da fronteira com a Espanha. E será
fundamentalmente, tempo bem aproveitado.
Falar do trabalho de uma autor
que conhecemos é sempre constrangedor e condicionante. Se esse autor é ao mesmo
tempo um amigo de longa data, ainda mais. Referência que poderia ter sido
omitida sem que a justiça destas palavras fosse comprometida. Porque se
estivesse perante um trabalho fraco e mal conseguido de um amigo, teria a
atitude de não o mencionar, debater, criticar. Como felizmente, nada disso se
passou, não hesito em o divulgar e aconselhar a todos os leitores de boas
histórias. E se não chegarem as minhas palavras, julgo que o interesse do maior
grupo editorial do país fala por si. No seu romance de estreia, o João é
editado pelo grupo Leya que, tanto quanto me parece, não costuma fazer apostas
para perder. Leiam e divirtam-se.
Artur
2 comentários:
Artur: Ou porque ando um pouco arredado da blogosfera, ou porque mil e um assuntos do corriqueiro dia a dia me levam para outros lados, apenas agora deparei com este post. Uma análise ' limpa ', estruturada, com profundidade, que me mostra que leste o Manolo e a ele chegaste.
Quanto à referência à amizade, resta-me dizer que a tua é uma mais valia que sei guardar na minha vida.
Grande abraço, Chaval!
Obrigado chaval, sempre às ordens. abraço
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